Peirópolis – A terra dos dinossauros

Nenhum outro lugar no Brasil forneceu mais restos de dinossauros do que Peirópolis, distrito localizado a 20 km de Uberaba, no Triângulo Mineiro. Essa região se destaca não só pela quantidade, mas sobretudo pela qualidade dos fósseis ali encontrados. Invariavelmente, os exemplares possuem uma coloração esbranquiçada e estão preservados com pouca ou nenhuma distorção, ao contrário dos restos encontrados em outras localidades.

Os dinossauros de Peirópolis são conhecidos há bastante tempo. O primeiro a realizar escavações nessa região foi o gaúcho Llewellyn Ivor Price (1905-1980). Ele foi um dos principais paleontólogos brasileiros, tendo trabalhado em quase todas as áreas fossilíferas do país.

Informado de que ossos grandes haviam sido encontrados durante a extração de calcário naquela região, Price começou a trabalhar em Peirópolis em 1947. Realizou uma escavação sistemática em sete ocasiões em um ponto chamado de Caieira, entre os anos 1949 e 1961. Como resultado, ele recuperou centenas de ossos, sobretudo de dinossauros do grupo dos titanossauros, que tinham pescoço e cauda compridos, corpo de grande volume e cabeça pequena. Infelizmente nunca foram encontrados restos cranianos desses dinossauros nos arredores de Peirópolis – mas quem sabe um dia seremos surpreendidos com essa boa notícia? Price terminou de trabalhar na região em 1969, tendo sido sucedido pelo geólogo Diogenes de Almeida Campos, do Museu de Ciências da Terra, ligado ao Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM).

Mas não só titanossauros foram encontrados em Peirópolis. Restos de moluscos (bivalves), tartarugas, peixes, crocodilomorfos, um sapo e um lagarto também fazem parte da biodiversidade que existia naquela região há 80 milhões de anos. Ovos também foram encontrados, tanto de titanossauros como de dinossauros terópodes – estes últimos durante a escavação de um poço no quintal da casa de Langerton Neves da Cunha, um grande colaborador de Price e Diogenes.

Até 1986, todos os exemplares coletados na região foram depositados no DNPM, no Rio de Janeiro. Certo dia, Diogenes recebeu a visita de Beethoven Luís Resende Teixeira, que representava a Fundação Cultural de Uberaba. Segundo relato de Diogenes, Beethoven veio com o seu cachimbo em uma mão, sua bolsa de couro na outra e uma idéia na cabeça: construir um museu que abrigaria os fósseis coletados em Peirópolis a partir daquela data. Trabalhando em conjunto com o DNPM, a Prefeitura Municipal de Uberaba ofereceu as condições para manter os fósseis na região com a criação do Centro de Pesquisas Paleontológicas Llewellyn Ivor Price (CPPLIP) – uma justa homenagem a quem colocou a região no mapa da paleontologia. O prédio é uma antiga estação ferroviária e, desde então, existe uma escavação contínua na região.

Lembro-me da primeira vez que trabalhei em Peirópolis, em setembro de 1993. Quem me acompanhou nos trabalhos e desde o início se revelou um verdadeiro colega foi o professor Donizetti Fontes Calçado. Em seu fusquinha vermelho, Fontes fazia o trajeto das escavações para o CPPLIP, onde eu pernoitava. Naquela ocasião, pude introduzir aos profissionais do Museu a técnica de peneiramento (ou wet sieving ), que possibilita a recuperação de ossos e dentes bem pequenos, que normalmente passam despercebidos durante as atividades regulares da extração de fósseis.

Graças a essa técnica, foi recuperada mais de uma centena de exemplares, entre dentes de dinossauros e peixes, estes últimos com um tamanho de aproximadamente 2 mm. A técnica é bastante propícia para encontrar dentes de mamíferos, que eram raros durante o Cretáceo. Infelizmente, até hoje, não identificamos nem sombra deles em Peirópolis, apesar de muito esforço…

Muita coisa mudou desde aquele tempo. Dezenas de novos exemplares foram coletados – o maior destaque é o Uberabasuchus terrificus , um dos crocodilomorfos mais completos encontrados em rochas do Cretáceo Superior do Brasil. O fóssil do Uberabasuchus ocupa uma posição central do Museu, próximo a uma reconstrução em vida do animal. Também foi realizada, em uma das paredes da instituição, a reconstrução de um dinossauro titanossaurídeo, feito com partes de diversos indivíduos. Apesar de alguns erros de natureza científica (como a inversão na posição de vértebras caudais, por exemplo), o resultado é bem atraente a ajuda ao visitante a ter uma idéia da anatomia de um dinossauro.

Ao lado dos fósseis, o que mais fascina no museu do CPPLIP é qualidade da sua exposição. Com a direção de Luiz Carlos Borges Ribeiro, essa instituição conseguiu organizar uma mostra que dá inveja a muitos museus grandes do nosso país!

