O gavial gigante da Venezuela

Quando falamos em animais gigantescos e extintos, em geral pensamos nos dinossauros. No entanto, bem depois de a maioria desses répteis ter deixado a superfície do planeta, outros surgiram e chegaram a atingir vários metros de comprimento.

Um desses novos gigantes acaba de ser descrito por Douglas Riff, da Universidade Estadual do Sudeste da Bahia, e Orangel Aguilera, da Universidade Nacional Experimental Francisco de Miranda, na Venezuela. Trata-se de uma espécie do grupo Crocodylomorpha que recebeu o nome de Gryposuchus croizati – uma justa homenagem ao importante pesquisador italiano León Croizat (1894-1982), especialista em biogeografia.

Como vimos na  coluna de setembro de 2005, os crocodilomorfos são atualmente representados pelos jacarés, crocodilos e gaviais. Estes últimos são encontrados hoje em dia apenas na Ásia e fazem parte do gênero Gavialis. A nova espécie, descoberta em rochas da Formação Urumaco, no estado de Falcón, noroeste da Venezuela, também é um gavialídeo, crocodilomorfo que se caracteriza pelo focinho bem longo e comparativamente fino.

A descrição da espécie baseia-se em fósseis de três indivíduos distintos: um crânio e uma mandíbula quase completos e associados, e um crânio e uma mandíbula isolados e coletados em diferentes escavações. Também foram encontrados alguns restos de esqueleto do corpo, como vértebras, mas nunca um indivíduo completo.

Mesmo assim, os pesquisadores puderam determinar uma das feições mais interessantes do animal: trata-se de um dos maiores crocodilomorfos já encontrados, com algo em torno de 10 metros de comprimento e peso de quase 1.750 kg! O tamanho foi obtido por meio de estimativas baseadas no comprimento do crânio em comparação com medidas de animais recentes. A nova espécie se distingue de duas outras do mesmo gênero pela sua dentição, composta de menos dentes (23 superiores e 22 inferiores), e outros traços encontrados no crânio.

Rochas do Mioceno
No local onde os exemplares de Gryposuchus croizati foram descobertos, afloram rochas que se formaram durante o tempo geológico chamado de Mioceno superior, ou seja, entre 9 e 6 milhões de anos atrás. Esses depósitos já forneceram vários restos de animais extintos, inclusive de outros crocodiliformes.

Um aspecto interessante do estudo está no fato de que, no Brasil, também existem depósitos de idade semelhante à dos vizinhos da Formação Urumaco. Conforme relatamos na  coluna de fevereiro de 2007, os depósitos da Formação Solimões, encontrados particularmente no Acre, mostram que essa região era o lar de crocodilomorfos gigantes, incluindo espécies de gavialídeos parecidas com o Gryposuchus croizati. Tudo isso evidencia que, há milhões de anos, durante o Mioceno, havia uma fauna bem parecida no Brasil e na Venezuela.

O principal material da espécie venezuelana recém-descrita foi coletado há mais de três décadas – em 1972 – por uma equipe do Museu de Zoologia Comparada da Universidade de Harvard (Estados Unidos) e ficou bastante tempo sem ser analisado. Com o desenvolvimento de um projeto para estudar a fauna do Mioceno do Brasil e da Venezuela, os pesquisadores se associaram e concluíram o estudo, publicado na revista alemã Paläontologische Zeitschrifft.

A descoberta do Gryposuchus croizati mostra ainda que grandes crododilomorfos habitavam o mesmo ambiente. Tal fato corrobora a idéia de que, durante o Mioceno, a parte norte do continente sul-americano era rica em água e sua porção de terra era banhada tanto por rios quanto pelo mar, o que levou a uma grande produção de peixes, que aparentemente formavam a base da alimentação desses gigantes.

Porém, uma dúvida permanece: por que havia essa concentração de várias espécies de crocodilomorfos de grande porte e de focinho alongado nessa parte do mundo, coexistindo no mesmo ambiente? Não se tem registro de nada parecido e novas descobertas são esperadas para solucionar esse enigma. 

Alexander Kellner
Museu Nacional / UFRJ
Academia Brasileira de Ciências
09/09/2008

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Paleocurtas 

As últimas do mundo da paleontologia

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Entre os dias 15 e 21 de setembro, será apresentada a primeira mostra de vídeo científico-cultural da UFRJ. O evento acontecerá no Museu Nacional/UFRJ, no Auditório Roquette Pinto, e contará com duas apresentações diárias de segunda a sexta, além da reprise da programação completa no final de semana. Entre os vídeos estão alguns diretamente ligados à paleontologia, como Caçadores de Dinossauros (inédito), Em busca dos dinossauros e Maxakalisaurus topai – a reconstrução de um gigante. As turmas das escolas que se cadastrarem contarão ainda com uma visita gratuita ao Museu, além de um gostoso lanche temático. Mais informações: eventos@mn.ufrj.br ou (21) 2562-6916.
Os pesquisadores argentinos Elena Previtera e Bernardo González Riga acabam de publicar um estudo sobre uma nova localidade paleontológica chamada de Calmu-Co, situada em Mendoza (Argentina). Nessa região afloram as rochas da Formação Loncoche, que têm aproximadamente 72-70 milhões de anos e refletem depósitos de rios, lagos e um ambiente marinho costeiro. Entre os fósseis encontrados estão dinossauros, tartarugas, peixes e répteis marinhos, em uma associação das faunas marinha e continental rara no registro geológico. O estudo, publicado pela Ameghiniana, indica que, naquela época, o oceano Atlântico chegou até essa parte da Argentina.
No próximo dia 22 será aberto o III Congresso Latino-americano de Paleontologia de Vertebrados . Previsto para durar até o dia 25 de setembro, o evento reunirá os principais cientistas que atuam na pesquisa de vertebrados fósseis da América Latina. O congresso, que será realizado na cidade de Neuquén, Argentina, incluirá várias palestras, além da apresentação dos últimos resultados da pesquisa de vertebrados fósseis, contando com uma expressiva participação brasileira.
Christopher P. Consoli (Petroleum and Marine Division, Canberra, Austrália) acaba de descrever restos de tubarão encontrados em depósitos de aproximadamente 62 milhões de anos na Nova Zelândia. Um total de 14 dentes serviu de base para o estudo, que caracterizou uma nova espécie de um grupo bastante raro chamado Chlamydoselachidae. A pesquisa, publicada no Journal of Vertebrate Paleontology , sugere que esse grupo de tubarões extintos habitou bem no início de sua história evolutiva ambientes rasos e costeiros.
O colega Sergio Alex K. de Azevedo, diretor do Museu Nacional/UFRJ, acaba de lançar o livro Os dinossauros vão ao cinema. Publicado pela Série Livros da instituição, a obra faz um apanhado comentado dos filmes que incluem os seres pré-históricos, com ênfase nos dinossauros que tanto fascinam as pessoas. Mais informações podem ser obtidas diretamente no Museu Nacional/UFRJ (Rio de Janeiro).
Ainda sobre eventos, será realizada, de 16 a 20 de setembro na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – Unirio (Campus Urca), a IV Jornada Fluminense de Paleontologia, que contará com exposições e apresentações científicas, além de cursos. Mais informações na página do evento na internet.