Às vésperas do ano consagrado à luz e suas tecnologias, nada mais apropriado e simbólico do que a concessão do prêmio Nobel de Física a trabalhos que levaram à invenção do LED (diodo emissor de luz, na sigla em inglês) azul.
Nos documentos da Unesco referentes ao Ano Internacional da Luz, é dito que as Nações Unidas reconhecem a importância da consciência a respeito de como as tecnologias baseadas na luz podem promover o desenvolvimento sustentável e fornecer soluções para desafios globais em energia, educação, agricultura e saúde.
Por outro lado, o anúncio da Academia Real de Ciências da Suécia assinala que o prêmio foi concedido pela invenção de eficientes diodos emissores de luz azul, os quais permitem a obtenção de fontes de luz branca brilhantes e energeticamente econômicas.
Além da impressionante coincidência entre os objetivos do Ano Internacional da Luz e as razões para a concessão do Nobel de Física, há outros aspectos peculiares a respeito da premiação. Embora a Academia Real informe que o prêmio foi concedido pela invenção do LED azul, a impressão que se tem é de que o mérito está no que antecede a invenção desse tipo de diodo, ou seja, na preparação do material, baseado no nitreto de gálio (GaN).
A invenção do LED azul, em si, não mereceu tanto destaque na comunidade científica. Por exemplo, nenhum trabalho sobre esse dispositivo foi publicado nas mais reverenciadas revistas científicas da área, como Physical Review Letters, Science e Nature. Tanto é assim – foi a preparação do material e não a invenção do LED o motivo da premiação –, que Nick Holonyak, inventor do primeiro LED vermelho, não foi contemplado.
Em termos de impacto, calculado com base no número de citações, o tema LED azul também não impressiona. O trabalho de maior impacto, publicado por Shuji Nakamura e colaboradores em 1995, foi citado 741 vezes até o último dia 27.
Por outro lado, o trabalho de Isamu Akasaki, Hiroshi Amano e colaboradores descrevendo a preparação de nitretos de gálio com alta pureza, publicado em 1986, foi citado 1.329 vezes até o mesmo dia 27. Portanto, parece que foi a pavimentação da estrada que levou ao LED azul que de fato proporcionou o Nobel de Física deste ano.
Em sua coluna de outubro, Adilson de Oliveira faz uma discussão geral sobre a natureza da luz e trata da criação da luz LED. Complementando essa abordagem, tratarei aqui especificamente das dificuldades enfrentadas pelos pesquisadores para obter os materiais que levaram à invenção do LED azul.
Diodo emissor de luz
Em colunas anteriores, discuti os princípios de funcionamento dos dispositivos semicondutores, entre eles o diodo e o transistor. O LED, um tipo de diodo que emite luz, já é bastante comum em telas de tevê, lâmpadas, mostradores de relógios e sinalizadores em diferentes tipos de equipamentos domésticos e de pesquisa.
O funcionamento dos dispositivos semicondutores tem basicamente o mesmo princípio. Uma fonte externa – luz ou voltagem – leva elétrons para um nível de energia superior. Nesse nível, o elétron pode conduzir corrente elétrica (funcionalidade presente nos transistores) ou voltar para o nível inicial emitindo algum tipo de radiação (funcionalidade presente nos diodos). Passar por um ou outro processo depende do tipo de material semicondutor.
Vou me restringir ao diodo emissor de luz, o LED. Existem materiais semicondutores apropriados para emissão de luz em várias frequências, sobretudo na faixa do visível e do infravermelho.
O primeiro LED foi construído com arsenieto de gálio (GaAs), um material que emite luz na faixa do infravermelho, que não é captada pelo olho humano. Ele foi comercializado a partir de 1969, mas o protótipo já existia desde 1962.
