O novo astro da supercondutividade

De um modo ou de outro, todos os materiais podem conduzir eletricidade. Pela ordem de facilidade de condução eles são divididos em dielétricos (nome pelo qual os isolantes são chamados na literatura técnica), semicondutores, condutores e supercondutores.

A existência de supercondutores costuma ser discutida à parte nos cursos elementares de eletricidade, por se tratar de um material cujas propriedades exigem teorias diferentes daquelas utilizadas para os outros tipos de materiais. Além disso, os fundamentos básicos da supercondutividade são muito complicados e as teorias, ainda incompletas. Esse fenômeno já foi abordado aqui nas colunas de maio e junho de 2007.

A descoberta das cerâmicas supercondutoras, nos anos 1980, surpreendeu os pesquisadores da área. Seus descobridores, Georg Bednorz e Alex Müller, ganharam o Nobel de Física de 1987, menos de um ano após o anúncio da descoberta.

Fazia uma década que não surgia um material supercondutor tão promissor

Desde então, a literatura tem crescido exponencialmente, com novas teorias para explicar o fenômeno, novos materiais supercondutores e novos dispositivos tecnológicos. No início dos anos 1990 surgiram os supercondutores orgânicos. As primeiras tentativas com grafite e fulereno serviram como porta de entrada para materiais poliméricos.

No entanto, fazia uma década que não surgia algo realmente promissor como o piceno dopado com potássio. Esse novo astro da supercondutividade é um composto orgânico aromático, cuja molécula é constituída de cinco anéis de benzeno. A descoberta foi anunciada com alarde no início do mês pela revista Nature em artigo assinado pela equipe de Yoshihiro Kubozono, do Laboratório de Pesquisa em Ciência das Superfícies, da Universidade de Okayama, no Japão.

Corrente elétrica sem resistência

Antes da descoberta de que esses materiais orgânicos podiam se tornar supercondutores, essa propriedade era exibida por materiais que tinham elétrons livres ou quase-livres e que, aos pares – os tais pares de Cooper –, zanzavam pra lá e pra cá sem respeitar qualquer obstáculo. Falando tecnicamente, eles podem circular sem resistência. Isso é a supercondutividade, corrente elétrica sem resistência. É um fenômeno que depende da temperatura. Ele aparece abaixo de uma temperatura característica – conhecida na literatura como temperatura crítica.

Nos metais supercondutores e nas cerâmicas supercondutoras, os pares de Cooper, responsáveis pela supercondutividade, são formados pelos elétrons existentes no próprio material. Os materiais orgânicos – como o piceno –, no entanto, não gozam desse privilégio. Seus elétrons são muito presos, quase não saem do seu lugar de origem. Para conduzir corrente elétrica esses materiais precisam de uma forcinha externa. Essa ajuda vem com a dopagem de materiais apropriados.

Bom exemplo disso é o primeiro plástico condutor de que se tem notícia, descoberto no final dos anos 1970 por Alan J. Heeger, Alan G. MacDiarmid e Hideki Shirakawa – o feito lhes valeu o Nobel de Química de 2000. Esses pesquisadores descobriram que o poliacetileno podia ser condutor depois que o doparam com cloro, bromo, iodo e pentafluoreto de arsênio. São esses dopantes os fornecedores de elétrons para a condução elétrica nos polímeros.

Molécula de piceno
O esquema representa a molécula de piceno. A relativa simplicidade química dessa molécula a torna interessante para o desenvolvimento de aplicações industriais dos supercondutores (arte: Ben Mills e Ephemeronium / Wikimedia Commons).

No caso do piceno, a dopagem foi feita com potássio. Esse material apresentou supercondutividade em temperaturas inferiores a 255 graus Celsius negativos. Aparentemente não soa promissor: todas as cerâmicas supercondutoras têm temperatura crítica muito maior, sendo -138ºC o limite obtido até o presente. Mesmo os fulerenos têm temperaturas críticas (-235ºC) maiores que a do piceno.

O piceno dopado com potássio é o primeiro composto aromático a exibir supercondutividade

Mas afinal, por que tanto entusiasmo? Este é o primeiro composto aromático a exibir supercondutividade. A expectativa é que em breve outros membros da família sejam descobertos, também se exibindo como supercondutores. Será uma festa, porque esses materiais são quimicamente simples e abundantes. Além disso, seu baixo custo, comparado com os supercondutores metálicos ou cerâmicos, o torna tecnologicamente atraente.

Outra propriedade interessante desses materiais orgânicos, que certamente contribui para o baixo custo, é a sua flexibilidade mecânica. Uma séria dificuldade para o aproveitamento tecnológico das cerâmicas supercondutoras é a sua rigidez, o que leva a uma intolerável fragilidade.

Pedras no caminho

No entanto, como costuma acontecer, nem tudo é entusiasmo no reino da ciência. De acordo com Saswato R. Das, o especialista Robert J. Cava, da Universidade de Princeton, que tem mais de 150 artigos publicados sobre supercondutividade, teria dito que acha  muito cedo para dizer que Kubozono e sua equipe isolaram um novo composto supercondutor.

Aliás, a comunidade científica ainda está impactada pela tragédia Jan Hendrik Schön. Como se sabe, esse jovem físico alemão, que trabalhava nos Laboratórios Bell, publicou, em 2000, vários artigos experimentais que demonstravam a existência de supercondutividade em diferentes materiais orgânicos, entre os quais o pentaceno, que é quase irmão gêmeo do piceno. Em 2002, um comitê científico da Bell concluiu que os resultados apresentados por Schön e colaboradores haviam sido manipulados fraudulentamente.

Como diria Ortega y Gasset, as investigações com o piceno devem ser vistas também com a atenção às suas circunstâncias, positivas e negativas. Uma delas, situada na faixa positiva, tem a ver com o fato de que, mesmo não apresentando rendimento supercondutor competitivo, esse material pode ter grande impacto industrial por suas propriedades condutoras e semicondutoras.

Já na faixa negativa, vale ressaltar o alto risco toxicológico do benzeno e de seus derivados, como os compostos aromáticos. A literatura médica está repleta de trabalhos dando conta de efeitos concerígenos desses produtos. 

Carlos Alberto dos Santos
Colunista da CH On-line
Professor aposentado pelo Instituto de Física
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul