Seus piores pesadelos

A tela As Três Graças , pintada em 1639 pelo flamengo Peter Paul Rubens (1577-1640), mostra que a celulite não é um problema associado ao estilo de vida contemporâneo.

Se você perguntar às mulheres o que mais as incomoda esteticamente, é provável que as respostas incluam, além do ganho de peso, a celulite e as famigeradas estrias. Para a maioria da população feminina, a ocorrência de celulite e estrias torna a pele (e conseqüentemente a própria pessoa!) menos atraente. Embora essas duas anomalias sejam bastante freqüentes, ainda há uma enorme desinformação a respeito delas.

Para compreendermos a fisiologia desses processos que ocorrem na camada inferior da pele, conhecida como derme, temos que inicialmente descrever sua estrutura. A derme é composta principalmente por tecido conjuntivo, formado por diversos tipos celulares imersos em uma matriz amorfa hidratada. Nessa matriz estão presentes também terminações nervosas, vasos sangüíneos, linfáticos e fibras protéicas que proporcionam à derme resistência à tração (fibras colágenas) e à elasticidade (fibras elásticas).

Na porção inferior da derme – a hipoderme –, ocorre um tecido adiposo que tem como funções básicas a modelagem corporal, o amortecimento de impactos e o isolamento térmico, impedindo a perda excessiva de calor. Além disso, as células desse tecido gorduroso, denominadas adipócitos, estão envolvidas no armazenamento de lipídeos (que podem ser convertidos em energia metabólica) e hormônios.

Tanto a celulite quanto as estrias ocorrem principalmente (mas não só) em mulheres e têm como locais preferenciais as coxas, a barriga, a cintura e as nádegas. Ambos os processos surgem após eventos que afetam componentes dérmicos (adipócitos no caso da celulite e fibras elásticas nas estrias). A notícia ruim é que, uma vez estabelecidas, essas duas anomalias provavelmente te acompanharão pelo resto da vida, devido às dificuldades ou mesmo à impossibilidade de eliminá-las.

As “covinhas” da celulite
O termo celulite ou lipodistrofia ginóide foi criado há cerca de 150 anos para se referir às depressões e irregularidades na superfície da pele. Seu uso popular, porém, surgiu apenas após a década de 1960, período em que começou o culto ao corpo.

A ocorrência da celulite é muito mais comum em mulheres do que em homens, devido à maneira como músculos, gordura e tecido conjuntivo estão distribuídos na pele feminina. Entre 85 e 98% das mulheres apresentam alguma manifestação de celulite após a adolescência. Acredita-se que esse processo afete igualmente mulheres de todas as faixas etárias, tipos corporais e etnias, e que ocorra de forma indistinta entre mulheres comuns, atletas e top-models anoréxicas. No entanto, a idade pode contribuir para o surgimento dessas anomalias, pois a pele torna-se mais fina com o passar dos anos.

A celulite é formada por depósitos de gordura sob a pele (foto: ADAM/National Library of Medicine).

As “covinhas” da celulite ocorrem devido à saliência da gordura hipodérmica na derme. Em mulheres, o tecido adiposo da hipoderme deposita-se em grandes feixes verticais. Esses feixes são separados por septos fibrosos perpendiculares à superfície da pele, formando assim câmaras verticais. Esses septos, portanto, separam as células gordurosas em grupos e são formados por fibras que ligam a pele à musculatura localizada abaixo da hipoderme.

A disposição dessas fibras explica por que a celulite ocorre muito mais comumente nas mulheres do que nos homens. Nas mulheres, elas são retas e perpendiculares à pele. Quando há um aumento no volume ocupado pelos adipócitos, essas células se insinuam na superfície da pele, formando as tais “covinhas”. Já nos homens, essas fibras são menores e oblíquas e, quando há acúmulo de gordura, elas são forçadas para baixo, em direção ao músculo, e não em direção à pele, como nas mulheres.

Além disso, diferentemente dos homens, as mulheres apresentam uma reserva maior de gordura em alguns locais do corpo e uma derme menos espessa e menos resistente ao acúmulo de lipídeos e à deformação dos adipócitos.

Como surgem as estrias
Outro problema odiado por dez entre dez mulheres são as estrias ou striae distensae . As estrias são lesões paralelas e lineares que podem alcançar vários centímetros de extensão e que surgem após a ruptura das fibras elásticas que sustentam a derme. Essas fibras são formadas pela união de glicoproteínas, associadas à fibrilina, à fibulina e a um componente amorfo denominado elastina.

