O início de uma moderna revolução

O final do século 19 e começo do 20 foi uma época de fortes mudanças culturais e científicas, principalmente na Europa. Na transição entre esses séculos, vários movimentos artísticos e culturais deram início ao período que ficou conhecido como modernismo, no qual surgiram grandes transformações nas formas de se expressar por meio da literatura, teatro e artes em geral.

Artistas plásticos como Pablo Picasso (1881-1973) e Henri Matisse (1869-1954) e escritores como James Joyce (1882-1941) e Franz Kafka (1883-1924) fizeram uma ruptura com a forma tradicional da arte e criaram novos estilos e paradigmas. No Brasil, que tem como marco do modernismo a Semana de Arte Moderna de 1922, Tarsila do Amaral (1886-1937), Mário de Andrade (1893-1945) e Oswald de Andrade (1890-1954), entre outros artistas, também revolucionaram os padrões estéticos na literatura e arte.

Talvez por coincidência (ou não), essa foi a época em que aconteceram as maiores revoluções na física, que romperam de forma brusca os modelos existentes. Ao final do século 19, a física atingiu um grau de maturidade que dava a impressão de que pouco havia para ser descoberto e que os novos resultados experimentais apenas levariam ao aprimoramento das teorias vigentes.

É atribuída ao grande físico do século 19 Lorde Kelvin (1824-1907) a citação: “Havia apenas duas nuvens no céu da física.” Kelvin se referia aos resultados que se mostravam contraditórios aos modelos da física clássica. A primeira nuvem significava a não-detecção de um meio material para a propagação da luz. Diversos experimentos realizados não haviam obtido sucesso na tarefa. A segunda nuvem se relacionava com o problema da teoria que explicava a capacidade térmica dos materiais, conhecida como “princípio da equipartição da energia”, que se encontrava claramente em desacordo com os novos resultados experimentais que surgiam na época.

Kelvin, em 1901, percebeu que de certa forma a física clássica estava atingindo o seu limite e que necessitaria de um novo avanço. Como sabemos, essas nuvens se transformaram em verdadeiras tempestades que modificaram completamente a paisagem da física, influenciando-nos de maneira profunda até os dias atuais.

O primeiro dos problemas apresentados por Kelvin seria resolvido com a teoria da relatividade proposta pelo físico Albert Einstein (1878-1957) em 1905, que já abordamos em outros textos. A solução do segundo está associada com o surgimento da física quântica.

O nascimento da física quântica
Uma situação bastante comum é a emissão de radiação eletromagnética (luz) por um corpo aquecido. Essa emissão ocorre em um largo espectro contínuo de frequências e apresenta um nível máximo que depende da temperatura do corpo que está emitindo.

Alunos da Wayne State University (EUA) fazem experimento com ferro aquecido. A “cor” que os corpos adquirem ao serem aquecidos não depende do material de que eles são feitos, mas apenas da temperatura (foto: Robert Thompson).

Os nossos corpos, que normalmente estão na temperatura de 36ºC, têm esse máximo na região conhecida como infravermelho. É essa faixa de radiação que nos permite ter a sensação térmica de “calor”. Atualmente existem muitas câmeras que conseguem filmar com ausência de luz, justamente captando essa radiação dos corpos.

Um pedaço de ferro, por exemplo, quando aquecido a uma temperatura da ordem de 600ºC, começa a adquirir uma coloração avermelhada. Já em um forno de uma indústria siderúrgica, ele apresenta uma cor azulada em temperaturas mais elevadas. A superfície do Sol, que está na temperatura de aproximadamente 6.000ºC, emite radiação na faixa do espectro visível, incluindo também o infravermelho e o ultravioleta (que sabemos ser prejudicial a nossa pele se recebido em grandes quantidades).

O aspecto curioso é que a “cor” que os corpos adquirem ao serem aquecidos dessa maneira não depende do material de que eles são constituídos, mas apenas da temperatura.

