Origem de animais pode recuar em 100 milhões de anos

Até algum tempo atrás, o registro mais antigo da existência dos animais multicelulares, que são conjuntamente chamados de metazoários, eram os fósseis do Cambriano, cuja idade gira em torno de 540 milhões de anos. Há pouco tempo, foram encontrados na China fósseis com 632 milhões de anos. Agora, essa idade pode recuar ainda mais após a descoberta de moléculas produzidas por um grupo de esponjas em rochas com idade máxima estimada em até 751 milhões de anos.

 

As moléculas em questão eram produzidas exclusivamente por esses animais e permaneceram preservadas nas rochas devido à sua natureza ou às condições do ambiente em que viviam as esponjas. Moléculas como essas, chamadas de biomarcadores, têm se mostrado grandes aliadas dos paleontólogos, pois ajudam a elucidar como era a vida no passado de forma complementar ao registro dos fósseis.

A descoberta dos biomarcadores de esponjas foi feita pela equipe de Gordon D. Love, do Departamento de Ciências da Terra da Universidade da Califórnia em Riverside (EUA). O feito foi publicado esta semana com destaque pela revista Nature, em artigo assinado por Love e mais 12 colaboradores.

As moléculas em questão foram encontradas em rochas sedimentares de Omã, no Oriente Médio. As rochas dessa região petrolífera pertencem ao período Neoproterozóico, mais especificamente ao Criogeniano, o que corresponde, em termos de idade absoluta, a uma faixa de 850 a 630 milhões de anos atrás.

Esponjas modernas
A equipe de Love realizou uma série de análises químicas de amostras dessas rochas coletadas com rigoroso controle estratigráfico. As análises acusaram a presença de grandes quantidades de uma molécula orgânica do grupo dos esteróides chamada de 24-isopropilcolestano – ou 24-icp.

Atualmente, essa molécula é produzida por animais de um grupo de Porifera, popularmente conhecidos como esponjas. Esse grupo, chamado de Demospongiae, inclui o maior número de espécies de esponjas recentes, cujos representantes podem ser encontrados em diversos ambientes marinhos, de rasos até bem profundos (até 9 mil metros).

Após eliminar todas as possibilidades de contaminação, o grupo de Love concluiu que as moléculas por eles encontradas foram produzidas por esponjas que habitavam os mares daquela região. A coleta cuidadosa e a comparação com espécimes de outras regiões do mundo possibilitaram aos pesquisadores estabelecer que a idade do 24-icp em Omã é de pelo menos 635 milhões de anos e no máximo de 751 milhões de anos.

Em teoria, esses metazoários primitivos capturavam carbono do mar e liberavam oxigênio, criando condições para o desenvolvimento de novos grupos de animais.

A explosão do Cambriano
A descoberta ajuda a entender um mistério que intrigava os paleontólogos há tempos: os animais multicelulares mais antigos de que se tinham notícia até agora tinham uma grande diversidade e quantidade – por isso se fala em “explosão de vida no Cambriano”. Esses organismos já exibiam uma grande complexidade, com formas semelhantes a celenterados e águas-vivas. Alguns, inclusive, já haviam desenvolvido estruturas mineralizadas como tubos e placas.

Fóssil de Dickinsonia costata encontrado em rochas pré-cambrianas da Austrália. Estima-se que essa espécie tenha vivido há cerca de 540 milhões de anos (foto: Wikimedia Commons).

Daí o problema: como esses organismos surgiram, de repente, no registro fóssil? Diversos pesquisadores, incluindo o próprio Charles Darwin (1809-1882), um dos pais da teoria da evolução, questionaram este surgimento “repentino” dos metazoários e acreditavam que outros animais, ainda mais primitivos, deveriam ter vivido bem antes do Cambriano.

Essas suposições foram pelo menos parcialmente confirmadas há algum tempo com descobertas realizadas na China, mais especificamente com a famosa biota de Doushantuo, encontrada na sul do país.

Os fósseis dessa região são todos microscópicos, porém extremamente bem preservados, e incluem até registros de embriões, como mostraram Yin e colaboradores na Nature em 2007. A idade estimada desses exemplares, todos marinhos, gira em torno de 632 milhões de anos. Grosso modo, essa data podia ser considerada a origem dos animais até então.

Críticas ao trabalho
O importante trabalho do grupo de Love mal foi publicado e já é alvo de crítica. Ao comentar o trabalho na mesma edição da Nature, Jochen J. Brocks, do Centro de Macroevolução e Macroecologia da Universidade Nacional da Austrália, e Nicholas Butterfield, do Departamento de Ciências da Terra da Universidade de Cambridge (Inglaterra), salientam que existe a possibilidade de o 24-icp de Omã ter sido produzido por outros organismos e não por metazoários. Essa alegação abre uma sadia controvérsia entre os pesquisadores.

