Qual a cor do réptil marinho?

“Como você sabe qual era a cor de um animal extinto?” Eis uma pergunta corriqueira feita a todo paleontólogo em palestras sobre fósseis. A resposta, embora algo frustrante, está na ponta da língua: “Não sabemos ao certo.” Mas, talvez muito em breve, essa indagação poderá ser respondida de forma bem diferente.

Um grupo de pesquisadores liderados por Johan Lindgren, da Universidade de Lund, na Suécia, acaba de encontrar evidências da coloração de três espécies de répteis marinhos extintos: uma tartaruga-de-couro, um ictiossauro e um mosassauro. Todos tinham cor predominantemente escura ou até mesmo negra. O estudo, que acaba de ser destaque na revista Nature, apresenta diversas novas possibilidades de se estabelecer a coloração em fósseis.

Importância das cores

Quando perguntamos sobre as possíveis tonalidades de organismos extintos, não demonstramos apenas simples curiosidade. Como mostram muitos estudos, nas espécies atuais as cores têm grande variedade de funções e implicações evolutivas. As mais óbvias estão relacionadas ao acasalamento, quando a coloração pode chamar atenção do sexo oposto, ou a questões relativas à camuflagem, quando o conjunto de cores faz com que o animal não se destaque de seu meio, tornando-se de certo modo invisível a seus predadores ou suas presas. Funções mais complexas vão da proteção contra raios solares à regulação da temperatura corporal.

Na maioria das vezes, a coloração de um organismo extinto permanece no campo da especulação

Embora relativamente raros, há relatos de casos em que a preservação de fósseis dá uma noção de sua cor original. Um bom exemplo são as penas encontradas em depósitos mundo afora, até mesmo no Brasil, que exibem alternância de áreas claras e escuras. A única explicação plausível para esses casos é que estamos diante da variação da cor original do animal quando vivo. Mas, na maioria das vezes, a coloração de um organismo extinto permanece no campo da especulação.

Algo comum em três fósseis distintos

Johan Lindgren e sua equipe decidiram estudar o assunto mais a fundo e analisaram três espécimes de répteis marinhos nos quais havia preservação do tecido mole que revestia o corpo do animal.

Fósseis de répteis extintos
Pele de uma tartaruga-de-couro (à esquerda), escamas de um mosassauro (centro) e extremidade da nadadeira de um ictiossauro (à direita), encontrados em camadas do solo de 55, 85 e 196-190 milhões de anos, respectivamente. (imagens: Bo Pagh Schultz, Johan Lindgren e Johan A. Gren, respectivamente)

O mais antigo dos exemplares é parte de um ictiossauro encontrado em rochas cuja idade varia de 196 a 190 milhões de anos. Esses répteis marinhos lembram, de forma superficial, os golfinhos (mamíferos) e são tidos como animais que podiam nadar em águas profundas. À primeira vista, o exemplar não parecia grande coisa, mas na região da cauda foi encontrada uma substância escura, algo que já havia sido reportado em outros ictiossauros.

Bem mais impressionante era o segundo exemplar, um mosassauro, grupo de lagartos extintos bem adaptados à vida no mar. Além de estar relativamente completo, representando um animal com cerca de 11 m, esse fóssil, procedente de depósitos formados há aproximadamente 86 milhões de anos, possui um conjunto de escamas muito bem preservado com uma superfície escura, algo pouco comum para os restos desses lagartos marinhos.

Apesar do consenso de que a substância escura encontrada nos três exemplares deveria indicar a presença de tecido mole, havia dúvidas quanto à sua composição

O exemplar da tartaruga-de-couro, encontrado em camadas de 55 milhões de anos, também é completo e inclui porções da coluna vertebral e do crânio. Como os demais, ele também exibia uma substância escura entre os ossos.

Apesar do consenso de que a substância escura encontrada nos três exemplares deveria indicar a presença de tecido mole – que, ao contrário do que ocorre, não foi totalmente decomposto durante o processo de fossilização –, havia dúvidas a respeito de sua composição.

Duas interpretações

Vale salientar que alguns outros fósseis também exibem esse mesmo tipo de substância, identificada muitas vezes como uma camada fina (‘filme’) carbonizada relacionada com o revestimento externo do corpo do animal. Vista ao microscópio eletrônico de varredura, a substância revela a presença de estruturas alongadas ou esféricas, que foram interpretadas de duas maneiras bem distintas.

Alguns pesquisadores acreditavam que se tratava de resquícios de bactérias, enquanto outros a viam como restos de melanossomas. Os melanossomas são organelas presentes no melanócito, célula produtora do pigmento (melanina) responsável pela coloração escura da pele. Elucidar qual dessas interpretações discrepantes estaria correta era um grande desafio para os cientistas.

