Passageiros do futuro

Após vivermos o fantasma da guerra atômica nos anos 1980, uma outra calamidade assombra o mundo de hoje. Uma catástrofe climática pode acontecer devido ao excesso de emissão de gases do efeito estufa provenientes da queima de combustíveis fósseis para manter nossas atividades industriais e agrícolas e movimentar nossos meios de transporte.

O efeito estufa pode causar uma elevação na temperatura média de nosso planeta, ocasionando o derretimento das calotas polares e a conseqüente elevação do nível dos mares e devastação de áreas costeiras. O aumento das temperaturas pode também afetar ecossistemas mais sensíveis e vulneráveis, como os recifes de coral e as nossas florestas tropicais.

Preocupados com os efeitos nocivos do aquecimento global, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente e a Organização Meteorológica Mundial criaram em 1988 o Painel Intergovernamental para as Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), formado por pesquisadores de vários países. O objetivo dessa instituição é fornecer informações científicas e sócio-econômicas e propor medidas que minimizem os efeitos das mudanças climáticas.

O ex-vice-presidente norte-americano Al Gore e o indiano Rajendra K. Pachauri, presidente do IPCC, recebem o Nobel da Paz em Oslo, na Noruega (foto: Wikimedia Commons).

Nessa luta contra o aquecimento global também vem se destacando o ex-vice-presidente americano Al Gore. Em 2006, utilizando-se de dados produzidos pelo IPCC, Gore empreendeu uma série de viagens pelo mundo para esclarecer o público sobre o aquecimento global e foi a estrela de um documentário de enorme sucesso (Uma verdade inconveniente) sobre os efeitos das mudanças climáticas.

Embora o IPCC e Gore tenham sido laureados há pouco tempo com o Nobel da Paz, há ainda alguma controvérsia sobre a origem das mudanças climáticas. Um grupo minoritário de cientistas tem discordado dos dados colhidos pelo IPCC, alegando que as alterações climáticas recentes seriam fruto de ciclos naturais do clima do planeta. Mas quais seriam as razões para se desafiar as conclusões do IPCC?

Efeito estufa e a vida na Terra
O efeito estufa ocorre devido à retenção de calor na superfície do planeta pela ação de gases lançados na atmosfera. Os principais gases estufa são o dióxido de carbono (CO 2 ), o óxido de nitrogênio (NO 2 ), os clorofluorcarbonetos (CFCs) e o metano (CH 4 ). Na verdade, esse fenômeno existe há bilhões de anos e é o responsável pela manutenção de temperaturas capazes de proporcionar as condições necessárias para sustentar da vida em nosso planeta. Contudo, uma elevação nos níveis dos gases-estufa pode afetar de forma perigosa esse equilíbrio delicado.

Há cerca de 3,5 bilhões de anos, nossa atmosfera era composta por cerca de 95% de gás carbônico, o que fazia com que as temperaturas em nosso planeta alcançassem 85ºC. Porém, após o surgimento dos primeiros seres capazes de fazer a fotossíntese, os níveis de CO 2 diminuíram de forma marcante e hoje representam apenas cerca de 0,037% da composição da atmosfera. Mas onde foi parar todo esse gás carbônico? Com o passar do tempo, grande parte desse composto foi armazenado nas reservas petrolíferas que agora estão rapidamente sendo consumidas por nossas indústrias e automóveis, sobretudo na forma de combustíveis fósseis.

Os gases-estufa absorvem a radiação solar refletida pela Terra e emitida normalmente em direção ao espaço e a retêm na atmosfera. Desse modo, apenas uma pequena porcentagem da radiação volta para o espaço, o que gera o aquecimento da superfície terrestre. É como se fosse um pingue-pongue macabro: a atmosfera retém a radiação e a emite de volta à superfície, que se torna mais quente e a emite novamente para a atmosfera. Depois de algum tempo o equilíbrio é alcançado, ao custo de um aumento na temperatura do planeta.

A intensificação do efeito estufa ocorre, portanto, devido ao aumento de emissões de gases poluentes (gases-estufa), além da capacidade de nosso planeta de controlar as concentrações dos gases atmosféricos. Estima-se que a temperatura média do planeta já tenha tido um acréscimo devido aos efeitos dos gases-estufa, passando de 15,2ºC para algo em torno de 15,9ºC.

Gases-estufa e ação humana
Dados geológicos indicam que nosso planeta tem passado naturalmente por etapas de queda da temperatura média da superfície e dos oceanos (períodos glaciais), seguidas por períodos de aumentos na temperatura (períodos interglaciais). Os cientistas estimam que atualmente vivamos um período de clima ameno, entre duas glaciações.

Análises geológicas também indicam que aumentos e decréscimos nos níveis de gás carbônico e metano estão associados com elevações e diminuições na temperatura global. Resta saber se o aumento desses gases ocasionou as mudanças nas temperaturas de nosso planeta ou se foi o inverso. A resposta a esse questionamento é a chave para compreendermos se nossa poluição está afetando o clima do planeta.

Embora a ciência ainda não tenha chegado a conclusões definitivas a respeito desse tema, o consenso é cada vez mais aceito. Em seu quarto relatório sobre mudanças climáticas, por exemplo, o IPCC foi taxativo ao afirmar que o aquecimento global é inequivocamente motivado pelo aumento da concentração dos gases-estufa na atmosfera devido à ação humana.

O gráfico mostra as variações na temperatura média da superfície e dos oceanos do planeta desde 1860 (o 0 equivale à temperatura média do período entre 1961-1990). Os dados indicam que houve um aumento expressivo desde a Revolução Industrial, no século 19 (adaptado do gráfico de Robert A. Rohde / Global Warming Art, construído com dados da Universidade de East Anglia e do Hadley Centre).

De fato, não há como se negar que o processo desenvolvimentista tem elevado os níveis de gás carbônico de forma nunca antes registrada. Medições que permitem inferir a composição da atmosfera terrestre primitiva indicam que, nos últimos 20 milhões de anos, os níveis de CO 2 não ultrapassaram cerca de 290-300 partes por milhão (ppm).

Contudo, estimativas indicam que, nos últimos 150 anos, as emissões de indústrias, automóveis e causada pela destruição de florestas elevaram as concentrações desse gás para cerca de 370 ppm. Além disso, tem sido verificado um crescimento exponencial dos níveis de CO 2 atmosférico após a Segunda Grande Guerra (1939-1945).

Além disso, deve ser considerado que o sistema ambiental-climático de nosso planeta não é simples e tampouco apresenta um comportamento linear e facilmente previsível. Alterações em suas propriedades podem fazer com que limites críticos sejam atingidos, levando à ocorrência de situações catastróficas para o planeta. Mas quais seriam os limites a serem respeitados para que não inviabilizemos a vida em nosso planeta?

Modelos matemáticos
Indícios de aumentos na temperatura média terrestre e nos níveis dos mares e do derretimento das calotas polares coletados durante mais de um século são a principal prova dos efeitos nocivos do aquecimento global. Esses dados são utilizados para alimentar modelos matemáticos sólidos em que podem ser modificados os níveis de emissão dos gases-estufa e as causas de variações naturais na temperatura terrestre. Os cenários futuros assim simulados têm feito com que a maioria da comunidade científica considere que a emissão dos gases-estufa pode ter conseqüências extremamente danosas para o nosso planeta.

Segundo o IPCC, devemos limitar as emissões de gases estufa em, no máximo, 550 ppm, algo que representará um acréscimo de 1,2ºC na temperatura média do planeta. O panorama não é animador e, mesmo que parássemos agora de lançar gases estufa acima dos níveis que podem administrados pelo nosso planeta, ainda assim verificaríamos aumentos de temperatura por cerca de mil anos, alcançando no próximo século um acréscimo em torno de 0,5ºC na temperatura do planeta.

O mapa (clique para ampliá-lo) mostra as regiões mais vulneráveis ao aumento do nível dos mares (arte: Global Warming Art).

A longa meia-vida desses gases e a nossa incapacidade tecnológica de removê-los a um custo aceitável tornam o acréscimo na temperatura média global algo praticamente certo. Uma conseqüência direta desse acréscimo de temperatura seria um aumento nos níveis dos mares da ordem de 8-9 cm. Atualmente, estudos indicam que ocorre um aumento anual nos níveis dos oceanos de cerca de 2 mm. Acredita-se que metade desse valor seja devido ao derretimento das calotas polares em conseqüência do aquecimento global.

Contudo, esse cenário pode tornar-se pior devido à instabilidade da cobertura de gelo dos glaciares que, a partir de certa temperatura, pode se fundir completamente. Calcula-se que, se o do gelo da Groenlândia e da porção ocidental da Antártica se derretesse totalmente, a elevação nos níveis dos mares seria da ordem de 7 metros. Seria um triste adeus para as milhares de praias brasileiras, para uma enorme extensão da floresta amazônica e para toda a região litorânea de nosso planeta, afetando talvez 40% da população mundial.

Não se sabe ao certo ainda o que esse valor pode representar para as formas vivas de nosso planeta. Contudo, animais mais sensíveis, como corais e anfíbios, podem ser pesadamente penalizados e acabariam por se extinguir, levando à desestabilização de ecossistemas inteiros, com conseqüências imprevisíveis.

Quanto ao papel de nosso país nesse processo, é interessante notar a mudança recente de postura do governo em relação ao aquecimento global: até há pouco tempo, o Brasil insistia em anunciar que nossa matriz energética era limpa e que, por isso, não tínhamos grande contribuição para o aquecimento global. Eles se esqueciam de dizer, porém, que cerca de 75% de nossa contribuição para a emissão de gases-estufa estava relacionada com a derrubada e conseqüente queimada de nossas florestas.

Posteriormente, o governo mudou de atitude – segundo ele mesmo fez questão de mostrar mundo afora – e passou a tomar atitudes para diminuir a escalada do desmatamento. Pena que aqueles cientistas “estraga-prazeres” do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), ao revelar recentemente que os índices de derrubada da Amazônia voltaram a crescer nos últimos meses após três anos de queda, mostraram que as tais medidas eram apenas algo que se desfez no ar…

Jerry Carvalho Borges
Colunista da CH On-line 
19/02/2008

SUGESTÕES PARA LEITURA
Keller, C.F. (2007). Global warming 2007. An update to global warming: the balance of evidence and its policy implications. Scientific World Journal 7, 381-399.
Mc Michael, A.J. et al. (2006). Climate change and human health: present and future risks. Lancet 367, 859-869.
Miller, L. e Douglas, B.C. (2006). On the rate and causes of twentieth century sea-level rise. Philos. Transact. A Math. Phys. Eng Sci. 364, 805-820.
Williams, P.D. (2005). Modelling climate change: the role of unresolved processes. Philos. Transact. A Math. Phys. Eng Sci. 363, 2931-2946.
Hughes, T.P. et al. (2003). Climate change, human impacts, and the resilience of coral reefs. Science 301, 929-933.
Retallack, G.J. (2002). Carbon dioxide and climate over the past 300 Myr. Philos. Transact. A Math. Phys. Eng Sci. 360, 659-673.
Walther, G.R. et al. (2002). Ecological responses to recent climate change. Nature 416, 389-395.