Novos ‘dragões voadores’ descobertos na China

 

Os depósitos fossilíferos da região de Liaoning, na China, continuam surpreendendo. Após inúmeras descobertas de destaque nos últimos 10 anos, foram descobertas ali duas novas espécies de pterossauros, com a participação de pesquisadores brasileiros. Ambas foram descritas em artigo publicado na edição de 6 de outubro da Nature , uma das mais prestigiosas revistas científicas.
 
A convite dos colegas chineses Xiaolin Wang e Zhou Zhonghe, do Instituto de Paleontologia de Vertebrados e Paleoantropologia, vinculado à Academia Chinesa de Ciências, tivemos a oportunidade de examinar muitos exemplares que haviam sido coletados nos depósitos de Liaoning e arredores, juntamente com Diógenes de Almeida Campos, pesquisador do Museu de Ciências da Terra, vinculado ao Departamento Nacional de Produção Mineral.
 
Como vimos em colunas anteriores, entre os principais depósitos paleontológicos da China estão as formações Yixian e Jiufotang, representação de rios e lagos que existiram entre 138 e 120 milhões de anos atrás. Pesquisadores conseguiram estabelecer que os depósitos com maior quantidade de fósseis se formaram há 125-120 milhões de anos. As cinzas e os tufos vulcânicos encontrados intercalados nas camadas mostram claramente que essa parte do planeta sofria com as constantes erupções vulcânicas, o que valeu à região o apelido de ” Pompéia do Cretáceo “. Essas erupções produziram eventos de mortandade, possivelmente por asfixia, o que destruiu parte do ecossistema do passado, inclusive os pterossauros e outros organismos.
 
Os novos pterossauros descritos na Nature possuíam uma abertura alar semelhante: a distância entre a ponta das duas asas era de aproximadamente 2,4 e 2,5 metros. O primeiro deles foi encontrado nas camadas da Formação Yixian e recebeu o nome de Feilongus youngi . Em chinês, Feilongus significa “dragão voador”; já youngi é uma homenagem ao pesquisador C.C. Young, o primeiro a descrever um pterossauro na China. Foi encontrado um crânio dessa espécie com uma dentição confinada na primeira terça parte do crânio. O F. youngi difere dos demais pterossauros por possuir duas cristas – uma pequena e baixa na pré-maxila e outra na região posterior do crânio. Ele possui ainda a arcada inferior retraída em relação à superior – uma característica incomum entre os pterossauros.
 
A segunda espécie recebeu o nome de Nurhachius ignaciobritou (a primeira parte homenageia o fundador da dinastia Chi´ing, e a segunda, o pesquisador Ignácio M. Brito, um dos principais paleontólogos brasileiros). Trata-se de uma forma bastante rara de um grupo chamado Istiodactylidae, anteriormente conhecido apenas por fósseis encontrados em depósitos da Inglaterra. Entre as características principais dessa espécie, estão os dentes de forma triangular e posicionados muito próximos uns dos outros. A dentição está confinada na parte mais anterior do crânio, e a arcada dentária inferior, ligeiramente direcionada para cima.
 
Também conhecidos como répteis voadores, os pterossauros pertencem a um dos grupos de fósseis de maior apelo popular, perdendo apenas para os dinossauros. Seu registro mais antigo data de aproximadamente 225 milhões de anos. Esse grupo está totalmente extinto, tendo desaparecido há 65 milhões de anos. Nesse intervalo de 160 milhões de anos, esses animais alados estiveram presentes nas mais distintas partes do globo, da Groenlândia à Austrália, tendo sido reportadas algo em torno de 150 espécies.
 
Os pterossauros foram os primeiros vertebrados a desenvolverem vôo ativo. Eles se diferenciam bastante das aves e dos morcegos por inúmeras características. As principais estão relacionadas às suas asas, formadas pelo quarto dígito que sustentava uma membrana alar. Essa estrutura é bem diferente da que encontramos nos morcegos, que possuem quatro dígitos sustentando a membrana alar, e nas aves, que possuem um antebraço bem desenvolvido além de penas.
 
Os pterossauros são conhecidos há mais de duzentos anos – o primeiro deles foi descrito em 1784 e reconhecido como animal voador em 1801. No entanto, o conhecimento que temos desse grupo ainda é bastante reduzido. Existem muitas opiniões contrárias entre os pesquisadores sobre diversos aspectos desses animais: os paleontólogos discordam em relação à sua origem ou sua fisiologia – há dúvidas, por exemplo, sobre se eles eram ou não animais de “sangue quente” (ditos homeotérmicos). Todos concordam, no entanto, que os pterossauros não são dinossauros – eles são considerados parentes próximos, cada um com uma história evolutiva distinta. Durante o período em que viveram, eles são tidos como os animais que dominaram os céus da Terra – ou será que não?
 
