Na coluna do mês anterior, discuti o fato de que a compreensão dos fenômenos físicos não se limita apenas a aplicações de fórmulas matemáticas, mas envolve também o entendimento de como os modelos são elaborados para se interpretar a natureza. A construção do conhecimento físico passa justamente pela criação de interpretações formuladas em teorias (que, na sua grande maioria, podem ser expressas por equações matemáticas) e pela experimentação, que coloca à prova os modelos elaborados.
Nesse sentido, a mecânica quântica, teoria física que descreve os fenômenos no domínio da escala atômica, talvez seja a mais desafiante de todas. A mecânica quântica, construída ao longo do século 20, trouxe mudanças profundas e radicais na maneira de interpretarmos os fenômenos físicos. Essa teoria desafia a nossa forma cotidiana de pensar. No pequeno mundo das partículas elementares, dos átomos, das moléculas etc., o nosso bom senso e a lógica usual não podem ser aplicados.
Desde que nascemos, construímos certa percepção do mundo ao nosso redor. Por exemplo, quando aprendemos o que é uma bola, descobrimos que ela tem forma esférica, que tem determinado tamanho, massa e cor e que podemos tocá-la, cheirá-la e até lambê-la. Em outras situações, entendemos o que são ondas observando oscilações na superfície de um lago ou no mar. Estas nos mostram um movimento contínuo de matéria, que, se tocada, faz com que as oscilações se dividam e gerem novas ondas.
Os conceitos de onda e partícula (representada, nesse caso, pela bola) são bastante distintos em nosso cotidiano. Partículas ocupam determinado lugar no espaço e ondas se propagam por todo o espaço. Partículas, quando colidem, como duas bolas de bilhar, assumem trajetórias definidas, que podem ser perfeitamente calculadas a partir das leis do movimento estabelecidas por Newton. Ondas, quando passam por fendas, criam novas frentes de ondas (fenômeno da difração), que, ao interagirem, podem sofrer interferência construtiva (como se as ondas se reforçassem) ou destrutiva (como se elas se anulassem).
Esses comportamentos característicos de partículas e ondas permitem perceber que elas são objetos distintos. Uma partícula não tem as características de uma onda e vice-versa.
Contudo, quando a observação ocorre na escala nanométrica (um nanômetro equivale a um milionésimo de milímetro), ou seja, no nanomundo, onde átomos e moléculas interagem, os objetos se comportam de forma bem diferente daquela com a qual estamos acostumados em nosso cotidiano. No reino da mecânica quântica, o fato de um objeto se comportar como onda ou partícula depende do ponto de vista do observador.
Luz é onda ou partícula?
No final do século 19 e começo do século 20, estava estabelecido que a luz era uma onda eletromagnética. Observava-se que a luz apresentava os fenômenos de interferência e difração, característicos do comportamento de uma onda. As equações do eletromagnetismo, desenvolvidas pelo físico escocês James Clerck Maxwell (1831-1879), demonstravam que a luz era a propagação ondulatória da combinação de campos elétricos e magnéticos.
Podemos verificar o fenômeno da difração na luz se incidirmos, por exemplo, uma luz branca, como a de uma lanterna, na superfície de um CD gravado. A luz refletida mostrará cores diferentes à medida que mudarmos o ângulo de incidência da luz sobre o CD. Isso acontece porque, ao interagir com os sulcos entre as trilhas gravadas na superfície do CD (que têm aproximadamente a mesma ordem de grandeza do comprimento de onda da luz visível), as diversas frequências (cores) que compõem o espectro luminoso se dividem e passam a se propagar em novas frentes de ondas.
Por outro lado, um fenômeno da luz primeiramente observado pelo físico Alexandre Edmound Becquerel (1820-1891) e confirmado pelo físico alemão Henrich Hertz (1857-1894) não tinha uma explicação plausível. Trata-se do efeito fotoelétrico, ou seja, o surgimento de corrente elétrica quando se incide luz sobre um metal. O curioso desse efeito é que ele somente ocorre em frequências da luz acima de determinado valor. Se você incidir, por exemplo, uma luz vermelha, não importando a intensidade (quantidade) de luz, não haverá corrente. Mas, se você usar uma luz azul, a corrente aparecerá, mesmo com intensidade de luz menor. Esse resultado contradizia o que a teoria ondulatória da luz previa na época, pois a corrente deveria surgir com qualquer cor, dependendo apenas da intensidade.
