A extinção dos dinossauros – grupo que reuniu algumas das maiores criaturas a vagar pelo planeta – é um assunto fascinante e que atrai a atenção de todos, cientistas ou não. Decifrar os motivos de seu desaparecimento é um dos temas mais polêmicos da paleontologia, despertando discussões apaixonadas entre os pesquisadores.
Estudo coordenado por Stephen Brusatte, da Universidade de Edimburgo, com a participação de 11 especialistas, revisou as principais hipóteses sobre a extinção desses répteis e chegou a conclusões interessantes, algumas das quais tornam a matéria ainda mais polêmica. O trabalho foi publicado na Biological Review.
Há muito tempo pesquisadores reconheceram que, a partir do final do Cretáceo, no limite com o Paleogeno (também conhecido como limite K-Pg), os dinossauros não avianos desapareceram. O assunto estava meio morno até que em 1980 um grupo de cientistas liderados por Luiz Álvarez (1911-1988), prêmio Nobel de Física em 1968, levantou a hipótese, publicada na revista Science, de que os dinossauros haviam se extinguido devido a mudanças ambientais causadas pelo impacto de um asteroide.
A base para essa proposta foi a descoberta, no limite K-Pg, em Gubbio, Itália (posteriormente em outras áreas), de uma fina camada com grande concentração de irídio, mineral raro no planeta, mas comum em meteoritos e outros corpos celestes. Após a publicação do artigo teve início intenso debate na academia sobre a natureza dos eventos que levaram à extinção em massa no final do Cretáceo.
O número de hipóteses para explicar o desaparecimento dos dinossauros e outros grupos no final do Cretáceo é grande e tem enfoques diversificados, variando desde doenças e epidemias até fatores externos ao nosso planeta. Sem entrar em cada uma delas, duas linhas de questionamento são as principais levantadas pelos cientistas.
A primeira é se a extinção foi gradual ou abrupta. Isso se deve ao fato de que praticamente não existem registros de dinossauros nas proximidades do limite K-Pg, e muitos paleontólogos consideram que há uma gradual diminuição da diversidade desses répteis quando se chega ao final do Cretáceo.
A segunda linha de questionamento enfoca se a causa da extinção se deve a evento único ou a vários eventos. Está claro que no final do Cretáceo houve significativa flutuação do nível do mar (que ora invadia os continentes, ora se afastava deles), influenciando necessariamente os organismos. Também foram registrados grandes derrames de lava, evidenciando intensa atividade vulcânica no final do Cretáceo. O principal deles, chamado Deccan Traps, ocorreu na Índia.
Com espessura em torno de 2.000 m e abrangendo hoje 500 mil km2 (deve ter sido ainda mais extenso no passado), essas rochas se formaram entre 68 e 60 milhões de anos. O vulcanismo teve intensidade maior em torno de 66 milhões de anos e, sem dúvida, influenciou a fauna e flora daquele período, ao menos localmente.
Um problema relacionado com o Deccan Traps é que a datação dos fluxos de lava não pode ser feita com precisão, com margens de erro muito grandes para uma análise mais precisa de quando ocorreram. Assim, alguns autores têm dificuldade para associar diretamente esse intenso vulcanismo à extinção dos dinossauros.
Formação Hell Creek
Devido a coletas controladas em áreas onde ocorre o limite K-Pg e à aplicação de novas metodologias de análise de dados, houve significativo aumento de informações nas últimas duas décadas, contribuindo para melhor compreensão do que ocorria em nosso planeta nos 15 milhões de anos anteriores à extinção dos dinossauros.
O impacto de um corpo celeste – asteroide ou cometa – ao final do Cretáceo já é tido como fato. Devido ao refinamento de técnicas no estabelecimento de datação absoluta, pôde-se determinar que o impacto se deu há 66.043.000 anos, com margem de erro de mais ou menos 43 mil anos, e não há 65 milhões de anos, valor sempre utilizado e que ainda consta de muitos textos.
Localizou-se também o local do impacto: uma cratera de aproximadamente 180-200 km de largura, denominada de Chicxulub, na província de Yucatán, México. O diâmetro do asteroide ou cometa responsável por essa cratera era de aproximadamente 10 km, algo como o tamanho de Manhattan (EUA), e o impacto teria liberado energia equivalente a alguns milhões de bombas atômicas como as que atingiram Hiroshima e Nagasaki na Segunda Guerra.
Com relação à fauna de dinossauros, Brusatte e colegas deixaram claro o problema do registro fóssil, que é muito incompleto. Entre as principais limitações está a ausência de sequências completas envolvendo o limite K-Pg em diferentes partes do mundo, o que resulta em enormes lacunas de informação nos últimos 15 milhões de anos do Cretáceo.
Mesmo quando esses depósitos existem, pode haver uma tendência não intencional por parte dos pesquisadores de procurar mais dinossauros em determinada camada e não em outra de diferente idade, fazendo com que um simples levantamento não reflita a real diversidade ou ocorrência de fósseis naquela região.
Segundo Brusatte e colegas, uma das poucas áreas com sequência mais completa envolvendo o limite K-Pg e onde houve pelo menos coleta mais sistemática é a Formação Hell Creek, em Montana, Estados Unidos. Esta fica acima da Formação Dinosaur Park, mais antiga, e abaixo da Formação Nacimiento, mais nova, onde não há mais dinossauros e já aparecem os mamíferos que vieram a dominar o planeta após o limite K-Pg.
A partir do levantamento de dinossauros realizado nesse depósito, os autores do estudo não observaram significativa redução da diversidade desses répteis antes do limite K-Pg. Aliás, em nenhum depósito conhecido no mundo eles observaram diminuição da diversidade de dinossauros.
A informação nova apresentada por Brusatte e colegas é que em Hell Creek há certa diminuição na diversidade de espécies herbívoras, o que pode ter ocorrido devido a mudanças no planeta como alterações do nível do mar. Os autores especulam que, diante de uma diversidade menor de herbívoros, a fauna de dinossauros estaria mais debilitada, ficando à mercê de um evento fortuito, como a queda de um corpo celeste, que teria causado sua extinção.
Eles acreditam também que, se o impacto tivesse ocorrido alguns milhões de anos antes, ou mesmo depois, com a fauna dinossauriana menos debilitada, talvez esses répteis não tivessem sucumbido.
Descascando laranja com martelo
É justamente nessa conclusão que está a parte controversa do artigo. Sem entrar em detalhes, o maior problema do estudo é a incrível margem de erro, o que, infelizmente, sempre envolve os registros fossilíferos. Basta ver o dado mais preciso que se tem de quando teria ocorrido o impacto: 43 mil anos, para mais ou para menos.
Sabemos o que pode ocorrer em uma escala de tempo assim. Dessa forma, tentar precisar os eventos com as tecnologias de que dispomos e com o atual estágio do conhecimento seria como tentar descascar uma laranja usando um martelo. Se retrocedermos apenas uns 10 mil anos, por exemplo, preguiças-gigantes e mastodontes vagavam pela terra, e nós, da espécie humana, ainda estávamos praticamente nas cavernas.
Ou seja, para precisar se houve ou não diminuição da diversidade no topo do Cretáceo, precisaríamos de muito mais dados do que temos, com possibilidade de datação bem mais precisa.
Ademais, o fato de existirem menos espécies de dinossauros herbívoros nada indica sobre a quantidade total de dinossauros: essas poucas espécies poderiam estar bem adaptadas às condições locais, vivendo em grande número e, assim, alimentando grande diversidade de dinossauros carnívoros. Ou seja, nada garante que as faunas dinossaurianas estariam debilitadas.
Parece excessivamente especulativa a afirmação de que se o impacto tivesse acontecido antes ou depois teria ou não acarretado a extinção dos dinossauros não avianos.
Seja como for, precisamos melhorar cada vez mais o processo de coleta controlada e de datação das camadas. Quem sabe assim um dia poderemos compreender melhor o que ocorreu com essas criaturas absolutamente fantásticas que outrora dominaram nosso planeta.
Alexander Kellner
Museu Nacional/ UFRJ
Academia Brasileira de Ciências
Paleocurtas
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Diogenes de Almeida Campos (CPRM/RJ) será agraciado no dia 22 de agosto com o título de doutor honoris causa, conferido pela UFRJ. Um dos mais experientes paleontólogos em atividade, Diogenes é membro titular da Academia Brasileira de Ciências e participou de forma efetiva do desenvolvimento do estudo dos fósseis em nosso país. A comunidade paleontológica está convidada para a cerimônia, que será realizada no Museu Nacional/UFRJ, no Rio de Janeiro.
Claudia Marsicano (Universidad de Buenos Aires, Argentina) e colegas publicaram na PLoS One a descrição de uma pista com várias pegadas feitas há 200 milhões de anos onde atualmente está a região de Lesoto, África do Sul. As pegadas são atribuídas a um anfíbio extinto (temnospôndilo) cujo tamanho variava de 3 a 5 m, revelando um modo de caminhar distinto daquele dos vertebrados atuais, incluindo as salamandras. Além da descoberta em si, vale a pena destacar o emprego de técnicas sofisticadas para o estudo do material.
Começa em 25 de agosto o IX Simpósio Brasileiro de Paleontologia de Vertebrados, em Vitória (ES). A reunião tem como objetivo apresentar as principais descobertas sobre vertebrados fósseis realizadas especialmente no Brasil nos últimos anos, assim como os projetos que estão sendo desenvolvidos por pesquisadores brasileiros e também alguns do exterior. Mais informações e programa no site do evento.
Paulo Manzig (Cenpáleo, Universidade do Contestado, SC) e colegas acabam de descrever a primeira acumulação em massa de pterossauros. O achado ocorreu em Cruzeiro do Oeste (PR) e revelou ao menos 47 indivíduos de uma nova espécie, Caiuajara dobruskii, representada por diferentes estágios de crescimento, algo raro no estudo desses répteis alados. O artigo foi destaque na PLoS One.
Publicado hoje na Nature estudo da dentição dos primeiros mamíferos, encontrados em rochas formadas há 200 milhões de anos. Com auxílio de imagens digitais, Pamela Gill (Universidade de Bristol, Inglaterra), e colegas analisaram as arcadas dentárias de duas espécies primitivas dos gêneros Morganucodon e Kuehneotherium, estabelecendo que deveriam ter se alimentado de grupos de insetos distintos. O fato sugere que a diversificação e especialização alimentar desses animais ocorreram bem no início da evolução dos mamíferos.
Um novo peixe fóssil do grupo dos Lepisosteiformes, que reúne diversas formas viventes, sobretudo de água doce, acaba de ser encontrado em rochas jurássicas da Tailândia. Denominada Isanichthys palustris, a nova espécie foi encontrada em um depósito contendo dinossauros, tubarões e tartarugas, entre outros vertebrados, formando uma combinação bastante interessante em termos de biodiversidade do Jurássico. O estudo, publicado na Acta Palaeontologica Polonica, foi coordenado pelo pesquisador Uthumporn Deesri (Mahasarakham University, Tailândia).