Será apenas marketing?

Corações e mentes estão voltados para Copenhague, na Dinamarca, onde está em curso desde 7 de dezembro a 15ª Conferencia das Partes da Convenção de Mudanças Climáticas das Nações Unidas, também chamada de Conferência do Clima ou simplesmente COP-15.

Os delegados da COP têm até sexta, 18 de dezembro, para costurar algum acordo que substitua o Protocolo de Kyoto e estabeleça metas de redução de emissões de gases de efeito estufa, como o já popular CO2 e os menos conhecidos – e nem por isso menos perigosos – metano e oxido nitroso.

As semanas anteriores ao início da COP foram ricas em surpresas e emoções fortes, como toda boa novela, e o Brasil teve participação destacada no enredo. Somos apenas a oitava economia do mundo, mas estamos em posição mais destacada do que isso entre os grandes emissores de carbono. Deve ser por causa de nosso pujante desenvolvimento industrial, de nossa frota de veículos novos (graças ao IPI reduzido) e de eletrodomésticos idem, certo? Quem dera…

Infelizmente, essa posição nada invejável se deve a práticas agropecuárias que pouco mudaram desde o descobrimento: desmatamento (via queimadas) de grandes extensões de mata nativa, em particular no cerrado e na Amazônia, para a formação de novas pastagens. Essa pecuária extensiva é geralmente de baixa produtividade, mas ainda assim de alta lucratividade, sobretudo se as terras forem exploradas ilegalmente, via grilagem, invasão e outras técnicas seculares.

Só o tempo dirá se os cortes propostos pelo Brasil são viáveis ou apenas um blefe

Apesar desse retrospecto socioambientalmente incorreto, estamos bem na foto porque anunciamos, antes do início da COP, metas voluntárias de redução de emissões, colocando em posição constrangedora as nações – desenvolvidas ou não – que relutavam em aceitar metas obrigatórias ou voluntárias.

Boa cartada, mas só o tempo dirá se os cortes propostos são viáveis ou apenas marketing ou blefe – em ano pré-eleitoral, é difícil saber que fração do discurso se transformará em ação.

Quanto emitimos?

Para começar, é necessário saber qual o nível de nossas emissões, no presente ou em algum momento determinado do passado, nível este que passaria a ser a referência para as emissões futuras. E aí começa a guerra dos números. O inventário brasileiro de emissões só foi divulgado pouco antes da COP, refletindo a dificuldade para se chegar a algum consenso no seio do governo.

O papel da ciência nessas discussões foi provavelmente limitado, já que, em plena COP, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) divulgou um estudo segundo o qual a agropecuária seria responsável por até 50% das emissões brasileiras de gases-estufa. Em outubro de 2009, no entanto, o Ministério do Meio Ambiente dizia que a participação do setor na emissão de CO2 era de 25%. Por que tamanha diferença nas estimativas? Porque o estudo do Inpe, com dados de 2003 a 2008, procurou estimar o impacto de todo o ciclo produtivo da atividade, incluindo o desmatamento inicial e as queimadas anuais para limpeza dos pastos.

Madeira de desmatamento da Amazônia
Madeira de desmatamento da Amazônia. Especialistas divergem quanto à participação da derrubada da mata no total de emissões brasileiras de gases do efeito estufa (foto: Wilson Dias/Agência Brasil).

O Brasil causou frisson global ao anunciar, antes da COP, que se compromete a reduzir em 80% o desmatamento na Amazônia, o que pode parecer uma meta otimista demais, mas que, segundo o Inpe, pode ser atingida aumentando a produtividade da agropecuária e recuperando as pastagens degradadas.

Sempre me impressionou a monótona paisagem de muita pastagem para pouco ou nenhum boi

Ao viajar pelo país, sempre me impressionou a monótona paisagem de muita pastagem para pouco ou nenhum boi. Também me chamaram a atenção números apresentados em diferentes momentos de uma palestra do diretor da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) no Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ. Os dados mostravam que as terras produtivas no país cobriam a mesma superfície que as áreas degradadas – em sua maioria, pastagens.

Os cientistas do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) afirmam que é necessário cortar de 25 a 40% das emissões dos países ricos até 2020, tomando por base as emissões de 1990, e reduzir o crescimento das emissões dos países em desenvolvimento em 15 a 30% no mesmo período. Em outras palavras – parafraseando o governador do estado de São Paulo –, trata-se de dar marcha a ré para uns e desacelerar o carro para outros.

Segundo o IPCC – e se tudo der certo –, isso limitaria o aumento da temperatura média global a 2 graus e evitaria os efeitos mais catastróficos das mudanças climáticas. Tomara que sim, embora eu não consiga esquecer a piada do estatístico que se afogou em um lago de meio palmo de profundidade – média.

A proposta que o Brasil levou a Copenhague na bagagem de uma comitiva de 700 pessoas propõe cortar até 39% das emissões previstas para 2020. Porém, se não há consenso sobre as emissões passadas, imagine a incerteza associada às futuras! Segundo a Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável, se essa previsão se confirmar, as emissões de 2020 seriam 15% superiores às de 1990 e 22% menores que as de 2005.

 

Belo Monte

Rio Xingu visto do espaço
Rio Xingu visto do espaço. O licenciamento ambiental para a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, nesse rio, tem causado polêmica (foto: Nasa).

Na mesma semana em que o Brasil fazia as malas para brilhar no palco de Copenhague com sua megacomitiva e suas metas ousadas, o coordenador de infraestrutura de energia do Ibama, responsável pela avaliação dos estudos ambientais da hidrelétrica de Belo Monte, se demitia, assim como o diretor de licenciamento do mesmo órgão.

O motivo? O fato de o ministro das Minas e Energia, Edison Lobão, ter declarado em 16 de novembro que o licenciamento ambiental da mega-hidrelétrica – com seus megaimpactos – seria emitido naquela data. E isso sem sequer se disfarçar de vovozinha: mas para quê? O próprio presidente da República e a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, não perdem uma oportunidade de reclamar da demora nos licenciamentos ambientais…

A reestruturação do Ibama visou dotá-lo de maior agilidade na deglutição de sapos

Vale lembrar que foi a suposta demora no licenciamento das hidrelétricas no rio Madeira que precipitou a saída de Marina Silva do Ministério do Meio Ambiente e do governo, coroada ainda com a reestruturação do Ibama, visando dotá-lo de maior agilidade na deglutição de sapos.

Por ironia, Marina Silva e Dilma Rousseff estão ambas presentes na COP-15. A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil também estará lá, certamente festejando o novo mimo do governo federal: anistia de multa aos desmatadores e adiamento para 2011 do prazo para que os mesmos atendam as novas normas relativas à reserva legal de vegetação nativa, anunciado quando a delegação brasileira já está instalada em Copenhague.

E pensar que ainda faltam dois dias para a COP-15 terminar!

Jean Remy Davée Guimarães
Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho
Universidade Federal do Rio de Janeiro