Em 23 de janeiro, porta-vozes do comissário europeu de saúde e de política do consumidor Tonio Borg anunciaram a suspensão dos processos de homologação de autorizações de cultivo de novos organismos geneticamente modificados (OGMs) nos países do grupo até o fim de seu mandato, em 2014. No dia seguinte, outros porta-vozes da União Europeia (UE) desmentiram a informação, assegurando que a UE pretende relançar as negociações.
De fato, as autorizações para cultivo de OGMs e o seu processo de homologação como um todo têm envenenado as relações entre a cúpula da UE e os países membros. A França já expressou que quer rever o processo de cabo a rabo. Além dela, Alemanha, Áustria, Luxemburgo, Hungria, Grécia e Polônia já estabeleceram cláusulas de salvaguardas para evitar, em seus países, o cultivo de OGMs autorizados pela UE. A presidência da UE, na pessoa do português José Manuel Barroso, tentou levantar essas salvaguardas, mas foi desautorizado numa votação e abandonou a ideia.
Coincidência ou não, o imbróglio surgiu duas semanas após o comissário europeu para a agricultura, Dacian Ciolos, lançar uma ofensiva contra os OGMs, sugerindo uma consulta pública aos europeus perguntando se desejam o desenvolvimento de uma agricultura biológica.
A Agência Europeia de Segurança Alimentar (EFSA, na sigla em inglês) anda na berlinda. Nos últimos 14 anos, autorizou apenas dois OGMs para cultivo: a batata Amflora desenvolvida pela Basf, que foi um fracasso comercial, e o milho da Monsanto MON810, desancado em estudo toxicológico de 12 meses conduzido por Gilles-Eric Séralini e equipe, como já comentado nesta coluna em 2012.
Mas vale lembrar que o estudo em questão abordou efeitos do consumo, não do plantio, de OGMs, e, na mesma UE, há hoje cerca de 50 OGMs autorizados para consumo humano e animal.
A EFSA, após a publicação do estudo acima, declarou que revisaria os procedimentos de homologação de OGMs e outros produtos como pesticidas, apontados como responsáveis pelo sumiço de insetos polinizadores em diversos e robustos estudos publicados nos últimos 12 meses e também comentados aqui.
Também afirmou que incentivaria a realização de estudos independentes de longo prazo sobre a segurança alimentar de OGMs e pesticidas, nos moldes do estudo Séralini e diferentes dos testes de apenas três meses realizados pelos fabricantes.
Não temos ainda notícia dos novos estudos em questão, mas a EFSA continua sua queda de braço com o prof. Séralini, cobrando-lhe a divulgação dos dados brutos de seu estudo, ao que o mesmo insiste em retrucar que sim, avec plaisir, assim que a EFSA divulgar os dados brutos dos estudos que usou para autorizar os produtos que ele testou e não aprovou, pas du tout.
Recuo estratégico
Diante da briga de foice e da crescente dúvida sobre a isenção e competência dos cientistas, especialistas e outros membros dos balaios de gatos que autorizam plantio ou consumo de OGMs e pesticidas na UE, a Monsanto decidiu retirar todos os pedidos de autorização de plantio de novos OGMs que estavam na fila para avaliação pela UE.
Alega baixa perspectiva de retorno financeiro, o que parece plausível, dada a animosidade em torno do tema no continente, a queda na área plantada com OGMs, de atualmente 1%, e o fato de que apenas 2% do faturamento da Monsanto na Europa com OGMs provêm daqueles plantados na própria.
Assim, a divulgada suspensão de cerca de seis novos pedidos de autorização de plantio de OGMs foi compensada com a discreta submissão de 26 novos pedidos de importação de OGMs para a UE. Business as usual.
O gesto pode também sugerir algum temor de que os tais estudos independentes e de longo prazo, sobre produtos em uso hoje, não sejam positivos. Isto se de fato vierem a ser realizados um dia. Nessa hipótese, remota, mas não nula, a retirada de pedidos para aprovação de novos produtos evita que estes sejam alvo de estudos como os do prof. Séralini no futuro.
O presidente da Monsanto na Europa, José Manuel Madeiro, declarou em 17 de julho que a empresa pretende agora concentrar seus esforços no fornecimento de OGMs para o mercado europeu. Estes são produzidos em outros países, entre os quais o Brasil. A Europa importa anualmente 40 milhões de toneladas de soja transgênica para alimentação animal, e boa parte disto provem do Brasil.
E nós nisso?
As dificuldades da Monsanto na Europa podem influenciar o cenário dos OGMs no Brasil e aumentar as pressões tanto a favor como contra. Em vista dos precedentes, aposto na primeira opção.
Vai precisar mesmo, pois a situação da sojicultura brasileira, seja ela OGM ou tradicional, não anda bem. Falou-se muito das perdas e custos no transporte, devido aos gargalos de infraestrutura, como armazéns, estradas e portos deficientes e inseguros. Esses problemas afetam todas as cargas e não diferenciam se a soja é OGM ou não.
Um outro problema vem assombrando os sojicultores desde 2005, a chamada soja louca. Essa anomalia, de causa ainda desconhecida, também ataca tanto soja OGM como não OGM, resultando em quedas de 30% a 60% na produtividade, por abortamento de flores, folhas e, pior, vagens.
Maranhão, Tocantins, Pará e norte de Mato Grosso, o principal estado produtor, tem sido as principais, mas não únicas, vítimas, já que Rondônia e estados do Sul também perderam com a praga. Estados Unidos e Costa Rica também relatam episódios de soja louca e ninguém tem solução na manga para o problema.
Assista a uma reportagem sobre a soja louca
Os que optaram pela soja OGM encaram ainda outro vilão, a crescente resistência de ervas daninhas ao herbicida Roundup, ao qual a soja é tolerante.
A quadrilha vegetal que assombra os campos da nação inclui o capim amargoso, o azevém, o amendoim bravo e dois tipos de buva. Esta última é a que mais preocupa, por estar disseminada pelo Paraná e pelo Rio Grande do Sul, estados pioneiros no uso de soja transgênica tolerante ao Roundup. Aumentar as doses de glifosato já não faz efeito, e o uso de outros herbicidas traz os mesmos problemas regulatórios e toxicológicos que já conhecemos, portanto, é mais do mesmo.
A Embrapa está suando bastante no trato com os dois tipos de problema, mas ainda não tem solução e, por enquanto, recomenda o manejo adequado das lavouras. As indústrias de OGMs e pesticidas também não têm solução no catálogo; estão pesquisando novos produtos e, enquanto esses não vêm, seguem recomendando que os agricultores se conscientizem da importância das boas práticas no uso dos pesticidas.
Os problemas citados parecem insolúveis e provavelmente são mesmo. Ocorrem em todos os desertos verdes criados pela monocultura de modelo industrial.
Mas espere. Manejo adequado, boas práticas… Estariam Embrapa e indústrias agroquímicas falando, subliminarmente, de agricultura biológica?
Talvez Freud explique. Mas o que Freud e indústrias agroquímicas têm em comum? Ora, são bons em plantar… dúvidas!
Jean Remy Davée Guimarães
Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho
Universidade Federal do Rio de Janeiro