Para os neurônios lá de baixo falarem com os lá de cima

Mulheres, é chegado o momento da vingança. Vocês que já aturaram piadinhas sobre os neurônios que morrem de solidão no cérebro da loura burra podem agora devolver na mesma moeda — e com um detalhe adicional, porque desta vez é sério. Lembram aquela piada sobre o neurônio masculino que se descobre sozinho no cérebro porque todos os outros foram para a festa lá embaixo? De fato, existe ao menos uma coisa para a qual o cérebro dos homens é dispensável. Para eles, chegar aos finalmentes durante uma transa não requer interferência dos neurônios lá de cima, os do cérebro. A própria medula espinhal na região lombar contém tudo o que precisa — inclusive um ’gerador de ejaculação’. 

Isso é o que sugere um estudo publicado na revista Science em 30 de agosto, onde a pesquisadora Lique Coolen e o pós-doutorando William Truitt, da Universidade de Cincinnati (EUA), relatam ter descoberto na medula espinhal do rato neurônios essenciais para a ejaculação, que provavelmente fazem parte do circuito que a controla, sem precisar da ajuda do cérebro.

A ejaculação de fato prescinde do cérebro: mesmo quando a comunicação entre ele e o pênis é interrompida, como em animais que sofreram lesões da medula espinhal — inclusive homens –, a liberação de esperma ainda pode ser provocada por estimulação sensorial adequada.

Esse fato há muito tempo conhecido indicava a existência na medula espinhal de um ’gerador de ejaculação’, ou seja, um circuito local de neurônios capazes de orquestrar sozinhos toda a seqüência de eventos glandulares, musculares e nervosos que levam à ejaculação. Dada a altura ao longo da medula das lesões que ainda permitem a ejaculação, foi possível deduzir que os neurônios responsáveis deveriam residir na porção lombar da coluna.

Coolen já havia demonstrado em 1998 que a ejaculação ativa uma região específica do tálamo, a ’central de distribuição’ de sinais sensoriais dentro do cérebro. Essa sub-região, por sua vez, é informada sobre a ação lá embaixo por neurônios situados justamente na porção lombar da medula — olha eles aí outra vez –, que transmitem coluna acima sinais locais relacionados especificamente à ejaculação.

Até aqui, contudo, a atividade desses neurônios apelidados LSt (de lumbar spinothalamic, em inglês) poderia tanto ser resultado da ejaculação, sinalizando-a simplesmente para o tálamo, quanto condição para que ela ocorra, por exemplo disparando os mecanismos necessários. Apenas outro experimento poderia dizer a diferença: seria necessário lesionar especificamente esses neurônios e ver como o rato se comportaria na hora H. Foi o que Coolen e Truitt fizeram, valendo-se de uma peculiaridade bioquímica dos neurônios LSt para lhes enviar uma toxina que os destruiu, deixando seus vizinhos ilesos.

Ratos que haviam perdido mais de dois terços dos neurônios LSt eram tão capazes quanto animais normais de montar em fêmeas ’interessadas’ e penetrá-las. Sem os LSt, no entanto, a relação acabava invariavelmente sem ejaculação. Quem garante é o próprio Truitt, que se encarregou de acompanhar todas as relações de seus 19 animais, sem saber quais haviam sido previamente lesionados, e examinar o derrière das fêmeas em busca do característico tampão formado pelo sêmen.

A descoberta implica esses neurônios tanto no comando da ejaculação quanto na transmissão da informação ao cérebro. De fato, os neurônios LSt estão bem situados para fazer ambas as coisas. Segundo trabalho em andamento dos pesquisadores, esses neurônios recebem estímulos sensoriais do pênis que normalmente desencadeiam a ejaculação; conversam com outros neurônios que provocam as salvas de emissão e ejeção rítmicas do esperma; e de quebra enviam um sinal para os neurônios lá de cima — os do tálamo — informando que a missão lá embaixo já foi cumprida.

O tal sinal de ’missão cumprida’ costuma coincidir com a cessação da atividade sexual nos ratos, mas no homem não é necessariamente assim. Talvez aqui esteja a base da dissociação tantas vezes alardeada nas revistas masculinas, mas ignorada por muitas mulheres: mesmo que costumem vir juntos, ejaculação — obra de neurônios na medula — não é sinônimo de orgasmo (este sim uma elucubração cerebral).

Ainda assim, o sinal que o tálamo recebe dos neurônios LSt poderia facilitar o orgasmo. Pena que esses ratinhos não tivessem como dizer se foi bom ou não, mesmo sem ejaculação. Ao menos suas relações parecem não ter sido desanimadoras: mesmo sem chance de ejacular, eles insistiam em montar e penetrar suas parceiras tanto quanto os outros ratos — ou até mais.

As implicações práticas da descoberta são promissoras. Os neurônios LSt são um alvo evidente para o desenvolvimento de novos tratamentos farmacológicos da ejaculação precoce, ou, ao contrário, de drogas que facilitem a ejaculação, o que talvez venha a ser útil a homens com lesões da medula que desejem ter filhos. E existe ainda a possibilidade, ainda que remota, de a ativação desses neurônios ’geradores de ejaculação’ influir positivamente sobre as chances de se ter um orgasmo — o que poderia, quem sabe, levar à criação de uma droga simuladora de orgasmo.

Mas até lá, a maneira mais eficaz de se conseguir a ejaculação (e um orgasmo) continua sendo a boa e velha — hmm, como dizer educadamente? — estimulação sensorial repetitiva do pênis. Funciona até para os ratos…

Fonte: Truitt WA, Coolen LM (2002). Identification of a potential ejaculation generator in the spinal cord. Science 297, 1566-1569.

Truitt WA, Coolen LM (2001). Ejaculation-induced neural activation in the lumbar spinal cord of the rat. Hormones and Behavior 39, 352.

Suzana Herculano-Houzel
O Cérebro Nosso de Cada Dia