O aparecimento das estrias é mais comum em períodos de crescimento acelerado, como durante a adolescência, a gravidez ou em ocasiões em que há um ganho elevado de peso em um curto espaço de tempo. Pessoas que perdem e ganham peso sucessivamente (efeito sanfona) também são alvos preferenciais das estrias. Outro fator que pode levar à formação dessas lesões é a prática de exercícios físicos que hipertrofiam os músculos, como a musculação. Nessas ocasiões, as fibras elásticas são submetidas a uma forte tensão e podem acabar por se romper. Hormônios glicocorticóides produzidos durante esses períodos (adolescência, gravidez) ou utilizados topicamente para tratamento de doenças (corticosteróides, por exemplo) também contribuem para o surgimento das estrias. Esses hormônios inibem a ação dos fibroblastos, células responsáveis pela produção e manutenção das fibras e substância amorfa do tecido conjuntivo.

Embora sejam mais freqüentes em mulheres, as estrias podem ocorrer também em homens, como mostra a foto acima, da barriga de um rapaz (foto: Wikipedia).

A hereditariedade está envolvida no surgimento da celulite e das estrias. Os hormônios sexuais femininos também contribuem para o aparecimento de ambos os processos. A celulite, por exemplo, é raramente observada em homens, exceto no caso de indivíduos deficientes na produção de hormônios androgênicos ou em pacientes que estejam passando por uma terapia com estrogênio – um hormônio sexual feminino – para combater o câncer de próstata. Contudo, a simples presença ou ausência dos hormônios sexuais femininos e o fato de haver casos de celulite e estrias em mães e avós não justifica a ocorrência desses processos, que dependem de eventos complexos em que estão envolvidos diversos fatores.

 

As causas da celulite e das estrias são ainda desconhecidas, embora exista uma associação entre esses processos, o estresse e o consumo excessivo de sal. Por outro lado, não há uma relação entre celulite e obesidade: pessoas magras e obesas têm a mesma probabilidade de apresentarem esse problema. Já as estrias comportam-se de maneira diferente e acometem preferencialmente pessoas obesas.

 

Tratamentos incertos

 

As alterações na aparência da pele estão associadas com modificações no tecido conjuntivo subjacente e com problemas na microcirculação sangüínea, uma vez que os vasos sangüíneos e linfáticos dessa região são comprimidos pelos adipócitos da celulite ou têm sua estrutura afetada pelas fibras elásticas rompidas. Durante o surgimento da celulite também se verifica um aumento de volume dos adipócitos.

 

Apesar de existir um grande número de tratamentos estéticos para a celulite e para as estrias criados por uma indústria cosmética que movimenta centenas de milhões de dólares anuais, não existe até o momento comprovação de sua eficácia. Um tratamento eficiente para a celulite e as estrias deve ser capaz de agir em sua origem, em escala celular, revitalizando as trocas venosas e linfáticas, e recondicionando a epiderme, derme e hipoderme.

 

Talvez a única forma eficiente de se atenuar os efeitos de ambos os processos seja diminuir a gordura corporal por meio de dietas ricas em antioxidantes associadas com exercícios físicos. A ingestão de níveis adequados de água associada com uma redução no consumo de sal pode prevenir a ocorrência de celulite e estrias, mas não tem efeitos comprovados para a sua redução. Apesar de exercícios físicos tonificarem os músculos, queimarem calorias e aumentarem o fluxo sangüíneo, eles não agem especificamente contra a celulite e as estrias.

 

Apesar da elevada prevalência da celulite e das estrias na população e da enorme preocupação das mulheres com ambos os processos, há ainda um enorme desconhecimento da ciência sobre as suas causas e fisiologia. Portanto, as mulheres, pelo menos por mais um tempo, terão que se contentar com um segredo masculino que contarei agora: celulite ou estrias não são

, para a imensa maioria de nós, homens, motivos levados em conta quando avaliamos a beleza de uma mulher!

 

 

Jerry Carvalho Borges

Colunista da CH On-line 

06/04/2007

 

SUGESTÕES PARA LEITURA
Avram, M.M. (2004) Cellulite: a review of its physiology and treatment. J. Cosmet. Laser Ther. 6(4): 181-185.
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