Sobre degelo, Copenhague e neoverdismo

A coluna anterior foi basicamente otimista, mas vai ser difícil manter o tom nesta, já que as últimas semanas foram marcadas por fatos mais preocupantes do que tranquilizadores na área ambiental.

Um dos mais recentes é a noticia de que o governo do Mato Grosso do Sul está preparando uma lei estadual de zoneamento ecológico que prevê a permissão de construir usinas de álcool no Pantanal. O Ministério do Meio Ambiente tem combatido duramente qualquer proposta nesse sentido, mas o governador André Puccinelli quer aprovar a lei estadual até o fim deste ano, aproveitando que ainda não foi votada a lei federal de zoneamento da cana, que prevê a proibição dessas usinas tanto na Amazônia como no Pantanal.

Os motores do desmatamento hoje são muito parecidos com os do Brasil colonial

É de uma triste ironia. Os motores do desmatamento hoje são muito parecidos com os do Brasil colonial: extração madeireira (lembra do pau-brasil?), cana, pecuária.

E houve mais uma notícia de que tudo está indo muito mais rápido do que as previsões catastróficas dos ambientalistas, quando o assunto é degelo ou aumento de temperatura. A Universidade de Utrecht, na Holanda, concluiu que, de 2000 a 2008, a Groenlândia perdeu 1,5 gigatonelada de gelo. A estimativa foi obtida com dois métodos muito diferentes, que resultaram em números muito semelhantes.

Naturalmente, esse gelo não desapareceu, virou água e foi para o mar, tornando-o um pouco menos salino. Ah bom, o ciclo da matéria continua girando – que alívio! Quero ver agora alguém trazer essa água doce de volta para o continente. Minha avó já me dizia: “pense antes de fazer, espremer a pasta de dente é fácil, colocar de volta no tubo é outra história”.

Mas 1,5 gigatonelada? Bem, isso é o mesmo que 1.500.000.000 metros cúbicos de água, ou 100 mil carros-pipa de 15 mil litros. E tudo isso em taxas crescentes no período do  estudo. Se todo o gelo da Groenlândia se for, o mar subirá sete metros. Esqueça aquele plano de aposentadoria em Miami: não haverá mais Miami.

Filme de terror

Outra notícia horrorosa é que estão reaparecendo na biosfera poluentes que não se viam há algum tempo, porque caíram em desuso ou foram proibidos, mas que  foram larga e intensamente usados até a década de 1970. Depositados na época no gelo – e ali aprisionados e protegidos dos mecanismos usuais de degradação desde então –, eles ressurgem agora com o degelo para nos assombrar, como um vilão de filme de terror.

Pois é, nenhum roteirista tinha pensado nessa.

É uma chatice mesmo, chegamos à banalização deste tipo de notícia – pelo acúmulo, como acontece com os carros-bomba que explodem em Bagdá e Cabul, com números aproximados de vítimas sem nome. No caso dos carros-bomba, os números oscilam; no caso das notícias climáticas, é uma quebra de recorde atrás da outra.

Por falar em recordes, o Centro Nacional de Pesquisas Atmosféricas dos Estados Unidos  estudou os recordes de temperatura máxima ou mínima no país e achou indícios de aquecimento climático de longo prazo, como a menor frequência de recordes de temperatura mínima noturna. Parece pouca coisa, não é? Mas pequenas diferenças podem ser fatais: afinal, a precipitação anual em Brasília e na Amazônia é muito parecida; o que diferencia essas regiões é a duração da estação seca.

As neves do Kilimanjaro
Capa de DVD do filme As neves do Kilimanjaro (1952), de Henry King. Com o aquecimento global, as neves do título derreteram.

Outra má noticia de alto poder simbólico foi o sumiço de quase toda a neve do mítico monte Kilimanjaro – o que não é nada surpreendente, já que as geleiras no resto do mundo sumiram ou estão sumindo rapidamente. Se você sonhava em aprender a esquiar, a hora é esta – o treinamento adquirido pode mais tarde servir para surfar, uma habilidade que pode fazer diferença em cidades alagadas.

O Kilimanjaro careca ganhou mais atenção midiática que as muitas geleiras evanescentes porque seu gelo era o único gelo “eterno” do continente africano, e porque ele aparece em um monte de filmes de Hollywood dos anos 50 e 60.

Enquanto isso, algumas empresas estão andando mais rápido do que os governos –muitas já têm diretorias de sustentabilidade, veja só. De fato, se eu fabricasse refrigerantes, por exemplo, ficaria preocupado. Afinal, pode-se produzir refrigerante sem açúcar, sem adoçante, calorias ou corantes, mas experimente sem água!

Copenhague: não vai ser desta vez

E os governos, não iam iniciar o salvamento do mundo em Copenhague com um acordo climático? Parece que ainda não vai ser desta vez. Questão de dinheiro: não adiantou nada os cientistas provarem que é muito mais caro deixar as emissões crescerem do que investir na sua redução. Estamos como paraquedistas em queda livre que só aceitam abrir o paraquedas se o outro abrir primeiro. O final da piada é previsível.

Todos os candidatos agora são verdes e sustentáveis desde criancinha

E na terrinha? O neoverdismo anda a todo vapor. Todos os candidatos a todos os cargos agora são verdes e sustentáveis (?) desde criancinha. Bom sinal: perceberam que há fortes expectativas da sociedade local e global em torno desse tema. Por outro lado, a mãe do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) anuncia dados de redução do desmatamento meio chutados enquanto o Ministério do Meio Ambiente não consegue que o Ministério de Ciência e Tecnologia (!) solte os dados corretos.

Até Copenhague ainda vai haver muita discussão e fricção nas diversas esferas do governo sobre a evolução das emissões de carbono – e, portanto, sobre as metas de redução. Mas um consenso existe desde já: Copenhague será um ótimo palanque.

 

Jean Remy Davée Guimarães
Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho
Universidade Federal do Rio de Janeiro