Pós-graduação ao rés-do-chão

Queria celebrar meu retorno a este espaço, depois de uma licença bem mais longa do que gostaria, com uma boa-nova, que, apesar de boa, já não é mais tão nova assim: o início, em agosto passado, das atividades do ProfHistoria – o mestrado profissional em ensino de história, ministrado em rede nacional e liderado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Mesmo requentada, a comemoração vale a pena. Há dois anos e meio, em uma coluna que deu o que falar, escrevi que, dos 63 cursos de mestrado e doutorado então existentes no Brasil na área de história, havia apenas dois mestrados profissionais, nenhum dos quais dedicado à reflexão sobre o ensino da disciplina.

Hoje a situação é outra – e surpreendente. Existem 69 cursos de mestrado e doutorado, dos quais nove, já incluindo o ProfHistoria, são mestrados profissionais (mais detalhes aqui).

Há dois anos e meio, dos 63 cursos de mestrado e doutorado então existentes no Brasil na área de história, havia apenas dois mestrados profissionais, nenhum dos quais dedicado à reflexão sobre o ensino da disciplina. Hoje a situação é outra

Em uma área na qual não havia mais que algumas linhas de pesquisa em programas de pós-graduação acadêmicos, apenas dois anos depois já haviam sido criados seis cursos voltados especificamente para a produção de conhecimento e formação de profissionais em ensino de história.

Além do ProfHistoria, que congrega 12 universidades no Rio de Janeiro, Tocantins, Rio Grande do Sul e Santa Catarina (outras serão agregadas em breve), hoje as universidades federais de Goiás, do Rio Grande e do Recôncavo da Bahia (UFRB), a Universidade de Caxias do Sul e a Universidade Estadual do Maranhão oferecem cursos específicos para profissionais que querem se especializar na área de ensino de história.

Dos demais cursos criados, um é sobre história ibérica e dois se voltam para os estudos no campo do patrimônio. Se incluirmos o do Iphan, alocado na área interdisciplinar da Capes, são três.

A UFRB, aliás, tem uma proposta de curso bastante original: tendo como área de concentração História da África, da diáspora e dos povos indígenas, pretende formar profissionais especificamente aptos a aplicar a lei 11.546, de 2008, que torna obrigatório o ensino de história da África, da cultura afro-brasileira e da história indígena nas escolas da educação básica. Nada mais adequado para um dos estados com maior proporção de população negra no Brasil. 

Como as crônicas, para Antonio Candido

O que mudou nesse intervalo de tempo? A área de história? O modelo de pós-graduação no país? Os dois. No Brasil, o crescimento dos mestrados profissionais foi tamanho, que a Capes resolveu criar, em 2013, a função de coordenador adjunto de mestrado profissional em todas as áreas de conhecimento. A da nossa área é exercida atualmente pelo professor Marcelo Magalhães, meu colega na Unirio.

No campo da história, os historiadores finalmente vêm despertando para a realidade criada, em parte, pelo próprio crescimento dos cursos de graduação e dos programas de pós-graduação nas duas últimas décadas. Nada contra os estudos estritamente acadêmicos. Nada contra a teoria, as análises historiográficas. Muito pelo contrário.

Sala de aula
Diante da expansão dos cursos de graduação e pós em história no país, historiadores defendem criação de espaços de reflexão e produção de conhecimento específico para a prática profissional dos que estão em sala de aula, museus e centros culturais. (foto: Samory Pereira Santos/ Flickr – CC BY-SA 2.0)

Mas era impossível continuar lançando graduados, mestres e doutores no mercado de trabalho sem criar espaços de reflexão e produção de conhecimentos específicos para as práticas profissionais daqueles que estão na sala de aula, nos museus, nos centros culturais.

Ainda é cedo para avaliar o impacto dos mestrados profissionais na historiografia brasileira. Mas, a julgar pela experiência de cursos consolidados, como o da Fundação Getúlio Vargas, e pelas propostas de trabalho de conclusão de curso recebidas no ProfHistoria, vale arriscar que, longe de serem o primo pobre da pós-graduação acadêmica, os mestrados profissionais poderão se constituir nos novos polos de inovação da produção em história no Brasil.

Que os mestrados profissionais sejam como as crônicas para o professor e crítico Antonio Candido: boas porque mais perto de nós; porque “sua perspectiva não é a dos que escrevem do alto da montanha, mas do simples rés-do-chão”

Se os mestrados profissionais forem gênero menor, que sejam como as crônicas para o professor e crítico Antonio Candido: boas porque mais perto de nós; porque “sua perspectiva não é a dos que escrevem do alto da montanha, mas do simples rés-do-chão”.

“A crônica”, prossegue Antonio Candido, “está sempre ajudando a estabelecer ou restabelecer a dimensão das coisas e das pessoas. Em lugar de oferecer um cenário excelso, numa revoada de adjetivos e períodos candentes, pega o miúdo e mostra nele uma grandeza, uma beleza ou uma singularidade insuspeitadas.”

Em tempo: no dia 11 de dezembro, para comemorar 10 anos de dedicação à reflexão sobre ensino de história, o grupo de pesquisa Oficinas da História irá realizar, na Unirio, o seminário ‘Ensino de história: usos do passado, memória e mídia’. Para quem mora longe, ele será transmitido ao vivo pelo Hangout do Google. O link estará disponível na página oficial do ProfHistoria no Facebook às 9:45h.
 
Keila Grinberg
Departamento de História
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro