I’d sit alone and watch your light
My only friend through teenage nights
And everything I had to know
I heard it on my radio
(Eu me sentaria sozinho e observaria sua luz
Meu único amigo pelas noites adolescentes
E tudo o que eu precisava saber
Eu escutava no meu rádio)
(Queen)
Todas as manhãs, quando saio de casa e entro no carro, a primeira coisa que faço é ligar o rádio. Ouvir música, notícias e partidas de futebol pelo rádio é um hábito que tenho desde a adolescência. Embora, quando nasci, a televisão já tivesse invadido a maioria dos lares brasileiros, o rádio sempre foi um bom companheiro.
Ele sempre teve presença marcante como meio de comunicação ágil e de fácil acesso. Devido à sua natureza de transmissão de sinais, as emissoras conseguem propagá-los por longas distâncias. Dependendo da frequência em que são transmitidos, os sinais podem ser captados a milhares de quilômetros.
As emissoras transmitem seus sinais por meio de ondas eletromagnéticas, que são oscilações em fase de campos elétricos e magnéticos. Tais ondas foram previstas teoricamente pelo físico britânico James Clerk Maxwell (1831-1879), que consolidou as leis do eletromagnetismo, mostrando inclusive, em 1879, que a luz era uma forma de onda eletromagnética. Em 1888, o físico alemão Heinrich Hertz (1857-1894) produziu ondas eletromagnéticas a partir de um oscilador, comprovando as ideias de Maxwell.
Em 1896, o físico italiano Guglielmo Marconi (1874-1937) desenvolveu o primeiro sistema prático de transmissão de sinais sem fio, com base em trabalhos anteriores do engenheiro austríaco Nikola Tesla (1856-1943). Embora de fato Tesla tenha realizado experimentos demonstrando a transmissão de sinais por ondas eletromagnéticas antes de Marconi, coube a este último desenvolver o equipamento para aplicações práticas como as que conhecemos hoje. Marconi, juntamente com o físico alemão Karl Ferdinand Braun (1850-1918), foi agraciado com o Nobel de Física em 1909 por esses avanços na transmissão de sinais sem fio.
As ondas eletromagnéticas usadas na transmissão de sinais, como as de rádio e TV, são uma pequena parte do chamado espectro eletromagnético. A luz visível, por exemplo, é uma onda eletromagnética de comprimento entre 400 a 700 nanômetros (1 nanômetro = 1 bilionésimo do milímetro) e tem frequência entre 400 e 750 THz (1 THz = 1012 hertz; 1 seguido de 12 zeros).
Já as ondas de rádio têm comprimentos de onda muito maiores (entre alguns metros e centenas de metros) e frequências mais baixas, da ordem de kHz a MHz (entre milhares e milhões de hertz). A luz visível pode ser captada por nossos olhos; já as ondas de rádio não podem ser vistas, pois, para perceber esse tipo de radiação, nossos olhos deveriam ter um tamanho da ordem de metros.
A radioastronomia
As ondas de rádio não são emitidas só pelas emissoras de rádio. As emissoras de televisão, as operadoras de celulares e até aparelhos individuais (como celulares) também trabalham nessa faixa de frequência. Contudo, há também fontes naturais que emitem na faixa das ondas de rádio, mas estas estão fora da Terra. A ciência que estuda tais fontes de emissão é a radioastronomia.
A radioastronomia teve início na década de 1930, quando o físico e engenheiro norte-americano Karl Jansky (1905-1950) trabalhava para os laboratórios Bell, nos Estados Unidos, e projetou uma antena em uma plataforma giratória para receber sinais na frequência de 20,5 MHz.
Essa antena detectou um sinal com uma variação de intensidade a cada 23h56 min, o período de rotação da Terra. Após quase um ano de investigação, Jansky identificou que essa fonte vinha de uma região da constelação de Sagitário, que é a direção do centro da Via Láctea. O centro da nossa galáxia, como o de quase todas as galáxias, é uma poderosa fonte de emissão de ondas de rádio.
Após essa descoberta, foi possível começar a observar o universo de um outro ponto de vista. Novos objetos puderam ser identificados, como pulsares (estrelas de nêutrons extremamente densas) e quasares (núcleos ativos de galáxias muito distantes). Também se observou que o próprio Sol e o planeta Júpiter são fontes de sinais desse tipo.
Indício do Big Bang
Talvez uma das mais importantes descobertas da radioastronomia tenha sido a radiação cósmica de fundo de micro-ondas, que é um remanescente da formação dos primeiros átomos, quando a radiação se desacoplou da matéria. Essa radiação foi descoberta há 50 anos pelos físicos norte-americanos Arno Penzias (1933-) e Robert Wilson (1936-), agraciados com o prêmio Nobel de Física em 1978.
Mas foi prevista inicialmente por Ralph Alpher (1921-2007), Robert Herman (1914-1997) e George Gamov (1904-1968), entre outros físicos, a partir de estimativas de que, se o universo fosse muito quente e denso há bilhões de anos, devido à sua expansão deveríamos ter hoje uma radiação residual que preencheria todo o cosmos equivalente a uma temperatura de aproximadamente 3 K (-270 ºC), correspondendo a uma radiação na faixa das micro-ondas. Essa radiação é um indício da ocorrência do Big Bang, que deu origem ao nosso universo.
Essa radiação está à nossa volta. Quando sintonizamos um aparelho de televisão em um canal que não transmite nenhuma estação, alguns dos chuviscos captados se devem a essa radiação. Curiosamente, podemos observar em nossas casas alguns indícios das possíveis cinzas do Big Bang.
Na década de 1990, o satélite COBE, da agência espacial norte-americana (Nasa), realizou medidas precisas dessa radiação e observou que ela não apresentava distribuição perfeitamente uniforme, conforme previa os modelos sobre o Big Bang. Mais recentemente, o telescópio BICEP2 observou flutuações na radiação de fundo cósmico associadas à propagação de ondas gravitacionais decorrentes do Big Bang. Mas esses resultados foram contestados e podem ter outra origem. Ainda serão necessários novos estudos para se ter alguma comprovação.
As ondas de rádio transportam diferentes informações em nosso cotidiano, como imagens, sons, músicas, notícias e nos conectam com outras pessoas. Das profundezas do espaço, elas nos trazem informações de eventos cósmicos distantes, tanto no tempo como no espaço, ajudando a tentar decifrar a própria origem do universo. Poder observar a natureza com ‘outros olhos’ permitiu que enxergássemos além das estrelas. Sem dúvida, as ondas de rádio podem nos emocionar de diferentes maneiras.
Adilson de Oliveira
Departamento de Física
Universidade Federal de São Carlos