Vi na minha adolescência, nos anos 1960, meninos e meninas usarem bronzeadores à base de cenoura, urucum e coco. Todos que ficaram moreninhos e moreninhas só bem mais tarde vieram a saber dos riscos que corriam durante aquelas intermináveis horas de banho de sol. Em muitos, esses riscos se transformaram em realidade sob a impiedosa forma de câncer. Os protetores, ou filtros solares, só apareceram por aqui nos anos 1980.
Na época dos bronzeadores, eu usava cera de carnaúba para polir meu time de futebol de mesa. Passava a cera numa flanela e a esfregava sobre o botão. Além de brilhoso, o botão deslizava que era uma beleza. Agora, depois de quase meio século, vejo que nessa era da nanotecnologia a cera de carnaúba entra no jogo da proteção solar.
Não cabe aqui uma retrospectiva desde o óleo de urucum aos modernos filtros solares. Vamos direto ao ponto. Filtros solares com cera de carnaúba foram inventados agora, nos anos 2000, depois de mais de uma década de estudos com os denominados filtros inorgânicos.
Para bem apreciar o que virá a seguir, convém distinguir filtros orgânicos (aqueles produzidos nos anos 1980) e inorgânicos. Os primeiros absorvem radiação ultravioleta para a realização de reações químicas, sendo por isso também conhecidos como filtros químicos. Já os filtros inorgânicos refletem ou espalham a radiação ultravioleta, embora em muitos casos também ocorra absorção.
Como reflexão e espalhamento de radiação são fenômenos físicos, os filtros inorgânicos são também conhecidos como filtros físicos. Eles foram descobertos por acaso, em meados dos anos 1990, quando o óxido de titânio (TiO2) foi utilizado como dosímetro para radiações ionizantes do tipo ultravioleta e radiação gama.
Logo se percebeu que ele podia ser usado como protetor solar. O mesmo mecanismo que fazia dele um bom dosímetro, também o tornava eficiente no espalhamento das radiações UVA (ultravioleta tipo A) e UVB (ultravioleta tipo B). O curioso é que esse efeito protetor já tinha sido reconhecido no início dos anos 1950, mas a indústria não estava preparada para a inovação.
Efeitos de radiação diferentes
Quem estuda física costuma estranhar o estabelecimento dessas duas categorias de radiação ultravioleta. Aparentemente não faz sentido separar a radiação ultravioleta em tipo A e B. Para os físicos, a radiação ultravioleta é simplesmente aquela que, no espectro eletromagnético, fica entre a radiação visível e os raios X.
No entanto, pesquisas médicas mostraram que esses dois tipos de radiação são diferentes. A radiação tipo A, com comprimento de onda entre 320 e 400 nanômetros, além do bronzeado, produz câncer de pele, ao passo que a radiação tipo B (290 a 320 nanômetros) pode ser absorvida pelo DNA, sendo responsável pelo surgimento de tumores letais em outras partes do corpo.
Como acontece em todo o espectro eletromagnético, as radiações interagem de diferentes modos com diferentes materiais. Portanto, é natural que alguns materiais absorvam mais ou menos radiação UVA do que UVB. Para certos materiais, sabe-se que o tamanho das suas partículas também altera a forma como eles interagem com as radiações.
Por exemplo, já foi comprovado que o óxido TiO2 espalha radiação ultravioleta mais eficientemente quando os tamanhos das suas partículas encontram-se entre 60 e 120 nanômetros. Tudo isso dificulta a vida dos fabricantes de filtros solares, obrigando-os a usar diferentes materiais, orgânicos e inorgânicos. Além do óxido de titânio, o óxido de zinco (ZnO) tem recebido muita atenção da indústria. Outros óxidos têm sido usados com menor frequência. É o caso da hematita (Fe2O3) alumina (Al2O3), zircônia (ZrO2), céria (CeO2), entre outros.
