Primeiro terópode jurássico herbívoro

De forma supersimplificada, os dinossauros, que eram répteis terrestres, tinham dois hábitos alimentares bem distintos: ou se alimentavam de plantas ou então de outras presas, incluindo também répteis menores, até mesmo outros dinossauros.

Os herbívoros eram os predominantes, algo já esperado, uma vez que hoje em dia também as espécies herbívoras dominam os ambientes terrestres. Já os carnívoros eram menos diversificados e todos classificados em um grupo denominado Theropoda. E os terópodes, como o Tyrannosaurus rex e o Santanaraptor, passaram a ser vistos por todos como sinônimo de predadores.

Terópodes, como o Tyrannosaurus rex e o Santanaraptor, passaram a ser vistos por todos como sinônimo de predadores

No entanto, já há algum tempo ficou claro para os cientistas que alguns desses terópodes não tinham outros animais em seu cardápio, mas sim plantas. Essas espécies provêm de depósitos do Cretáceo, particularmente do Cretáceo Superior (entre 90 e 70 milhões de anos atrás), o que sugere que a herbivoria desenvolvida por algumas formas era uma especialização que teria ocorrido bem tarde na evolução dos terópodes.

Mas agora Fernando Novas (Museo Argentino de Ciencias Naturales B. Rivadavia, Buenos Aires) e colegas acabam de publicar na Nature a descrição do primeiro dinossauro terópode herbívoro do Jurássico (entre 200 milhões e 145 milhões de anos atrás), mostrando que a história evolutiva dos hábitos alimentares dos dinossauros é bem mais complexa do que se supunha até então.

A descoberta

O nome do novo terópode herbívoro é Chilesaurus diegosuarezi. Trata-se de uma referência ao país de onde procede esse dinossauro e uma homenagem a Diego Suarezi, que, aos 7 anos de idade, encontrou os primeiros ossos do animal na região de Aysén, sul do Chile. Essa área, onde afloram as rochas da Formação Toqui, de idade jurássica, já era conhecida dos pesquisadores pelos restos de dinossauros e alguns ossos de crocodilomorfos.

Esqueleto de Chilesaurus diegosuarez
A descoberta e preparação de um esqueleto mais completo de ‘Chilesaurus diegosuarez’ permitiu aos pesquisadores fazer a descrição da nova espécie. (imagem: Novas et al/ Nature)

Ao todo foram contabilizados pelos cientistas restos de pelo menos cinco indivíduos de C. diegosuarezi, que representam animais jovens e adultos, cujo tamanho varia de 1,2 a mais de 3 metros. Alguns desses ossos já haviam sido estudados anteriormente, mas, como eram muito incompletos, não apresentavam características suficientes para servir de base para o estabelecimento de uma nova espécie ou para reconhecer a natureza desse animal. Apenas após a descoberta e preparação de um esqueleto mais completo os cientistas obtiveram mais elementos para uma descrição detalhada. E que surpresa eles tiveram…

O mais interessante do esqueleto completo é a parte anterior da cabeça, mais especificamente as arcadas superior e inferior, que são relativamente curtas, mas profundas. Também há o indício da presença de um bico córneo, que é chamado de ranfoteca.

Os dentes, muitos preservados ainda dentro dos alvéolos, são largos e em forma de folha e não possuem as serrilhas típicas dos dinossauros terópodes. Tal fato não deixava dúvidas: aquele material pertencia a um animal que se alimentava de plantas.

Dentes de Chilesaurus diegosuarez
Os dentes de ‘Chilesaurus diegosuarez’ são largos e em forma de folha e não possuem as serrilhas típicas dos dinossauros terópodes, o que indica que o animal se alimentava de plantas. (imagem: Novas et al/ Nature)

Por outro lado, as demais partes do esqueleto apresentavam diversas feições que deixavam claro que aqueles ossos pertenciam a um dinossauro terópode. Essas feições estavam na bacia, pernas e patas. Apesar dessa combinação estranha, Fernando Novas e seus colegas concluíram em sua pesquisa que estavam diante de um terópode herbívoro do Jurássico, o mais antigo com essa adaptação alimentar. Uma descoberta e tanto!

Consequências evolutivas para os dinossauros

Mesmo não tendo sido o primeiro terópode herbívoro a ser descrito, o fato de Chilesaurus ter sido encontrado em depósitos do Jurássico põe por terra a hipótese de que esse grupo de dinossauros desenvolveu a habilidade de se alimentar de plantas apenas nos estágios finais de sua história evolutiva, como se acreditava até então.

Além disso, Chilesaurus representa uma forma muito basal e não diretamente ligada aos demais terópodes herbívoros. Tal fato demonstra que a história evolutiva do hábito alimentar dos dinossauros e dos terópodes em particular é bem mais rica e diversificada do que se supunha. Existe, inclusive, a possibilidade de Chilesaurus representar todo um grupo novo de dinossauros herbívoros originados no Jurássico e que talvez tenha se diversificado antes dos seus parentes que se alimentavam de folhas e surgiram apenas no Cretáceo. Nada que Horácio (personagem criado pelo cartunista Mauricio de Sousa e que representa justamente um terópode carnívoro, mas que insiste em ter uma dieta vegetariana) já não deva saber!

Alexander Kellner
Museu Nacional/UFRJ
Academia Brasileira de Ciências

Paleocurtas

As últimas do mundo da paleontologia
(clique nos links sublinhados para mais detalhes)

Novas aranhas fósseis de depósitos jurássicos e cretáceos da China acabam de ser descritas por Paulo Selden (Natural History Museum, Londres) e colegas. O estudo, publicado no Journal of Systematic Palaeontology, destaca que as novas espécies viveram em áreas de floresta existentes na China durante a era Mesozoica e sugere que a confecção da teia orbicular, tão característica das aranhas atuais, surgiu há mais tempo do que se supunha.

Jacob Musser (West Haven, Connecticut, Estados Unidos) e colegas fizeram um estudo embrionário e genético tentando estabelecer a relação entre as penas das aves e as escamas de crocodilomorfos. Os autores chegaram à conclusão de que as estruturas que recobrem, respectivamente, o corpo das aves e o dos jacarés derivam de uma mesma condição ancestral. Portanto, são estruturas homólogas que se diferenciaram ao longo do tempo geológico. A pesquisa é destaque da revista Evolution & Development.

Um estudo que sintetizou 2.274 trabalhos envolvendo mais de 50 mil espécies (extintas e recentes) para compreender seus padrões de diversificação acaba de ser publicado na Molecular Biology and Evolution. Blair Hedges (Temple University, Philadelphia, Estados Unidos) estabeleceu que a diversificação dos organismos eucariontes é basicamente constante ao longo do tempo, contradizendo estudos anteriores, que registravam um declínio em diversos grupos.

Existe uma hipótese de que as cristas encontradas na cabeça dos dinossauros se alteravam em função do sexo do animal. Entre os animais com essa característica, destaca-se a espécie herbívora Protoceratops andrewsi, encontrada na Mongólia. No entanto, Leonardo Maiorino (Università Roma Tre, Itália) e colegas chegaram à conclusão, em estudo publicado na Plos One, que as diferenças observadas nas cristas desses animais devem-se a variações associadas ao estágio da vida do indivíduo e não a dimorfismo sexual.

Em artigo que acaba de ser publicado na Historical Biology, Warren Allmon (Cornell University, Nova Iorque) faz uma profunda análise de como o naturalista Charles Darwin interpretava o registro fossilífero. Apesar de sempre ser associado a alguém que via o registro fóssil como muito incompleto, Darwin dedicou boa parte do seu tempo a procurar entender o que os organismos do passado representavam em questões evolutivas, o que influenciou suas ideias sobre a origem e diversificação das espécies.

Encontra-se em plena organização um simpósio sobre paleoecologia, que vai acontecer entre 10 e 12 de setembro no Cleveland Museum of Natural History (Estados Unidos). O evento tem por objetivo reunir os principais pesquisadores que trabalham com problemas ligados à relação dos organismos entre si e com os seus ambientes, para estabelecer abordagens mais precisas, incluindo novas ferramentas que possam auxiliar na solução de questões paleoecológicas. Mais informações no site do evento.