As descobertas feitas recentemente na China ajudam a entender essa questão: além de descrever as duas novas espécies, o trabalho publicado na Nature faz uma análise da competição entre as aves e os pterossauros durante o Cretáceo. Essa análise permitiu estabelecer uma teoria sobre os vertebrados alados existentes na época (aves e pterossauros), baseada em observações feitas em muitos depósitos fósseis.
 
Em primeiro lugar, constatamos que existe uma grande concentração de restos de pterossauros em áreas situadas em antigas regiões costeiras. Nessas localidades, os restos de aves estão ausentes ou presentes em quantidades muito pequenas. Podemos citar como exemplo a Formação Niobrara, dos Estados Unidos, o Calcário de Solnhofen, no sul da Alemanha, a Cambridge Greensand, na Inglaterra, e a Formação Santana, no Nordeste do Brasil, que contam com cerca de 50% de todas as espécies de pterossauros identificadas, bem como mais de 90% de todo material desse grupo. No entanto, a situação no interior dos continentes nunca foi propriamente abordada, pela simples falta de depósitos tipicamente do interior do continente. Liaoning surge como uma possibilidade única, por possuir pterossauros e aves.
 
Em uma análise preliminar, fica claro que as aves encontradas nos depósitos de Yixian e Jiufotang são bem mais numerosas (são mais de 2000 espécimes, contra 140 pterossauros) e diversificadas (cerca de 21 espécies, contra 13 de pterossauros). Tal observação nos levou a formular a hipótese segundo a qual os pterossauros dominavam as antigas regiões costeiras dos continentes, enquanto as aves eram predominantes e mais diversificadas nas regiões no interior dos continentes. Novas descobertas poderão ajudar a ratificar – ou desmentir – esta hipótese.
 
O trabalho publicado na Nature é fruto do esforço coletivo de pesquisadores do Brasil e da China.  Iniciada em 2004, esta colaboração aproxima os dois países e mostra que a ciência não tem fronteiras. A participação brasileira é parcialmente financiada pela Academia Brasileira de Ciências, Faperj e CNPq. Participaram na confecção das réplicas e ilustrações os paleoartistas do Museu Nacional Maurílio S. Oliveira, Orlando Grillo e Vanessa Dorneles Machado.
 

A réplica do material original de Nurhachius ignaciobritoi , juntamente com um painel com o desenho e a reconstrução tridimensional do pescoço e cabeça de ambos os novos pterossauros, estão em exibição no Museu Nacional a partir da próxima sexta feira, 8 de outubro. Aproveite para ver de perto mais esta nova descoberta da paleontologia!           


Alexander Kellner
Museu Nacional / UFRJ
Academia Brasileira de Ciências
05/10/05
 

Veja fotos na Galeria

 

Paleocurtas 

As últimas do mundo da paleontologia
(clique nos links sublinhados para mais detalhes)

A XIII Semana dos Dinossauros ocorre em Peirópolis, perto de Uberaba (MG), de 3 a 7 de outubro. Organizada pela Prefeitura de Uberaba no âmbito da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia , a atividade pretende apresentar para o público as descobertas e o trabalho que vêm sendo realizados na região, que contém um dos principais depósitos brasileiros com dinossauros.

Pesquisadores gaúchos que estudam os vegetais que viveram no Sul do país descreveram uma nova espécie de conífera –  Coricladus quiteriensis –, baseados em vários exemplares encontrados em rochas da Formação Rio Bonito (datadas do Permiano Inferior, há cerca de 267 milhões de anos). Publicado nos Anais da Academia Brasileira de Ciências , o estudo reforça a interpretação segundo a qual a região de Encruzilhada do Sul era  pantanosa no passado.

Pesquisadores dos Estados Unidos e de Mali descreveram em detalhes um crânio pertencente a uma espécie de crocodilomorfo marinho. O exemplar foi encontrado em Mali em depósitos que registram a passagem do limite entre o Cretáceo e o Terciário, quando se deu a extinção em massa de muitos organismos, incluindo a maior parte dos dinossauros. O trabalho foi publicado no Journal of Paleontology , da Paleontological Society .

Novos exemplares de peixes primitivos foram descobertos em rochas do Devoniano na Austrália. Encontrado no estado de Nova Gales do Sul, o material e pertence a duas novas espécies – Cobandrahlepis petyrwardi e Yurammia browni – e contribui para aumentar a diversidade dos placodermas (grupo ao qual pertencem esses peixes) que viveram nessa região há cerca de 380-360 milhões de anos. O estudo foi publicado no Journal of Vertebrate Paleontology .

Um novo dinossauro do grupo dos anquilossauros foi descoberto na Hungria, em depósitos do Cretáceo Superior. A espécie, que recebeu o nome de Hungarosaurus tormai , foi descrita a partir de quatro espécimes e representa o mais completo anquilossauro encontrado até a presente data na Europa. O estudo foi publicado no Journal of Vertebrate Paleontology .

 

 

Envie comentários e notícias para esta coluna: [email protected]

Leia mais sobre o paleontólogo Alexander Kellner
e a proposta da coluna “Caçadores de Fósseis”.