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Gêmeos dizigóticos ou bivitelinos nascidos em 2006 (foto: Wikipedia).

 

 

 

Há alguns dias o leitor João Martins, de Brasília, me questionou sobre a possibilidade de se gerar uma criança a partir do material genético de dois homens, como se houvesse uma fecundação simultânea do óvulo com dois espermatozóides. A ocorrência desse fato extraordinário nunca foi relatada na literatura científica, mas a questão nos dá uma boa oportunidade para discutir os eventos envolvidos na formação de gêmeos.

A gravidez e fecundação já são por si sós eventos de uma beleza e complexidade enorme. Mas algo ainda mais extraordinário pode ocorrer: ocasionalmente, podem ser gerados ao mesmo tempo dois, três, quatro ou até mais bebês! Esses gêmeos são desde a Antigüidade motivo de fascinação (e algumas vezes de temor e adoração) pelos seres humanos.

Popularmente conhecem-se apenas dois tipos de gêmeos: os monozigóticos (univitelinos ou idênticos), originados a partir da divisão de um único zigoto ou de suas células-filhas (blastômeros), e os gêmeos dizigóticos (bivitelinos ou fraternos), que surgem após a gestação simultânea de dois ou mais zigotos diferentes.

Em algumas ocasiões pode ocorrer durante a ovulação a liberação concomitante de dois ou mais óvulos, normalmente por ovários diferentes. Nesse caso, cria-se a possibilidade de suceder mais de uma fecundação – processo que levará ao desenvolvimento de dois ou mais gêmeos dizigóticos. Esses bebês, apesar de compartilharem o útero durante a gestação, se desenvolvem de modo independente até o nascimento. Além disso, essas crianças possuem um patrimônio genético distinto, tendo a mesma chance estatística de possuir características similares entre si que filhos gerados em partos diferentes.

Um exemplo da enorme diferença que pode existir entre gêmeos dizigóticos foi o nascimento dos mestiços Layton (loiro) e Kaydon (mulato) Richardson na cidade de Middlesbrough, na Inglaterra, em julho de 2006. Esse caso foi amplamente noticiado pela imprensa e suscitou uma série de outras reportagens que mostraram nascimentos similares no Brasil.

Gêmeos monozigóticos

A formação de gêmeos monozigóticos se dá a partir da divisão do zigoto ou de suas células-filhas (blastômeros) – estágio retratado na foto acima, que mostra um embrião com oito células (foto: Wikipedia).

Os gêmeos monozigóticos, por outro lado, surgem após uma divisão do zigoto ou, mais freqüentemente, dos blastômeros. Esses gêmeos formam-se somente até o 14º dia após a fecundação. O desenvolvimento dos gêmeos monozigóticos segue o padrão embrionário normal, ocorrendo no interior de duas membranas embrionárias: o córion, de localização externa e que constituirá posteriormente a placenta (elo de ligação entre a mãe e o feto), e o âmnio, de localização interna.

Normalmente os gêmeos monozigóticos são do mesmo sexo, mas em alguns casos raríssimos podem se formar irmãos de sexos diferentes. Isso ocorre quando os óvulos fecundados são triplóides, isto é, possuem uma combinação não usual de cromossomos sexuais: dois X e um Y. A tendência é que, durante as divisões celulares subseqüentes, um dos cromossomos extras (um X ou um Y) seja perdido, podendo originar um gêmeo composto por células XX (mulher) e outro por células XY (homem).

Apesar de serem muito similares, os gêmeos monozigóticos não são totalmente idênticos: um pequeno número de genes presentes nas mitocôndrias pode sofrer mutações após a formação dos gêmeos, introduzindo modificações no desenvolvimento dos futuros indivíduos. Padrões epigenéticos diferentes podem também ocorrer em gêmeos monozigóticos, levando à ativação ou inibição diferenciada de cópias (alelos) de cada gene nos dois gêmeos. Além disso, mesmo que esses irmãos sejam criados de forma similar, eles estão sujeitos a pressões ambientais distintas, que podem acentuar diferenças de altura, peso, constituição física e mesmo na personalidade desses indivíduos.

Essas pressões ambientais já se manifestam durante a vida intra-uterina. O espaço interno do útero – com um volume aproximado de 6 litros – é insuficiente para o desenvolvimento de vários fetos. Dessa forma, a presença de gêmeos normalmente diminui o período gestacional em cerca de três semanas. Além disso, a formação de gêmeos está associada com a ocorrência de partos prematuros e com a incidência de abortos espontâneos.

Além do mais, como a maioria dos gêmeos monozigóticos está ligada à mesma placenta, no decorrer de seu desenvolvimento embrionário esses irmãos competirão entre si não apenas por espaço no útero, mas também pela alimentação fornecida pela mãe. Após algum tempo, estabelece-se uma relação de dominância entre os gêmeos e um deles acaba por se desenvolver mais que o(s) outro(s) irmão(s).

Avaliações intra-uterinas mostram inclusive que o feto dominante é mais agitado e indicam que partos múltiplos são muito mais comuns do que se pensava anteriormente. Porém, a maioria desses gêmeos tem seu desenvolvimento interrompido e é absorvida pelo organismo materno, pois é incapaz de obter recursos e espaço suficientes para o seu crescimento. Esse fato ocorre, muitas vezes, sem que a mãe saiba disso. Anomalias genéticas também podem estar associadas com esse processo.

Outros tipos de gêmeos
Apesar dos gêmeos monozigóticos e dizigóticos serem os tipos mais conhecidos de gravidez múltipla, há outras formas menos comuns. Em algumas ocasiões, por exemplo, podem se formar em uma mesma gravidez grupos de gêmeos monozigóticos e dizigóticos.

Em outras circunstâncias, os gêmeos podem apresentar tempos de gestação diferentes. Esse acontecimento (denominado superfetação) é extremamente raro e se restringe às três primeiras semanas de gravidez do primeiro embrião. Sua ocorrência está relacionada com algum problema hormonal que faz com que a grávida ovule novamente, possibilitando que um novo óvulo seja fecundado e se junte no útero ao embrião que já estava em desenvolvimento.

Outra possibilidade, também rara, é a existência de gêmeos de pais diferentes. Para que isso ocorra, a mãe deve produzir mais de um óvulo em um mesmo ciclo menstrual e possuir em seu útero espermatozóides vivos de dois homens diferentes durante as 24 horas em que os óvulos estiverem viáveis.

A existência de irmãos formados por óvulos fertilizados por dois espermatozóides diferentes (a pergunta do João Martins, lembra-se?), conhecidos como gêmeos de corpúsculo polar, não foi comprovada cientificamente, porém é teoricamente possível. Para que isso ocorresse, seria necessária a fecundação e desenvolvimento de algum corpúsculo polar não descartado (corpúsculos polares são pequenas células geradas no processo de formação do óvulo, que são eliminadas em circunstâncias normais). Teríamos nesse caso a formação de gêmeos que compartilhariam os mesmos genes maternos, mas que possuiriam o material genético de pais diferentes, uma vez que foram fecundados por espermatozóides distintos.

Até o momento, a evidência mais próxima da existência de gêmeos de corpúsculos polares foi obtida por um estudo conduzido por uma equipe chefiada pelo geneticista Frederick Bieber, da Escola de Medicina da Universidade Harvard (EUA) em 1981. Esses cientistas analisaram alguns casos de fetos sem coração que algumas vezes se mantêm associados e são alimentados por fetos normais. A análise do genoma e de proteínas associadas com o reconhecimento celular desses fetos-monstro indicou que eles são triplóides (XXX) e que se originaram de corpúsculos polares fertilizados por espermatozóides.

Pistas para a origem dos gêmeos

A foto mostra as cinco irmãs Dionne, nascidas no Canadá em 28 de maio de 1934. A probabilidade do nascimento de quíntuplos é de uma em dezenas de milhões de partos normais (foto: National Film Board of Canada).

O nascimento de gêmeos monozigóticos é um evento raro e considera-se que aconteça uma vez a cada 250 partos. Os gêmeos dizigóticos, por sua vez, são mais freqüentes e ocorrem em média a cada 100 partos. A ocorrência de mais de dois gêmeos monozigóticos é um evento extremamente raro – o nascimento de quadrigêmeos idênticos ocorre em um a cada 64 milhões de partos normais!

A ciência não sabe ainda ao certo que circunstâncias levam à formação dos gêmeos, mas a maioria deles é concebida por mulheres que se encontram no início ou no final de seu período reprodutivo. É provável que elas estejam mais propensas a sofrerem erros metabólicos que levem à separação dos zigotos recém-formados ou que apresentem falhas no controle de sua ovulação, gerando dois ou mais óvulos em um mesmo ciclo reprodutivo.

Fatores hereditários também estão associados à formação de gêmeos. Mulheres com alguma parente próxima (tia, avó ou mãe) que tenha tido partos múltiplos, por exemplo, têm maior probabilidade de gerarem gêmeos. A origem étnica da mãe também parece influenciar essa probabilidade. Mulheres orientais têm uma chance muito menor de conceberem gêmeos dizigóticos (1 caso em 400 nascimentos) do que norte-americanas (1 em 88 nascimentos) ou nigerianas (1 em 25 partos). Além disso, mulheres que tenham tido vários partos anteriores têm uma maior chance de conceberem gêmeos.

Desde o desenvolvimento, no final da década de 1970, de tratamentos de fecundidade para aumentar as chances de casais com problemas reprodutivos conceberem seus próprios filhos, o número de concepções múltiplas tem aumentado de forma considerável. O uso de medicamentos que estimulam a produção simultânea de vários óvulos e a introdução de mais de um óvulo fecundado externamente ( in vitro ) em mulheres com problemas reprodutivos também contribuem para a ocorrência de partos múltiplos.

Sejam quais forem os fatores envolvidos na formação dos gêmeos, essas pessoas certamente continuarão sempre representando para os outros indivíduos uma fonte de fascínio e, para a ciência, uma fonte de pistas essenciais sobre os mistérios envolvidos em nossa origem.

Jerry Carvalho Borges
Colunista da CH On-line 
20/07/2007

SUGESTÕES PARA LEITURA
Bieber, F.R. et al. (1981). Genetic studies of an acardiac monster: evidence of polar body twinning in man. Science 213, 775-777.
Derom, R. et al. (2001). Twins, chorionicity and zygosity. Twin. Res. 4, 134-136.
Endres, L., Wilkins, I. (2005). Epidemiology and biology of multiple gestations. Clin. Perinatol. 32, 301-14.
Hall, J.G. (2003). Twinning. Lancet 362, 735-743.
Toledo,M.G. (2005). Is there increased monozygotic twinning after assisted reproductive technology? Aust. N. Z. J. Obstet. Gynaecol. 45, 360-364.