O segredo do sucesso

Você provavelmente já conheceu (ou foi trocado por!) alguém que tinha características e atitudes que deveriam, teoricamente, ser uma potente arma para a repulsão das mulheres: era excessivamente narcisista, promíscuo em suas relações amorosas e, freqüentemente, não media esforços para alcançar seus objetivos, seja quais fossem os meios necessários para isso.

Porém, ao contrário do que indica o bom senso, algumas dessas pessoas fazem um enorme sucesso com muitas mulheres. O que pode estar por trás dessa atração por cafajestes da parte de algumas representantes do sexo feminino? Essa preferência tem sido examinada recentemente por pesquisadores interessados no estudo do comportamento das sociedades animais e humanas, usando técnicas da etologia, evolução, sociologia e genética de populações.

As penas vistosas dos pavões machos tornam-nos mais atraentes para as fêmeas, mas também mais visíveis para os predadores, o que acaba por poupar e beneficiar sua prole (foto: Stuart Seeger).

Segundo a teoria da seleção sexual, os machos de uma dada espécie são mais promíscuos que as suas parceiras, pois tentam inconscientemente transmitir seus genes para um maior número de parceiras. Já estas tendem a adotar uma estratégia diferente: para assegurar a preservação de sua descendência, elas adotam comportamentos como a manutenção de uma parceria monogâmica e um maior cuidado com a prole.

A presença de um parceiro fixo também seria uma forma de a parceira assegurar uma maior proteção contra predadores. Essa seria a razão pela qual os representantes masculinos de certas espécies possuem cores vistosas (como os pavões, aves do paraíso, cervos e pássaros em geral), enquanto que as fêmeas apresentam cores crípticas e pouco atraentes: os parceiros estariam atuando como iscas vivas que desviariam a atenção dos predadores e, assim, protegeriam as fêmeas e a sua prole.

A preferência de algumas mulheres por parceiros narcisistas e promíscuos explica, assim, pelo menos parcialmente, as atitudes cafajestes de parte da ala masculina.

Opção paradoxal
Contudo, em relação ao sexo feminino, essa teoria parece representar um contra-senso: como mulheres podem se sentir atraídas por pessoas que não estão interessadas em relações longas e estáveis e que, além do mais, estão excessivamente preocupadas com a aparência e com seus próprios interesses?

Uma análise desse padrão comportamental foi realizada recentemente por pesquisadores liderados por Peter Jonason, da Universidade do Estado do Novo México, Estados Unidos, e apresentada em um encontro da Sociedade para o Comportamento Humano e Evolução realizado no início do mês na cidade japonesa de Quioto.

Em sua análise, a equipe de Jonason aplicou testes psicológicos para avaliar a personalidade dos entrevistados e o nível de comportamentos sociais e sexuais associados com o narcisismo, com a promiscuidade e com certa ausência de escrúpulos. O estudo demonstrou que os indivíduos que apresentavam essas três características de forma mais acentuada possuíam também um maior número de parceiras sexuais. A busca de uma correlação do mesmo tipo entre as representantes do sexo feminino mostrou-se infrutífera.

Esse comportamento parece, inclusive, estar amplamente disseminado, de forma independente da cultura analisada. Um amplo estudo realizado recentemente e apresentado no mesmo encontro indica que esse padrão comportamental está presente em grande número de países com herança cultural distinta. A pesquisa realizada pela equipe de David Schmitt, da Universidade Bradley, em Illinois, também nos Estados Unidos, com cerca de 35 mil voluntários de 57 países, indicou que há uma relação entre o sucesso reprodutivo masculino e a adoção desse repertório comportamental.

Don Juan, talvez o mais conhecido sedutor mulherengo da literatura, retratado pelo pintor alemão Max Slevogt (1868-1932).

Além disso, a equipe de Schmitt observou que os homens estudados tendem a ter relações amorosas menos duradouras e, portanto, um número maior de parceiras durante a vida. Esses indivíduos, algumas vezes, apresentam uma prole maior, proveniente de várias uniões, e, assim, podem transmitir seus genes para as gerações futuras.

Dedicação à conquista
Mas, afinal, qual seria a razão do sucesso desses indivíduos com as mulheres? Em parte, seu êxito pode ser explicado por uma maior dedicação à arte da conquista. Posso citar o exemplo de um colega de doutorado que vivia tecendo elogios a toda e qualquer mulher. Ele costumava ser visto sempre acompanhado por mulheres que não eram propriamente exemplos de beleza, mas conquistou algumas parceiras realmente muito belas. Questionado sobre qual era seu segredo, ele dizia que dava dezenas de “cantadas” todos os dias – alguma delas acabava dando certo!

Muitas de suas parceiras acabavam se iludindo com a sua ousadia e com suas frases feitas. Porém, a ilusão durava pouco tempo até que seu caráter volúvel começava a se tornar óbvio. De certa forma, isso era o que ele queria: relacionamentos curtos e sem compromisso. Por outro lado, é possível argumentar também que algumas mulheres podiam estar inconscientemente escolhendo um parceiro que já tinha sido testado por várias outras mulheres e que talvez, por isso, apresentasse características valorizadas pelo sexo feminino.

Em todo caso, a ciência ainda não tem uma hipótese consistente para explicar a preferência de certas mulheres por homens de conduta moralmente repreensível. Vale ressaltar que os dados apresentados no evento japonês são preliminares. Quando os resultados definitivos forem publicados em periódicos científicos, talvez os autores proponham alguma interpretação que permita explicar a constatação.

Até que uma explicação convincente seja obtida, esse estranho comportamento de algumas mulheres que são atraídas por alguém que certamente não lhes fará bem e trará custos sociais elevados será motivo de especulações e teorias. De qualquer forma, a permanência desse repertório comportamental em parte dos representantes do sexo masculino e o seu sucesso – ao menos com parte das mulheres – indicam que, evolutivamente, a cafajestagem deve contribuir com algum ganho para aqueles que a professam. Contudo, deve ser lembrado que muitos desses conquistadores acabam sozinhos e solitários em sua velhice… 

Jerry Carvalho Borges
Universidade do Estado de Minas Gerais
26/06/2008

SUGESTÕES PARA LEITURA
Boomsma, J.J. (2007). Kin selection versus sexual selection: why the ends do not meet. Curr. Biol. 17, R673-R683.
Wellings, K. et al. (2006). Sexual behaviour in context: a global perspective. Lancet 368, 1706-1728.
Campbell, A. (2004). Female competition: causes, constraints, content, and contexts. J. Sex Res. 41, 16-26.
Muller, A.E. and Thalmann, U. (2000). Origin and evolution of primate social organisation: a reconstruction. Biol. Rev. Camb. Philos. Soc. 75, 405-435.
Runkel, G. (1998). Sexual morality of Christianity. J. Sex Marital Ther. 24, 103-122.