O paraíso dos crocodilomorfos gigantes

Crânio e mandíbula de Purussaurus brasiliensis , maior crocodilomorfo encontrado no Brasil, cujo comprimento estimado é de 15 metros. Os fósseis estão depositados na Universidade Federal do Acre (crânio) e no Museu de Ciências da Terra (mandíbula) (fotos cedidas por Douglas Riff).

Já imaginou topar com um jacaré de 15 metros? Pode parecer incrível, mas um réptil assim – o maior desse tipo de que se tem notícia – já foi encontrado na região amazônica. Contudo, ele não vivia nos dias de hoje, e sim entre 7 e 9 milhões de anos atrás, durante a época geológica conhecida como Mioceno.

Poucos sabem, mas uma das regiões mais interessantes para a busca de fósseis do país é encontrada no Acre e no sul do Amazonas. Nessa área, afloram as rochas que compõem as formações Solimões e Pebas, constituídas em sua maioria de siltitos e argilitos depositados em ambientes fluviais e pequenos lagos. Foi encontrada nesses depósitos uma grande diversidade de animais extintos, principalmente roedores e crocodilomorfos. Também vêm dali fósseis de outros grupos de mamíferos, como primatas, marsupiais, morcegos e notoungulados, além de crustáceos, aves e peixes. 

Crânio de Caiman , crocodilomorfo encontrado no afloramento do sítio Talismã, no Rio Purus, na fronteira entre o Acre e o Amazonas.

Como se pode imaginar, essa região é coberta por uma extensa vegetação, o que dificulta o trabalho do paleontólogo. Uma grande parte dos fósseis é encontrada nas margens dos rios, que podem ser mais bem explorados nas estações secas, quando o nível de água está baixo. Esse é o caso do rio Acre, onde já foram encontradas dezenas de fósseis.

A localidade clássica é chamada de Talismã, na parte superior do rio Purus, no sul do estado do Amazonas, na fronteira com o Acre. Ali, as rochas são formadas predominantemente por siltitos e argilitos que forneceram restos de preguiças gigantes, roedores, placas de tatu e muitos outros. Um dos destaques é o crocodilomorfo Caiman brevirostris – uma espécie de jacaré diferente dos atuais por possuir um focinho bem curto.

A “estrela” do Norte
Ao todo, essa região no norte do país já forneceu mais de 70 espécies – e o número continua subindo a cada ano, mostrando que ainda existem muitas outras a serem estudadas. A “estrela” dos achados continua sendo o Purussaurus brasiliensis , dos quais se conhecem crânios e mandíbulas, além de restos de vértebras e de outras partes do esqueleto.

Segundo estimativas feitas tomando-se por base sobretudo o comprimento do crânio, o Purussaurus brasiliensis podia chegar a 15 metros de comprimento, o que faz dele o maior crocodilomorfo já encontrado no país e, talvez, o maior do mundo. Mas existem outras formas desses répteis de tamanho avantajado nas rochas sedimentares do norte do país.

A foto do alto mostra um crânio de Gryposuchus , réptil  de quase 10 metros de comprimento ainda não descrito (material depositado no Museu de Ciências da Terra/DNPM). A outra foto mostra dois crânios incompletos de crocodilomorfos com “chifres” encontrados no Acre e ainda não descritos (material depositado na Universidade Federal do Acre).

Uma delas é Gryposuchus

, um parente distante dos gaviais que tinha quase 10 metros de comprimento. Outras espécies eram ainda mais curiosas, como um crocodilomorfo com chifres, que ainda não tem nome, do qual se conhecem alguns exemplares incompletos. O motivo pelo qual esse réptil teria desenvolvido essas estruturas no crânio permanece um mistério para os pesquisadores.

 

Entre os aspectos mais importantes dessa fauna fóssil do Acre e do sul do Amazonas é a constatação de que formas parecidas existem nos países vizinhos – Peru e Bolívia, além da Venezuela. Aliás, neste último país, foi encontrada uma espécie nova – o Purussaurus mirandai

– que, com seus 12 metros, chegava perto do seu “irmão” brasileiro.

 

Curiosamente, algumas espécies bem semelhantes aos representantes da fauna do Acre e do sul do Amazonas também foram encontradas na Argentina e no Uruguai. Graças a essa semelhança, pôde-se chegar à idade dos fósseis brasileiros. Embora possa haver uma pequena diferença de idade entre algumas localidades, todas elas tiveram origem no Mioceno Superior (9–6,8 milhões de anos). Essa datação foi feita pelo paleontólogo Mário Cozzuol, da PUC do Rio Grande do Sul, a partir de um levantamento detalhado da fauna desses depósitos sul-americanos publicado no ano passado no Journal of South American Earth Sciences

.

 

Mar na Amazônia

Uma hipótese que procura explicar a similaridade da fauna do Brasil, da Argentina e do Uruguai durante o Mioceno sugere que havia um braço de mar que penetrava o continente sul-americano, atingindo a região Norte, onde hoje ficam o Acre e o sul da Amazônia. O sistema de drenagem formado pelos rios Solimões e Amazonas não era contínuo como atualmente: a parte leste era separada da oeste por uma grande elevação, chamado de arco de Purus.

 

Com o passar do tempo, o mar retrocedeu em direção ao sul e foi sendo gradualmente substituído por um sistema essencialmente de água doce, formado por rios e lagos. Não havia barreiras naturais, o que permitiu que os animais existentes no Acre e no Sul do Amazonas se dispersassem para o sul, chegando até o Uruguai e a Argentina durante o Mioceno.

 

Curioso é que, apesar da semelhança da fauna desses países, não foi encontrado nos depósitos uruguaios e argentinos uma espécie parecida com o Purussaurus

. Por algum motivo ainda não explicado, esse jacaré aparentemente não se dispersou até aquela região do continente. Por outro lado, é possível que, mais dia, menos dia, ossos desse gigantesco réptil ainda sejam encontrados naqueles países. 

Alexander Kellner
Museu Nacional / UFRJ
Academia Brasileira de Ciências
02/02/2007

Paleocurtas
As últimas do mundo da paleontologia

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Além da equipe do Museu Nacional da UFRJ, um grupo de paleobotânicos brasileiros também se encontra atualmente realizando pesquisas na Antártica. Liderados por Tânia Dutra, da Unisinos (Rio Grande do Sul), eles estão prospectando diversas áreas próximas à Península Antártica, particularmente na Ilha Nelson, em busca de restos de plantas fósseis que poderão auxiliar a entender a evolução do clima e dos ambientes do continente gelado ao longo do tempo.
A equipe de Leonardo Salgado (do Conicet, na Argentina) acaba de descrever um novo dinossauro da província de Neuquén, Argentina. Batizada Zapalasaurus bonapartei , a espécie é um saurópode do grupo Diplodocidae e se diferencia das demais espécies desse grupo por feições na coluna vertebral, particularmente na cauda. O estudo, publicado na revista Geobios , mostra que esse grupo era mais diversificado do que se supunha na região de Neuquén. 
Cientistas australianos e alemães coordenados por Steven Salisbury, da Universidade de Queensland (Austrália), descreveram um novo crocodilomorfo encontrado em rochas formadas entre 95 e 98 milhões de anos atrás. A nova espécie, chamada de Isisfordia duncani , é o representante do grupo Eusuchia mais primitivo conhecido até a presente data. Esse grupo é de especial interesse, pois agrupa os crocodilos, gaviais e jacarés modernos. O estudo, publicado na revista Proceedings of the Royal Society , transfere para o continente Gondwana o início da história evolutiva desse grupo.
A equipe de Fernando Abdala, da Universidade de Witwatersrand, na África do Sul, descreveu um novo cinodonte daquele país, no Zoological Journal of the Linnean Society . Os fósseis do Langbergia modisei são procedentes da Formação Burgersdorp da Bacia de Karoo e têm cerca de 235 milhões de anos (Triássico Inferior). A descoberta da espécie, que difere de outras formas de cinodontes por feições nos dentes, sugere que os cinodontes mais primitivos eram bem mais antigos do que se suspeitava.
Pesquisadores finlandeses e americanos publicaram na revista  Nature um interessante estudo no qual comparam a dentição de carnívoros e roedores. Liderados por Alistair Evans, da Universidade de Helsinque, o grupo examinou imagens digitais de dentes de 81 espécies atuais desses mamíferos e concluiu que animais de dietas semelhantes exibem uma complexidade dentária parecida. A aplicação dessa metodologia permitirá entender melhor o hábito alimentar de mamíferos extintos.
Ainda na  Nature , foi publicado um estudo de amostras de âmbar encontradas em depósitos formados há 220 milhões de anos. O material é procedente de Cortina d’Ampezzo, na parte sul dos Alpes situada na Itália, e consiste em milhares de pequenos pedaços de âmbar (com cerca de 1 mm de tamanho) que preservaram uma rica fauna de organismos microscópicos de ambientes terrestres. Entre os grupos principais encontrados, estão bactérias, algas, protozoários e fungos. A pesquisa coordenada por Alexander Schmidt, da Universidade de Humboldt, em Berlim, revelou que alguns desses fósseis são muito parecidos com microrganismos atuais.