Dopando GaAs com fósforo (GaAsP), obtém-se um LED vermelho, que durante muito tempo foi usado como lâmpada sinalizadora em painéis de equipamentos diversos. Luz verde pode ser obtida com fosfato de gálio (GaP). Dopando esse composto com nitrogênio (GaPN), obtém-se uma luz amarela-esverdeada; a dopagem com zinco (GaPZn) produz luz vermelha.
Portanto, desde os anos 1960, LEDs vermelhos, verdes, amarelos e infravermelhos podiam ser fabricados. E o LED azul para obtenção da luz branca, resultante da combinação vermelho-verde-azul?
Naquela mesma década, se descobriu que o nitreto de gálio (GaN) produz luz azul, mas preparar esse nitreto com boa qualidade, de modo a produzir um bom feixe de luz, transformou-se em desafio desesperador, e muita gente abandonou esse material.
Não foi o caso de Isamu Akasaki, que obstinadamente perseguiu a melhoria dos filmes de GaN, até que em meados dos anos 1980, com a colaboração de seu aluno de doutorado Hiroshi Amano e outros pesquisadores, teve o sucesso que lhe rendeu o Nobel deste ano, dividido com seu aluno e com Shuji Nakamura, inventor do primeiro LED azul comercialmente bem-sucedido.
Sanduíche de três camadas
Os dispositivos semicondutores modernos são fabricados com filmes ultrafinos, com espessuras nanométricas (o nanômetro é a bilionésima parte do metro). Esses filmes são depositados em algum tipo de substrato. Existem inúmeras técnicas de fabricação de filmes finos, sendo o método epitaxial um dos mais utilizados em materiais de tecnologia de ponta.
Encontrar o melhor substrato para deposição epitaxial de determinado material muitas vezes é uma tarefa ingrata. Por exemplo, a falta de correspondência entre a estrutura cristalográfica da safira (o substrato preferido) e do GaN resultava em filmes ruins, com superfícies rugosas e impurezas incontroláveis.
Apesar dessas dificuldades, um monocristal de GaN foi pioneiramente produzido em 1969, nos laboratórios da RCA (Radio Corporation of America). Tinha os defeitos mencionados acima e era um semicondutor tipo-n, sem que ninguém soubesse a razão dessa propriedade. Portanto, tratava-se de um semicondutor cuja corrente elétrica era transportada por elétrons.
Para fazer um diodo emissor de luz, bastaria dopar com um semicondutor tipo-p, que conduz corrente elétrica por meio de lacunas. Na junção pn, elétrons e lacunas se combinariam emitindo luz. Por causa das propriedades físico-químicas do GaN, essa luz deveria ser azul.
Dificuldades na preparação de bons filmes, na dopagem de semicondutor tipo-p e no controle da condutividade tipo-n exigiram mais de uma década de persistente trabalho de Akasaki e colaboradores até descobrirem que bastava colocar uma fina camada de nitreto de alumínio sobre a safira para que o filme de nitreto de gálio apresentasse alta qualidade.
Essa camada intermediária é tecnicamente conhecida como buffer, uma espécie de amortecedor das incongruências cristalográficas entre substrato e filme. Foi essa descoberta que permitiu a fabricação do LED azul comercialmente viável.
Depois da obtenção de filmes finos com superfícies perfeitas, o controle da condutividade elétrica e a dopagem com semicondutor tipo-p, ou seja, a formação de uma junção pn, foram obtidos em poucos anos, e já em 1992 Nakamura relata os resultados obtidos com aquilo que tecnicamente se conhece como poço quântico.
Esse diodo inventado por Nakamura é uma espécie de sanduíche com três camadas de filmes finos. Nas extremidades, nitretos de gálio tipo-p (p-GaN) e tipo-n (n-GaN), e entre eles o poço quântico, um nitreto de índio e gálio (InGaN). É no poço quântico que o LED azul realiza sua tarefa, ou seja, a combinação de elétrons e lacunas para a emissão de luz.
Carlos Alberto dos Santos
Professor-visitante sênior da Universidade Federal da Integração Latino-americana