No entanto, a máxima frequência que o corpo emite não pode ser explicada pela física clássica. Para haver concordância entre os resultados experimentais e a teoria foi necessário introduzir um novo conceito na física, que levou a uma das suas mais importantes revoluções.

A introdução do conceito do quanta
Em dezembro de 1900, o físico alemão Max Planck (1858-1957) propôs uma expressão para explicar o comportamento da emissão de radiação de um corpo negro. Para tal, ele sugeriu que a energia emitida pelo corpo seria um múltiplo de um número inteiro multiplicado pela frequência da radiação e por uma constante (que posteriormente foi chamada de constante de Planck). Sem nos apegarmos aos detalhes matemáticos dessa expressão, Planck propôs, pela primeira vez, que a energia era emitida de maneira discreta ou, como dizemos atualmente, de forma “quantizada”.

Na época, a proposta de Planck não causou grande impacto. Somente em 1905, quando Albert Einstein introduziu o conceito de “quanta de luz” (fóton), é que essa teoria ganhou mais força. Na proposta de Einstein, a luz (e qualquer forma de radiação eletromagnética) se comporta como se fosse pequenos pacotes de energia, proporcionais à constante de Planck.

Com essa hipótese, Einstein pôde explicar o chamado efeito fotoelétrico, segundo o qual quando iluminamos um metal com luz em uma determinada frequência surge uma corrente elétrica. Einstein pôde explicar por que a corrente somente aparecia para uma determinada frequência. O efeito fotoelétrico é aplicado em muitos sensores, por exemplo, nas células fotoelétricas que controlam o acendimento das lâmpadas na iluminação pública.

Conceito fundamental na natureza
A constante de Planck é uma das constantes fundamentais da natureza. Devido ao seu pequeno valor (6,6 x10 -34 m 2 kg/s), faz com que os fenômenos quânticos sejam apenas percebidos na escala do átomo. A descoberta de Planck é considerada por muitos historiadores como o início da física quântica.

Os físicos alemães Albert Einstein e Max Planck em foto de 1929. A explicação de Einstein para o efeito fotoelétrico, contribuição que lhe valeu o Nobel, permitiu demonstrar que a constante formulada por Planck era universal (foto: Landesmuseum für Technik und Arbeit).

A proposta de Planck também concorda muito bem com os resultados experimentais quando se observa a radiação residual do universo quando ele tinha aproximadamente 300 mil anos de idade, chamada de “radiação de fundo cósmico”. Essa radiação é a prova mais forte de que houve o evento do Big Bang, que teria dado início ao universo que conhecemos hoje.

 

Descoberta pelos físicos Arno Penzias (1933-) e Robert Wilson (1936-) em 1964, essa radiação equivale a uma temperatura de aproximadamente 2,7 K (-270ºC). Na década de 1990, foi feito um levantamento dessa radiação em função de sua frequência pelo satélite Cobe, da Nasa. Os resultados obtidos concordam com enorme precisão com a expressão obtida por Planck.

 

Quando Planck propôs sua expressão para explicar a emissão de radiação de um corpo aquecido, não estava querendo revolucionar a física. Ele considerava que sua proposta era uma tentativa desesperada de conciliar a teoria com os dados experimentais.

 

Ao apresentar sua teoria em 1900, Planck tinha 42 anos e já possuía uma carreira acadêmica consolidada. Antes de morrer em 1957, aos 99 anos, o físico pôde ver o surgimento da física quântica e as transformações que provocou no mundo. Praticamente quase toda a nossa tecnologia é decorrente do conhecimento mais profundo da matéria que a física quântica nos proporcionou. Planck não imaginava o alcance que a sua proposta teria. Da mesma forma que a arte, quando realizamos uma descoberta ou criamos uma nova teoria, quase nunca temos noção do alcance que ela terá. 

 


Adilson de Oliveira

Departamento de Física

Universidade Federal de São Carlos

19/10/2009