Lindgren e colaboradores removeram pequenas partes da substância escura dos três exemplares estudados e as analisaram ao microscópio eletrônico de varredura. Paralelamente, conseguiram, empregando técnicas avançadas de espectrometria de massa, estabelecer sua composição, que era muito parecida com a dos melanossomas encontrados no couro de uma espécie viva da tartaruga-de-couro (Dermochelys coriacea) e bem distinta da de bactérias.

Fóssil de tartaruga-de-couro extinta
Fóssil de uma tartaruga-de-couro extinta. A ponta da seta indica estruturas de amostras da pele. (imagem: Lindgren et. al., 2014/ Nature)

Os cientistas concluíram então que as estruturas presentes nos fósseis estudados eram melanossomas ou algo equivalente. Como os melanossomas estão relacionados com a produção de melanina, que confere cor escura à pele ou ao couro de animais recentes, inferiram que os três répteis marinhos estudados tinham uma coloração predominantemente escura, possivelmente até mesmo negra.

Vantagens

Uma vez que essas espécies de répteis representam grupos totalmente distintos do ponto de vista evolutivo (mosassauros, tartarugas e ictiossauros não são parentes próximos), conclui-se obrigatoriamente que a coloração escura se desenvolveu de forma independente nos três. Como se trata de formas descendentes de animais que viveram em terra firme e secundariamente desenvolveram hábitos aquáticos, a presença de um corpo totalmente escuro deveria ter-lhes proporcionado alguma vantagem.

Os cientistas inferiram que os três répteis marinhos estudados tinham uma coloração predominantemente escura, possivelmente até mesmo negra

Mesmo diante da dificuldade de comprovar essa tese, um possível benefício poderia estar relacionado à maior absorção de calor, o que conferiria ao animal capacidade de se aquecer mais rapidamente e controlar melhor a temperatura de seu corpo. A vantagem imediata seria ficar mais independente da temperatura ambiente do que possíveis competidores e poder locomover-se por áreas mais extensas. As tartarugas-de-couro atuais corroboram essa hipótese, uma vez que se distribuem por uma ampla área, chegando mesmo a ser vistas paradas rente à superfície do mar, como se estivessem ‘pegando sol’ para aquecer o corpo.

Embora as reais vantagens da coloração escura do corpo desses répteis ainda não sejam bem compreendidas, o estudo de Lindgren e colaboradores abre, com o emprego de tecnologia sofisticada na pesquisa dos fósseis, novas perspectivas para o estabelecimento da cor de organismos extintos. Encaixa-se assim mais uma importante peça no complexo quebra-cabeça que é evolução e a diversificação da vida em nosso planeta.

Alexander Kellner
Museu Nacional/UFRJ
Academia Brasileira de Ciências

Paleocurtas

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Vinte insetos encontrados em âmbar procedentes de depósitos do Cretáceo Inferior da Espanha revelaram quatro novas espécies, conforme estudo coordenado por David Peris (Universitat de Barcelona) que acaba de ser publicado em Cretaceous Research. Entre os resultados mais importantes da pesquisa, destaca-se o estabelecimento de uma relação mais próxima de alguns desses insetos fósseis da Espanha com espécies descobertas anteriormente no Líbano e na Birmânia.

Bruno Vila Nova (USP, Ribeirão Preto, SP) e colaboradores acabam de publicar no Journal of Vertebrate Paleontology a redescrição de um dos primeiros crânios de pterossauros encontrados no Brasil, mais especificamente na Bacia do Araripe, no Nordeste. Denominado Cearadactylus atrox, esse réptil voador foi citado no livro Jurassic Park, de Michael Crichton, o primeiro da famosa série sobre os dinossauros.

A sucessão de conodontes procedentes do limite Permiano-Triássico em rochas que afloram na área da hidrelétrica de Três Gargantas, na província de Hubei, China, foi estudada por Laishi Zhao (China University of Geosciences, Wuhan) e colaboradores. No trabalho, publicado na revista Palaios, os autores conseguem correlacionar essa região com outras do país e refinar a idade de diversas camadas.

As paleontólogas argentinas Paula Bona (Museo de La Plata) e Ariana Paulina Carabajal (Museo Carmin Funes, Plaza Huincul, Neuquén) acabam de descrever um novo crocodilomorfo extinto. Denominada Caiman gasparinae, a nova espécie é a maior já encontrada nos depósitos do Mioceno da Argentina. A pesquisa foi publicada na revista Alcheringa.

Uma revisão dos estudos ontogenéticos dos placodermas (peixes extintos que viveram em parte da Era Paleozoica) foi publicada em Palaeontology. Zerina Johanson (Natural History Museum, Londres) e Kate Trinajstic (Western Australia Museum) estudaram desde embriões até indivíduos adultos de algumas espécies desses peixes basais, elucidando diversas questões relativas à evolução do grupo.

Como aconteceu em anos anteriores, o leitor poderá escolher o tema mais interessante abordado nesta coluna em 2013. O prazo final para a votação é 12 de março. Participe!