O rei dos coelhos

Há mais de 3 milhões de anos, a Europa abrigou um morador inusitado: um coelho gigante. O animal, descrito a partir de centenas de fósseis – incluindo um crânio quase completo –, tinha mais do que o dobro do tamanho do maior coelho encontrado atualmente na natureza.

A descoberta do material foi feita por Josep Quintana, que é morador da ilha Minorca (Espanha) e há muito tempo procura fósseis. A ilha faz parte do arquipélago das ilhas Baleares, que fica na região leste do país, em pleno mar Mediterrâneo, e tem sido um dos principais pontos turísticos espanhóis.

O animal tinha mais do que o dobro do tamanho do maior coelho encontrado atualmente na natureza

Em suas pesquisas, a senhor Quintana encontrou uma série de depósitos formados pela dissolução e posterior preenchimento de fissuras presentes em rochas calcárias abundantes na região. Esses depósitos, bastante duros, são constituídos por calcário avermelhado. Apesar de a idade das rochas não poder ser determinada em detalhe, estima-se que se formaram entre 3 a 5 milhões de anos atrás.

Um desses depósitos – Punta Nati 6 – demonstrou ser bastante rico em vertebrados fósseis. Centenas de ossos foram recuperados, alguns bem grandes, que pareciam pertencer a uma nova espécie de coelho. Mas o fato de eles serem bem maiores do que os ossos dos coelhos recentes trazia dúvidas quanto à sua identificação – aqueles exemplares bem que poderiam pertencer a roedores, por exemplo.

A incerteza permaneceu até que começaram a aparecer alguns ossos da cabeça, incluindo um crânio quase completo. Naquele momento, a dúvida estava solucionada: o material pertencia à maior espécie de coelho encontrada até a presente data.

Crânios do coelho gigante e do coelho-comum
Crânio do coelho gigante (acima) encontrado na ilha Minorca, na Espanha, comparado ao do coelho-comum (‘Oryctolagus cuniculus’), uma espécie recente do mesmo grupo (abaixo). (Meike Köhler/ Journal of Vertebrate Paleontology)

Parentes de menor porte

De forma simplificada, coelhos e lebres compõem um grupo chamado de Lagomorpha – palavra que vem do grego e, em tradução livre, significa “animais com forma de lebre”. A eles juntam-se as pikas, mamíferos bem pequenos que mais parecem coelhos com orelhas curtas.

Os lagomorfos assemelham-se superficialmente aos roedores e são diferenciados sobretudo pela dentição. Enquanto os roedores têm dois dentes incisivos na arcada superior, esse número dobra nos lagomorfos: são quatro. Por isso, foi tão importante achar crânios daquele animal misterioso de Minorca.

Josep Quintana mostrou o material a outros pesquisadores. Meike Köhler e Salvador Moyà-Solà, ambos do Instituto Catalão de Paleontologia, da Universidade Autônoma de Barcelona (Espanha), trabalharam na descrição da nova espécie, batizada de Nuralagus rex.

O nome tem origem nos termos Nura, usado para designar a ilha no tempo em que os fenícios habitavam o local, e rex, que vem do grego e significa rei. Isso tudo por causa do grande tamanho do coelho: quase um metro de comprimento e uma estimativa de peso médio de 12 kg – mais do que o dobro da lebre-comum (Lepus europaeus), que pesa em torno de 5 kg.

Nuralagus rex e Oryctolagus cuniculus
‘Nuralagus rex’ comparado com o coelho-comum (‘Oryctolagus cuniculus’). (imagem cedida por Meike Köhler)

No entanto, não era o tamanho o principal aspecto da descoberta, que foi matéria de capa do volume de março do Journal of Vertebrate Paleontology

Grande, mas pouco ágil

Nuralagus rex tinha alguns traços pouco comuns para os lagomorfos. O esqueleto era mais robusto – o que poderia ser apenas um aspecto relacionado ao seu grande tamanho. No entanto, a coluna vertebral era bem mais rígida, o que limitava seus movimentos, sobretudo os de extensão e flexão.

Essa característica, aliada aos membros posteriores proporcionalmente menores quando comparados com os de lagomorfos recentes, sugere que a nova espécie não tinha a capacidade de pular ou correr rapidamente, bem ao contrário do que acontece com os coelhos e lebres de hoje.

A nova espécie não tinha a capacidade de pular ou correr rapidamente, ao contrário do que acontece com os coelhos e lebres de hoje

E as diferenças não pararam por aí. Comparada ao corpo, a cabeça de Nuralagus rex tinha um tamanho reduzido. O curioso é que o crânio em si também exibe uma redução das áreas ligadas às funções sensoriais, como a região timpânica e as órbitas.

Esses traços sugerem que, além de a espécie possuir um cérebro relativamente pequeno, suas capacidades auditiva e de visão também eram menores em relação às dos coelhos e lebres atuais.

Além disso, a disposição das costelas do animal – mais fechadas e juntas ao corpo – indica uma cavidade torácica menor, o que sugere que o volume do seu pulmão era reduzido.

Mas o que teria feito Nuralagus rex desenvolver essas feições que sugerem uma falta de agilidade – característica contrária à de seus parentes recentes?