Do ponto de vista estético, uma das vantagens dessas nanopartículas é que, sendo tão pequenas, elas tornam-se transparentes na faixa da luz visível. Mesmo assim, se houver necessidade de uma grande quantidade de nanopartículas, a transparência diminui, e a cor branca de alguns desses óxidos começa a aparecer.
Então, a indústria corre desesperadamente em busca de protetores mais eficientes, seja no que concerne à capacidade de absorção e espalhamento da radiação ultravioleta, seja na amplitude do espectro – ou seja, a capacidade de blindagem contra UVA e UVB.
Nesse sentido não há alternativa a não ser o uso de diferentes compostos, geralmente associando materiais orgânicos e inorgânicos. Busca-se uma combinação que seja mais eficiente e que diminua os incômodos dos dois tipos de materiais. Por exemplo, diminuir os materiais orgânicos reduz o nível de irritação provocada por alguns desses compostos. Já a diminuição dos inorgânicos aumenta a transparência da loção, um efeito estético amplamente desejado.
Por volta de 2005, pesquisadores da Universidade Técnica de Braunschweig (Alemanha) descobriram um método interessante para incorporar filtros inorgânicos em produtos para proteção solar.
Em vez de simplesmente dispersar as nanopartículas nas emulsões, eles as encapsularam em outras nanopartículas preparadas com uma mistura de um lipídio e cera de carnaúba. Esta última cumpre a função de impedir que a cápsula se rompa e deixe escapar os filtros inorgânicos. O método funciona também no encapsulamento de misturas de materiais orgânicos e inorgânicos.
Bendita cera
Mais importante do que evitar a dispersão dos materiais é o fato de que essas cápsulas aumentam o fator de proteção solar quando comparado com aquele do óxido de titânio isolado. Ainda não se sabe a que se deve esse fenômeno. Pode ser que isso tenha a ver com a composição química da cera de carnaúba.
De tempos em tempos a cera de carnaúba, que só existe no Ceará, Piauí e Rio Grande do Norte, nos apronta uma surpresinha. Aparentemente, a primeira aplicação em tecnologia de ponta da cera de carnaúba se deu em 1890, quando Charles Sumner Tainter (1854-1940) a usou para preparar a superfície de um cilindro de gravação fonográfica.
Depois disso, o momento de glória seguinte foi no início dos anos 1940, quando Joaquim da Costa Ribeiro (1906-1960) utilizou uma mistura de cera de carnaúba, cera de abelha e outras resinas naturais para fabricar um material dielétrico do tipo eletreto. Com este material ele descobriu o efeito termodielétrico, que hoje é conhecido como efeito Costa Ribeiro.
Atualmente, são inúmeras as aplicações industriais da cera de carnaúba. Em algumas dessas aplicações, ela é utilizada pela mesma razão que motivou o uso nos filtros solares: a de ser a mais resistente entre as ceras naturais. Por exemplo, os compostos aromáticos são geralmente caros, delicados e voláteis. Uma forma de preservá-los é por meio do encapsulamento com cera de carnaúba.
As frutas cítricas perdem peso por causa da transpiração. Isso pode ser minimizado cobrindo o fruto com uma fina camada de cera de carnaúba. Diversos produtos da indústria alimentar são conservados por meio desse tipo de cobertura. E, obviamente, cera de carnaúba é largamente utilizada na composição de inúmeros produtos lubrificantes, fios dentais, cobertura de balas comestíveis, entre outros.
Finalmente, uma observação nada surpreendente, mas interessante. As propriedades que fazem da cera um material apropriado para uso em cobertura e encapsulamento, são usadas pela natureza para proteger e dar vida à carnaubeira. Como a árvore cresce na árida região nordestina, ela tem que utilizar, com a maior eficiência possível, a água dos poucos dias chuvosos.
Para evitar que a água acumulada em seu caule e nas suas folhas se evapore em consequência da tórrida insolação, a natureza providencia que a cera se espalhe por todas as partes, formando esta camada protetora – para a qual o homem encontrou tantos outros propósitos.
Carlos Alberto dos Santos
Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação
Universidade Federal da Integração Latino-americana (Unila)