Atualmente, células fotoelétricas são utilizadas em diversas aplicações. As portas automáticas, muito comuns em shopping centers, são um exemplo. Quando obstruímos a passagem da luz que incide sobre a fotocélula, a corrente deixa de fluir e se ativa o dispositivo para abrir a porta.
Esse fenômeno aplicado tão corriqueiramente nos dias de hoje precisou de uma ideia revolucionária para ser compreendido. Em 1905, o físico alemão Albert Einstein (1879-1955) explicou o efeito fotoelétrico introduzindo o conceito de quantum de luz, que mais tarde ficou conhecido como fóton.
Segundo Einstein, para remover um elétron ligado aos átomos de metal, seria necessário fornecer energia suficiente para que ele escapasse do material. Essa energia deveria ser proporcional à frequência da luz incidente multiplicada por uma constante física fundamental chamada constante de Planck – introduzida alguns anos antes pelo físico alemão Max Planck (1858-1947) para explicar a radiação do corpo negro (veja coluna de outubro de 2009).
Dessa forma, Einstein propôs que a luz se comportava como se fosse um fluxo de partículas de energia, ao contrário do que todos os experimentos sobre a natureza da luz tinham mostrado.
Elétrons são partículas ou ondas?
Em 1897, o físico britâncio J. J. Thomson (1856-1940) descobriu a primeira partícula fundamental: o elétron. Suas experiências, realizadas com tubos de raios catódicos, dispositivos semelhantes aos usados nos antigos tubos de aparelhos de televisão, mostraram que havia uma partícula que sentia a presença de campos elétricos. Naquele momento, ele conseguiu medir o valor da razão carga/massa do elétron. O valor da carga do elétron foi determinado posteriormente pelo físico estadunidense Robert A. Millikan (1868-1953).
Em 1924, o físico francês Louis de Broglie (1892-1987) apresentou em sua tese de doutorado uma hipótese revolucionária para explicar a natureza das partículas constituintes da matéria. Ele propôs que é possível associar uma onda a uma partícula em movimento, o que ficou conhecido como onda de matéria de Broglie.
Em 1927, o físico estadunidense Clinton J. Davisson (1881-1958) e colaboradores observaram a difração de elétrons em cristais. Em 1931, o físico britânico George P. Thomson (1892-1975) confirmou os resultados de Davisson e comprovou definitivamente a hipótese de Louis de Broglie. Em 1937, Davisson e Thomson ganharam o prêmio Nobel de Física por essa descoberta. Curiosamente, George Thomson era filho de J. J. Thomson. O pai descobriu o elétron como partícula e o filho mostrou que ele também poderia se comportar como onda.
Uma importante aplicação da difração de elétrons é a microscopia eletrônica, que utiliza elétrons para criar imagens de estruturas na escala atômica. Nesse caso, a separação que existe entre os átomos – que é da mesma ordem de grandeza do comprimento de onda associado aos elétrons – funciona como as ranhuras do CD para a luz visível. Ao interagir com os átomos, os elétrons difratam e as novas frentes de ondas que se formam permitem compor a imagem da estrutura que as gerou.
De fato, elétrons, fótons e outros entes atômicos não são nem ondas nem partículas. Eles podem apresentar esse comportamento dualista, dependendo da forma como interagimos com eles. Embora isso possa parecer contraditório e ferir o nosso senso comum, os resultados experimentais comprovam esses fatos. A mecânica quântica nos levou a mudar a nossa visão de mundo.
Como disse um dos mais proeminentes físicos do século 20, Richard Feynman (1918-1988): “Eu acho que posso dizer seguramente que ninguém entende a mecânica quântica. (…) Não fique dizendo para você mesmo ‘Mas como ela pode ser assim?’ porque você entrará em um beco sem saída do qual ninguém escapou ainda. Ninguém sabe como a natureza pode ser assim.”
Adilson de Oliveira
Departamento de Física
Universidade Federal de São Carlos