Sem predadores

Quando se olha a lista dos vertebrados identificados nos depósitos da ilha Minorca, observam-se várias aves e répteis, mas apenas três espécies de mamíferos: um morcego, um roedor e o Nuralagus rex.

Segundo Quintana e seus colaboradores, essa baixa diversidade de mamíferos e uma maior quantidade de animais ectotérmicos (que não podiam controlar a temperatura do seu corpo, como lagartos e tartarugas) e de aves seriam características das regiões insulares.

Isso significa dizer que a nova espécie simplesmente não tinha predadores. Como não havia de quem se proteger para sobreviver, Nuralagus rex não precisava desenvolver uma maior capacidade de correr ou pular. Além disso, como a espécie vivia em um ambiente com certa escassez de alimento – outra condição geral das ilhas –, seria vantajoso não desenvolver características que, por sua natureza, consomem mais energia.

A nova espécie simplesmente não tinha predadores

Ainda em termos de anatomia, os membros da nova espécie espanhola sugerem uma boa capacidade para escavar buracos. Os coelhos e as lebres também têm essa habilidade, que está relacionada a construções de tocas ou abrigos para fugir e se esconder de predadores. No caso do Nuralagus rex, os autores concluem que essa capacidade estaria mais relacionada a escavar raízes de plantas para obtenção de alimentos.

As hipóteses dos pesquisadores são corroboradas pelas observações de que diversas espécies que vivem isoladamente em ilhas acabam desenvolvendo estruturas semelhantes, mesmo quando não são aparentadas, o que é explicado pelo fato de viverem em condições ecológicas parecidas – e bem distintas daquelas dos continentes.

No caso dos lagomorfos, os que vivem em continentes têm grande quantidade de predadores e, dessa forma, desenvolveram bem as regiões anatômicas relacionadas aos sentidos e as partes do esqueleto que podem facilitar uma fuga. Já espécies que vivem confinadas em ilhas onde não existem predadores tendem a não desenvolver essas partes – que são inclusive “caras” demais, sob o ponto de vista energético, para serem mantidas em um ambiente onde os recursos para alimentação são reduzidos.

Essa pesquisa é bem interessante, pois nos ajuda a entender a evolução das faunas que vivem isoladamente em ilhas e em uma época em que não havia influência antropogênica. Mas a ação da espécie humana no meio ambiente já é outra história…

Alexander Kellner
Museu Nacional/UFRJ
Academia Brasileira de Ciências

Paleocurtas

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Um estudo coordenado por Etiene Pires (Universidade Federal do Tocantins) estabeleceu que, em torno de 140-130 milhões de anos atrás, o clima da região da bacia do Araripe, no nordeste do Brasil, era semelhante ao das savanas ou áreas de clima tropical úmido e seco, com alternância de períodos secos e chuvosos. Para chegar a essa conclusão, foram estudados os anéis de crescimento preservados em troncos de coníferas, abundantes nos arredores da cidade Missão Velha, no Ceará. O artigo será publicado nos Anais da Academia Brasileira de Ciências e já está disponível em versão eletrônica.

Pesquisadores coordenados por Lílian Bergqvist (Departamento de Geologia da UFRJ) fizeram uma análise de como se preservaram os fósseis da bacia São José de Itaboraí, no Rio de Janeiro. Bastante conhecida pela importante fauna de mamíferos do Paleoceno, aquela região abriga fósseis depositados em fendas diversas, uma das quais denominada Fenda 1968. Os paleontólogos puderam determinar que os fósseis desse depósito representam animais de pequeno porte que viveram nos arredores do local e foram carreados para a fenda possivelmente por enxurradas. O artigo acaba de ser publicado na Revista Brasileira de Paleontologia.

Está em plena organização o IV Congresso Latino-americano de Paleontologia de Vertebrados, que será realizado em San Juan (Argentina) entre 21 e 24 de setembro deste ano. O evento, que já está em sua quarta edição, oferece a oportunidade para pesquisadores apresentarem os últimos resultados de pesquisas realizadas com vertebrados fósseis da América Latina. Mais informações podem ser obtidas na página do Congresso na internet.

Darren Naish e Steven Sweetman (Universidade de Portsmouth, Inglaterra) acabam de publicar a descrição de uma vértebra cervical pertencente a um dos menores dinossauros carnívoros já encontrados. O exemplar, com cerca de sete milímetros, foi encontrado em rochas de 125 milhões de anos na parte sul da Inglaterra e representa um dinossauro com tamanho entre 16 e 40 centímetros que estava na linha evolutiva das aves, conforme publicado na Cretaceous Research.

Ross Elgin (Staatliches Museum für Naturkunde, Karlsruhe, Alemanha) e colaboradores revisaram os principais exemplares de pterossauros com membrana alar preservada. O grupo pôde estabelecer que, nesses répteis voadores, essa membrana estava atrelada à região do tornozelo, ao contrário do que supunham alguns pesquisadores. O estudo foi publicado na Acta Palaeontologica Polonica.

Acaba de ser publicado um artigo na Polar Research sobre o mais antigo plesiossauro – grupo de répteis marinhos – encontrado na ilha de James Ross, na Antártica. O material é formado por restos de uma coluna vertebral e membros coletados em rochas com aproximadamente 83-86 milhões de anos e foi estudado pelos pesquisadores do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro.