Por uma dessas notáveis coincidências, quase ao mesmo tempo em que Thaís Fernandes, editora assistente da CH On-line, sugeria que a coluna deste mês fosse dedicada a Thomas Alva Edison, falecido em 18 de outubro de 1931, Marco Aurélio Idiart, professor do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) insinuava que eu deveria participar do programa ‘Fronteiras da Ciência’, da Rádio da UFRGS, para falar sobre Nikola Tesla, cujas vida e obra são pouco conhecidas na nossa sociedade.
Diante da coincidência, decidi falar aqui de ambos. Edison e Tesla foram contemporâneos e este chegou a trabalhar para aquele. O primeiro nasceu em fevereiro de 1847 e o segundo em julho de 1856. Além dessa contemporaneidade, partilhavam mais uma única característica: ambos eram inventores geniais. Edison registrou mais de mil patentes e Tesla chegou perto das 300.
Em outros aspectos da vida pessoal e dos procedimentos laborais, eles eram tão opostos quanto os polos de um ímã. Edison, para quem um gênio era 1% de inspiração e 99% de transpiração (para alguns autores, ele teria dito 5% de inspiração), elaborava seus inventos por meio de tentativas e erros. Não tendo formação científica e tecnológica formal, nem mesmo uma vida cultural que mereça destaque, só podia contar com a sua inata e impressionante capacidade para inventar dispositivos tecnológicos.
Com seu curso de engenharia na Escola Politécnica de Gratz, Áustria, Tesla teve formação universitária nos padrões acadêmicos da época e uma rica vida cultural. Chegou a dominar mais de nove idiomas e, quando estava no segundo ano da faculdade, esboçou para seu professor de física a possibilidade de um motor de corrente alternada para superar as dificuldades apresentadas pelos comutadores dos motores de corrente contínua.
Movidos a eletricidade
A primeira patente de Edison, aos 21 anos de idade, foi um retumbante fracasso. Tratava-se de uma máquina de contar votos que ele ofereceu às assembleias legislativas. Foi ridicularizado, pois os legisladores não estavam nem um pouco interessados em contagem rápida de votos.
A primeira patente registrada por Tesla nos Estados Unidos da América, em 1885, foi uma lâmpada elétrica a arco, precursora das lâmpadas fluorescentes atuais. No interior do bulbo, dois eletrodos, imersos em determinado gás, produzem uma descarga elétrica que excita o gás e o faz emitir luz.
Mas é quase certo que essa não tenha sido a primeira invenção de Tesla nos EUA, pois em 1884, quando lá chegou, ele foi trabalhar na fábrica de Edison e deve ter elaborado alguns produtos, que, como de hábito, podem ter sido patenteados em nome de Edison.
Diferentes traços de personalidade e de capacidade intelectual de Edison e Tesla são ressaltados conforme as tendências de seus diversos biógrafos. Edison pode ser visto como um inventor empreendedor ou como um homem sem escrúpulo, que joga a ética na lata do lixo para defender o valor comercial das suas invenções.
William Orton, quando presidente da Western Union, a maior companhia telegráfica do mundo naquela época, teria dito que Edison “tinha um vácuo no lugar da consciência”.
Por outro lado, Tesla é marcado pelo seu ímpeto visionário, pela sua inabilidade comercial e pelo seu exagerado exibicionismo, característica esta que o levava a protagonizar cenas quase circenses na apresentação dos seus inventos.
Inequivocamente, esses dois homens contribuíram, e muito, para a colocação da eletricidade no patamar industrial com repercussão global, iniciando a era dos laboratórios industriais em escala similar ao que se vê hoje.
Dessa estratégia operacional resultaram tantos produtos que tratá-los no espaço desta coluna seria uma tarefa, senão impossível, de difícil execução. Suas contribuições tecnológicas vão do aperfeiçoamento do telefone à comunicação sem fio, passando pela invenção e aprimoramento da lâmpada elétrica, em cujo campo se deu a mais acirrada das batalhas travadas pelos dois gênios da eletricidade.
Revolucionário, mas inconveniente
Edison começou a criar a lâmpada elétrica por volta de 1878, um ano depois de Tesla ter considerado a possibilidade da invenção de um motor de corrente alternada. A ideia de Edison não era original. Durante décadas, muita gente tentara, sem sucesso, criar luz artificial.
Que um metal aquecido era capaz de produzir luz todo mundo sabia. Naquela época em que a metalurgia era a rainha das tecnologias, bastava olhar o ferro nos fornos de fundição para descobrir que em altas temperaturas ele chegava a ficar branco, emitindo intensa radiação luminosa.
Então, se fosse possível ligar um fio de metal a uma pilha de alta voltagem, luz seria produzida pelo aquecimento do fio quando este fosse percorrido por uma intensa corrente elétrica. Essa ideia óbvia e simples guardava, no entanto, enormes desafios tecnológicos, a começar pelo tempo de vida útil de um metal submetido a intensas correntes elétricas.
A primeira consequência de um metal aquecido na presença do ar é sua oxidação, que cresce rapidamente e chega a transformá-lo em fuligem. Se o metal for resistente à corrosão, antes de convertê-lo em fuligem, a corrente elétrica pode fundi-lo. Foi isso o que aconteceu em 1872, em São Petersburgo, quando o russo Aleksandr Lodygin (1847-1923) tentou iluminar as docas com 200 lâmpadas. A uma intensa luminosidade, seguiu-se, em poucas horas, a fusão de todos os filamentos.
Com toda a sua engenhosidade e quase inesgotável capacidade de trabalho, Edison conduziu uma série de pesquisas em seu famoso laboratório de Menlo Park, em Nova Jersey, o primeiro grande laboratório de pesquisa industrial, inspirador da criação dos Laboratórios Bell.
Entre 1878 e 1882, Edison desenvolveu vários equipamentos referentes à utilização da luz elétrica e, claro, registrou diversas patentes. Entre os instrumentos necessários para fazer funcionar um sistema de iluminação elétrica, podemos destacar a bomba de vácuo para produzir bulbos de boa qualidade e os motores elétricos para produzir a corrente a ser fornecida às lâmpadas.
Embora revolucionário, o sistema desenvolvido por Edison tinha um grande inconveniente. Como o sistema de alimentação era baseado em geradores de corrente contínua, não era possível utilizar um único gerador, por mais potente que fosse, para alimentar, por exemplo, uma cidade inteira, mesmo que pequena.
Então, cada edifício ou pequeno grupo de residências teria que ter sua própria fonte de alimentação. A razão para isso está na natureza da transmissão de corrente contínua, um assunto técnico demais para aprofundarmos aqui.
O fato importante é que o problema foi solucionado com a invenção do gerador de corrente alternada de Tesla, uma solução tão presente em nosso cotidiano que custa acreditar que tenha provocado uma disputa tão intensa e carregada de ações inescrupulosas.
Se o leitor ficou curioso para saber como se deu essa disputa e que ações inescrupulosas foram essas, não perca a próxima coluna.
Carlos Alberto dos Santos
Professor-visitante sênior da Universidade Federal da Integração Latino-americana