Mas o estudo de fósseis químicos também tem outros problemas bem mais complexos. Além da necessidade de equipamento especializado, a base dos biomarcadores está no encontro de moléculas produzidas por organismos viventes. Nada impede, no entanto, que tenham existido no passado outros tipos de organismos, inclusive metazoários, que produzissem moléculas bem distintas das sintetizadas pelos organismos atuais e que poderiam passar despercebidas pelas análises geoquímicas.

Apesar disso, o estudo de Love e colegas constitui um avanço significativo para desvendar a origem dos metazoários e abre a perspectiva para novas coletas e estudos em outras regiões com o emprego de biomarcadores. O trabalho também demonstra mais uma vez a sofisticação da pesquisa paleontológica, que cada vez mais se vale de técnicas e equipamentos refinados para responder às crescentes perguntas sobre a origem e a diversidade da vida na “nossa casa”, o planeta Terra. 

Alexander Kellner
Museu Nacional / UFRJ
Academia Brasileira de Ciências
05/02/2009

Paleocurtas
As últimas do mundo da paleontologia

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No último volume da Revista Brasileira de Paleontologia, foi publicada a descrição de uma nova raia fóssil do grupo dos Sclerorhynchidae. A nova espécie, denominada Atlanticopristis equatorialis, é baseada em 14 dentes encontrados nos afloramentos chamados de Falésia do Sismito da Ilha do Cajual, no Maranhão, em rochas com aproximadamente 98 milhões de anos. Segundo Agostinha Pereira (Centro de Pesquisa de História e Arqueologia do Maranhão) e Manuel Medeiros (UFMA), a nova espécie provavelmente vivia em mares rasos e invadia periodicamente ambientes estuarinos.
O periódico Zitteliana acaba de publicar um volume sobre pterossauros em homenagem ao pesquisador Peter Wellnhofer, aposentado da Bayerische Staatssammlung de Munique (Alemanha). Durante sua carreira, Peter publicou vários trabalhos sobre répteis voadores que influenciaram toda uma geração de pesquisadores interessados nesse grupo fóssil. O volume reúne contribuições sobre pterossauros de diversos depósitos de países como China e Brasil, além de um artigo com um levantamento de todas as ocorrências desses répteis alados. Mais informações: http://www.palmuc.de/zitteliana/
Um grupo liderado por Jason Head (Universidade de Toronto, Canadá) acaba de descrever a maior serpente já encontrada. Trata-se de Titanoboa cerrejonensis, baseada em restos de 28 indivíduos coletados na Formação Cerrejón (Colômbia), cuja idade é de aproximadamente 58 a 60 milhões de anos. O comprimento da nova espécie foi estimado em 13 metros e o seu peso, mais de uma tonelada. O achado, publicado na Nature, corrobora a hipótese de alta concentração de CO 2 – e temperaturas altas – durante o Paleoceno.
Liderados por Bernardo González Riga (Universidade Nacional de Cuyo, Mendoza, Argentina), paleontólogos argentinos encontraram um raro esqueleto articulado de um dinossauro do grupo dos titanossauros. O exemplar é procedente da Formação Allen (com cerca de 70 a 75 milhões de anos) e consiste em um esqueleto parcial com os membros posteriores e os pés bem preservados. Publicado na Paleoworld, o estudo revela que houve uma redução gradual do número de falanges do terceiro e quarto dígitos do pé nos titanossauros do Cretáceo Superior.
O geólogo da Unesp de Rio Claro Mario Assine acaba de publicar uma nova proposta estratigráfica para a Bacia do Araripe. Situada no nordeste do Brasil, entre os estados do Ceará, Pernambuco e Piauí, essa bacia é mundialmente conhecida pelos seus depósitos fossilíferos. No trabalho, publicado pelo Boletim de Geociências da Petrobras (que pode ser acessado por meio do Portal de Periódicos da Capes ), o pesquisador estabelece novos limites para diversas formações.
Liderados por Paul Gingerich (Universidade de Michigan, Estados Unidos), pesquisadores encontraram uma baleia fóssil fêmea com um filhote em depósitos com 47,5 milhões de anos localizados no Paquistão. O grupo estabeleceu que o material representa uma nova espécie, denominada Maiacetus inuus. Segundo o estudo, publicado na PLoS One, essas baleias primitivas davam à luz seus filhotes em terra firme e não na água, como as atuais.