Perguntas para fazer a um historiador

Está aberta a temporada de processos seletivos para cursos de mestrado e doutorado em história de todo o país. Todo ano é assim: vai chegando o fim do ano e os candidatos a uma vaga nos programas de pós-graduação do país ficam obcecados em saber o que precisam fazer para passar na seleção, principalmente dos mestrados.

E com razão: basta uma leitura nos editais para saber que os programas têm exigências muito diferentes, que vão da complexidade dos projetos de pesquisa (serão projetos? pré-projetos? anteprojetos?) às leituras consideradas obrigatórias para a realização da prova escrita.

Claro que ninguém esperaria homogeneidade em um campo com mais de 60 cursos de mestrado, e é bom que seja assim. Mas tanta variedade pode indicar também que nós, professores dos programas de pós-graduação, talvez não tenhamos muita clareza sobre o que exigimos dos nossos candidatos.

Os futuros alunos devem já ter experiência de pesquisa? Devem saber de antemão qual será a questão que pretendem investigar? O que é mais importante, erudição ou prática de investigação? Um candidato que nunca foi bolsista de iniciação científica porque já dava aulas em cursinho desde os tempos da graduação tem chances concretas de ser aprovado? Um profissional da área de história que, depois de anos e anos trabalhando no mercado – em museus ou centros culturais, por exemplo –, tem lugar em nossos programas?

Um dos problemas mais espinhosos relativos à entrada nos mestrados talvez seja o fato de também precisarmos refletir sobre a saída

O que me leva a pensar que – discussão antiga, esta – um dos problemas mais espinhosos relativos à entrada nos mestrados hoje em dia seja o fato de também precisarmos refletir sobre a saída: ou seja, sobre o que consideramos ser uma boa dissertação de mestrado.

Todos sabemos o que é um trabalho excepcional: é aquele tão bom, mas tão bom, que na defesa toda a banca elogia e diz que ele deveria ser mesmo uma tese de doutorado. Mas, excluindo esses casos, o que é uma boa dissertação de mestrado? Ela deve apresentar pesquisa original? Análise de fontes? Ou, como fazem os norte-americanos, o mestrado deve se concentrar na aquisição de erudição e domínio das discussões historiográficas de um determinado campo da história, para que a pesquisa original seja desenvolvida no doutorado?

Qual o objetivo?

Se me perguntassem o que eu diria a alguém que pretende se candidatar a uma vaga em um curso de mestrado em história, eu responderia a pergunta com várias outras: quais são os seus objetivos? Você pretende seguir carreira acadêmica? A pós-graduação em história é importante para a sua carreira? Ou você ainda está em dúvida sobre o caminho a seguir?

Caso já tenha definido a área ou o tipo de pós-graduação que deseja fazer, é bom esquadrinhar o site da Capes. Lá, irá encontrar informações sobre os tipos de pós-graduação existentes e sobre as instituições que oferecem os cursos, suas características, linhas de pesquisa e corpo docente.

Vale a pena também entrar no excelente site Domínio Público e ler algumas dissertações na área de história defendidas nos programas aos quais pretende se candidatar, para saber o que esperam de você.

Dissertações
Após definir seu objetivo, o candidato precisa se preparar para a seleção. É aconselhável que leia algumas dissertações na área de história defendidas nos programas aos quais pretende se candidatar. (foto: Ann-Kathrin Rehse/ Sxc.hu)

Ao escrever essas palavras, fiquei pensando se esta é mesmo a minha opinião sobre o assunto. Por um lado, é: duvido que alguém seja aprovado em um concurso disputado sem ter clareza sobre seus objetivos ao concorrer. Mas, por outro lado, há tanto antes para refletir.

Como escreveu Marc Bloch – na dúvida, sempre vale buscar refúgio no Apologia da História –, dentre todas as ciências que poderíamos considerar interessantes, apenas àquela para a qual se tem vocação seria divertida. E, para ele, a história sempre foi, sobretudo, divertida.

Ou então, como disse Alain Corbin em entrevista publicada na Revista Brasileira de História, “é preciso que a história seja um prazer. Ouve-se dizer: ‘Ah! Não gosto de história!’. Não se deve fazer história se não for com um grande prazer”. 

Dá prazer?

Para você que quer seguir carreira na área de história, eu responderia, com Bloch e Corbin, que antes de estudar para a prova ou de elaborar seu projeto, você deve se perguntar se fazer história lhe dá prazer.

Se encontrar um documento perdido no arquivo lhe emociona, ou se você ganha o dia ao encontrar aquele livro que você tanto procurava e que estava nos fundos daquele sebo que ninguém conhecia.

Se não lhe der prazer, não há projeto de pesquisa bem definido ou discussão historiográfica aprofundada que vá fazer com que você escreva um bom trabalho

Ou se até nas férias você fica pensando o que mesmo deveria ter acontecido há 200 anos naquela cidade que você está visitando. Ou se qualquer artigo de jornal lhe faz entrar em uma interminável discussão sobre política, que sempre acaba com a sua constatação de que é claro que história serve para muita coisa.

Se não lhe der prazer, não há projeto de pesquisa bem definido ou discussão historiográfica aprofundada que vá fazer com que você escreva um bom trabalho. Um trabalho do qual, ao final, você se orgulhe e pense que não seria nada mal se você tivesse tido um tempinho para aprofundar um pouco mais a sua questão.

Fontana di Trevi
Fontana di Trevi, em Roma, na Itália. As viagens são ótimas oportunidades para se testar o prazer pela história. Se, mesmo de férias, você fica pensando sobre o que teria acontecido há 200 anos na cidade que está visitando, é um bom sinal. (foto: Vladimir Fofanov/ Sxc.hu)

Se história é seu desejo, vá em frente. Se não tem tempo, arranje. Procure um programa de pós-graduação, uma linha de pesquisa, um orientador. É sempre bom saber os temas de pesquisa e os interesses acadêmicos de seu orientador. Eles podem vir a definir seus próprios interesses – sempre serei grata à minha orientadora por ter me incluído nos temas de pesquisa que, à época, eram dela.

Mas fundamental mesmo é saber se a história apaixona seu provável futuro orientador tanto quanto você – e nesse ponto também dei sorte.

Não estou sugerindo a ninguém que leve essas sugestões ao pé da letra, mas fiquei pensando se, afinal, não seria importante saber dos nossos professores o que os levaram, eles próprios, a estudar história.

Quem foram seus professores marcantes. Quais são seus filmes preferidos. As músicas. A comida. Os livros de história da sua juventude. Os romances que talvez os tenham feito pensar que, para fazer história, é preciso querer escrever com vontade. As viagens feitas e as que eles gostariam de fazer. E, claro, os livros e artigos que escreveram – se nunca escreveram nada, desconfie.

Quem sabe assim, devaneando um pouco, não seria bom lembrarmos que as linhas que adicionamos todos os dias aos nossos currículos lattes têm origem no prazer que o estudo da história vem nos proporcionando?


Keila Grinberg

Departamento de História 
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro