Há exatos cinco anos, publiquei aqui um texto intitulado ‘Uma coluna otimista (finalmente)’. Desde então, estive à espreita de dados, notícias, relatórios, sugestões, indícios, traços ou até mesmo fofocas que pudessem motivar ‘Uma segunda coluna otimista (finalmente)’, mas não vai ser desta vez. A elaboração dessa hipotética coluna está mais atrasada que os estádios da Copa e, a julgar pelo acúmulo de más notícias no front ambiental nacional e global, não será concluída até as Olimpíadas. Pelo menos poderei abandonar o projeto sem prejuízo para ninguém.
A revista Nature publicou ontem um estudo da NOAA, agência americana de estudos sobre oceanos e atmosfera, que mostra que os ciclones tropicais estão atingindo sua intensidade máxima cada vez mais longe dos trópicos. A migração dos ciclones nos últimos 30 anos teria sido de 53 km por década na direção norte e 62 km por década na direção sul.
Isso significa que áreas que até aqui estavam pouco ou nada expostas a ciclones passarão a está-lo. Em compensação, as áreas tropicais que dependem das precipitações abundantes associadas aos ciclones sofrerão mais secas. Em ambos os casos, há prejuízos à vista, e a prazo.
Essa migração tropical é mais intensa nos oceanos Pacífico e Índico, e não teria sido observada no Atlântico. Que bom! Então aqueles ciclones que lambem Santa Catarina desde 2004 foram só fatos isolados.
Mas o fenômeno vem sendo registrado em diversos estudos desde os anos 1980. Segundo os cientistas, essa expansão dos trópicos pode ser explicada pelo aumento das emissões de gases de efeito estufa, dos picos de ozônio e da poluição atmosférica.
Recordes negativos
Por falar em gases de efeito estufa, comemoramos neste mês um ano de ultrapassagem do limite simbólico de 400 partes por milhão (ppm) de CO2 no ar, ocorrida em maio de 2013. É simbólico em termos, já que, segundo os cientistas da área, esse nível de CO2 poderia perturbar os ciclos naturais de forma irreversível e deixar a humanidade pendurada na brocha. Não se empolgue, não haverá lugar na brocha para todo mundo.
Mas nem acabamos ainda com os brigadeiros da festa e o danadinho do aniversariante já bate outro recorde: um mês inteiro acima de 400 ppm, em abril de 2014, na mesma estação da NOAA em Mauna Loa (Havaí) que havia registrado a ultrapassagem dos 400 ppms em 2013.
Se você não tem medo de altura, recomendo assistir à animação preparada por um dos institutos da NOAA sobre a evolução da concentração de CO2 na atmosfera. O vídeo mostra que não há precedente de concentrações tão altas nos últimos 800 mil anos.
Veja abaixo o vídeo do NOAA
Já sabemos que mais CO2 gera mais aquecimento, que gera mais derretimento de geleiras. As que estão sobre os continentes preocupam mais que as outras. Ao contrário das geleiras flutuantes, que têm apenas uns 10% de seu volume acima da linha d’água, as geleiras continentais, ao derreterem, verterão no mar todo seu volume de preciosa e limpa água doce. Ali, essa água não matará mais a sede de ninguém, nem regulará mais o ciclo hidrológico e a economia.
Que chato, porque dois estudos divulgados em 12 de maio trazem más notícias sobre as geleiras do oeste da Antártica, que contêm água suficiente para fazer o nível do mar subir em pelo menos um metro.
O primeiro, no prelo na Geophysical Research Letters, analisou 40 anos de observações e conclui que o recuo das maiores geleiras do mar de Amudsen atingiu um ponto de não retorno. O derretimento atual dessas geleiras já contribui significativamente para a subida do nível do mar, pois seu aporte anual de água para o oceano é equivalente ao de toda a Groenlândia. Como sempre, nesse caso, também a evolução do derretimento foi mais rápida do que o previsto pelos cientistas.
Eric Rignot, glaciologista da Universidade da Califórnia em Irvine e da Nasa e principal autor desse estudo, estima que o derretimento observado pode desestabilizar outras placas de gelo da região, o que poderia elevar o nível do mar em até 3 metros nos próximos séculos.
O segundo estudo, publicado na Science, teve como foco a geleira Thwaites, a maior da região Antártica. Por meio de mapas topográficos de grande detalhamento e de métodos computacionais sofisticados, os autores mostram que a desintegração desse monstro de mais de 100 km de comprimento e dezenas de km de largura já começou e estimam que ele desaparecerá por completo daqui a 200 a 500 anos. Essa geleira, sozinha (quem dera…), tem água suficiente para elevar o nível do mar em 60 cm.
Ventos terríveis
Confesso que tenho muito medo dessas previsões terríveis. Elas acabam sempre errando por excesso de otimismo. Mas, ai de mim… A revista Nature Climate Change publicou nesta semana (e que semana!) um estudo da Universidade Nacional da Austrália que revela que os atuais ventos do oceano Austral – de novo, da Antártica – nunca foram tão fortes nos últimos 1.000 anos.
Esses ventos quase míticos enlouqueceram gerações e mais gerações de marinheiros durões. Nerilie Abram, uma das autoras do estudo, diz que a força desses ventos sofreu aceleração mais intensa nos últimos 70 anos e que, cruzando os dados do estudo com aqueles de modelos climáticos, é possível associar claramente o fenômeno ao aumento da concentração de gases de efeito estufa.
Deve ser duro ser um pinguim em um cenário desses, já difícil por natureza e que está cada vez mais difícil por ação humana. O mais duro para essas aves, que já estão pagando o pato pelas mudanças climáticas, seria saber que uma busca por pinguins-de-adélia (ave que habita a Antártica) no Google traz 21.800 resultados. Uma busca por mortalidade de pinguins-de-adélia, apenas 3 mil.
Na primeira busca, predominam links sobre a perversidade sexual desses pinguins, que seriam bissexuais, pedófilos e necrófilos, segundo o relato escandalizado de um naturalista britânico e vitoriano do início do século 20, George Murray Levick, desenterrado (o relato) quando surgiram evidências de que os bebês pinguins, tão fofinhos, estão morrendo de fome e de outras causas ligadas a mudanças climáticas.
Pode ser só uma coincidência, mas, de qualquer forma, que bom para os pinguins que eles não navegam na internet. Evitam o assédio moral, as piadas de gosto duvidoso e o acesso a informações que os deixariam em constante ansiedade e paranoia.
Aê, pinguim, tá me olhando assim por quê?
Jean Remy Davée Guimarães
Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho
Universidade Federal do Rio de Janeiro