Hoje, está em processo de construção um novo prédio próximo ao CPPLIP. Esse local poderá contribuir ainda mais para a divulgação da paleontologia no Brasil – não como um centro de coordenação do estudo dos fósseis em âmbito nacional, como chegou a se pensar, mas como um espaço lúdico, onde crianças e adultos poderão aprender mais sobre os segredos e encantos da biodiversidade do passado, em exposições temporárias e atividades direcionadas.

Espero que também seja incluída uma atividade de campo, onde visitantes poderiam participar por algumas horas (ou até dias, quem sabe) de uma escavação e vivenciar a prática de um paleontólogo. Oportunidades como essa são muito comuns nos Estados Unidos e ajudam, inclusive, a patrocinar parte dos trabalhos. Tudo isto seria uma complementação da importante atividade já desempenhada pelo CPPLIP. Por tudo isso, quem estiver de passagem pelo Triângulo Mineiro não deve deixar de visitar a região de Peirópolis.  

Alexander Kellner
Museu Nacional / UFRJ
Academia Brasileira de Ciências
06/01/2006

Paleocurtas 

As últimas do mundo da paleontologia
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O CNPq, através do Proantar, acaba de aprovar um projeto para a coleta de dinossauros e outros fósseis na Antártica, sob coordenação de pesquisadores do Museu Nacional/UFRJ. Esse projeto – o primeiro realizado por cientistas brasileiros com o objetivo principal de encontrar vertebrados fósseis naquela região – envolve paleobotânicos e geólogos, além de paleontólogos argentinos. As atividades serão realizadas no início de 2007 na região oriental da Antártica e possui um grande potencial para uma melhor compreensão da diversidade da vida que existia nessa região inóspita do nosso planeta.

Pesquisadores da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), no Rio Grande do Sul, organizam o 5° Simpósio Brasileiro de Paleontologia de Vertebrados, que acontece de 2 a 4 de agosto de 2006. As sessões técnicas envolvem diversos aspectos dos vertebrados fósseis brasileiros, como destaque para a fauna que existia na região há 215-225 milhões de anos, no Triássico. Durante o evento, será lançado um livro sobre a fauna da região. Mais informações podem ser obtidas por e-mail nos endereços [email protected] e [email protected] .

Pesquisadores americanos confirmaram a suspeita de que houve um grande aumento da diversidade de animais durante o Cambriano. Para chegar a essa conclusão, eles analisaram a relação de parentesco entre metazoários e um grupo de fungos surgidos ao mesmo tempo, através de dados obtidos por de seqüenciamento genético.  Enquanto a relação de parentesco entre os fungos estudados pode ser estabelecida de forma razoável, não havia muita resolução no caso dos metazoários. Segundo os pesquisadores, isso pode ser explicado com o surgimento um grande número de espécies em um tempo relativamente curto, o que reforça a idéia de que houve uma explosão da vida animal durante o Cambriano. A pesquisa foi publicada na Science . Pesquisadores acabam de recuperar DNA de ossos de mamute ( Mammuthus primigenius ) da Sibéria, empregando novas técnicas. Amostras de oito exemplares foram retiradas a partir dos melhores espécimes que se encontram no Museu do Mamute, situado na cidade russa de Khatanga. O mais bem preservado foi datado a partir do método de carbono-14 como tendo 27.740 (+/- 220) anos. O resultado do estudo, publicado no site da revista Science indica uma semelhança entre o DNA dessa espécie de mamute com o elefante africano e abre a perspectiva de análise de DNA de outros animais, podendo contribuir para um melhor entendimento da reação das populações de mamíferos as mudanças ambientais ocorridas durante o Quaternário.

Um estudo publicado na Nature traz novidades sobre o Panderichthys – animal situado na linha evolutiva dos tetrápodes, que têm os membros anteriores e posteriores bem individualizados. Segundo a pesquisa, o Panderichthys tinha as nadadeiras anteriores bem mais desenvolvidas do que as posteriores, o que sugere que ele poderia se locomover com a impulsão dos membros anteriores. Essa forma de locomoção diverge da usada pelos primeiros tetrápodes, como o Acanthostega , no qual a propulsão dos membros posteriores era mais pronunciada. Assim, em algum momento após o surgimento do Panderichthys e antes de aparecer o Acanthostega deve ter havido uma mudança na locomoção dos primeiros tetrápodes, o que sugere que houve uma maior complexidade nos passos evolutivos que possibilitaram a conquista da terra firme.

Um estudo relata a ocorrência de vertebrados que viviam em El Salvador do início ao meio do Pleistoceno. A pesquisa, publicado na Revista Brasileira de Paleontologia , registra a ocorrência de 17 espécies, algumas nunca antes registradas na América Central, incluindo mamíferos como o Palaeolama . A localidade, situada às margens do rio Tomayate, ao norte de cidade de San Salvador, já pode ser considerada a mais rica da América Central para fósseis daquela idade e contribuirá para uma melhor compreensão das mudanças faunísticas entre as América do Norte e a do Sul ocorrida durante o Pleistoceno. Leia mais sobre o paleontólogo Alexander Kellner
e a proposta da coluna “Caçadores de Fósseis”.