Tumor neandertal

O mundo está cheio de doenças. Basta observar as filas nos hospitais públicos (aliás, um problema à parte, nada paleontológico…). Logo, não é surpresa imaginar que também as populações extintas deveriam estar sujeitas a enfermidades e traumas, muitos causados por acidentes ou durante as constantes lutas pela sobrevivência. Mas encontrar registros de doenças em fósseis, sobretudo aquelas não traumáticas, é algo extremamente raro, particularmente quando se fala de hominídeos extintos.

Encontrar registros de doenças em fósseis é algo extremamente raro, particularmente quando se fala de hominídeos extintos

Justamente um achado dessa natureza acaba de ser feito pela equipe de Janet Monge (Universidade da Pensilvânia, Estados Unidos), que relata na Plos One o mais antigo caso de displasia fibrosa.

A displasia fibrosa é uma daquelas doenças que não são detectadas facilmente. Não se trata de um câncer, mas uma lesão benigna associada aos ossos. Como na maioria dos casos não apresenta qualquer sintoma particular, o portador dessa doença geralmente apenas a descobre durante exames de rotina ou para investigar outro tipo de enfermidade.

O efeito principal da displasia fibrosa é o de causar um desgaste na área afetada, fazendo com que o osso normal seja substituído por um osso fibroso, que tende a provocar um espessamento ósseo anormal. Em casos mais agudos, pode provocar dores, enfraquecimento generalizado do osso afetado e deformidades observadas externamente. Há relatos, ainda que raros, da evolução dessa doença para a formação de tumores malignos. As partes mais comumente afetadas são cabeça, fêmur e costelas.

Ossos de neandertais

A descoberta de alguns ossos durante a exploração de uma mina de calcário no vale de Neander, na Alemanha, acabou se revelando um dos mais interessantes achados de hominídeos extintos. Descrito como Homo neanderthalensis em 1863, o espécime suscitou intensos debates entre os paleoantropólogos, pois alguns julgavam que o homem de Neandertal era uma subespécie de Homo sapiens, que é como designamos a nossa própria espécie.

Seja como for, registros do Homo neanderthalensis são encontrados espalhados pela Europa e pelas partes central e oeste da Ásia, em depósitos cuja idade varia de 300 mil a 30 mil anos, quando a espécie teria se extinguido.

A descoberta de Janet Monge e colegas foi feita em uma extensa coleção do homem de Neandertal encontrada na Croácia, mais especificamente no morro de Husňjakovo, localizado na cidade de Krapina, 55 km ao norte da capital, Zagreb. As rochas dessa localidade são datadas como do Pleistoceno Superior, tendo se formado entre 120 e 130 mil anos atrás.

O achado de restos de hominídeos nessa área é bastante antigo: as escavações foram realizadas de 1899 até 1905. Como resultado, obteve-se uma coleção de quase 900 ossos do homem de Neandertal, o maior registro feito até hoje de hominídeos do Pleistoceno Superior. Curiosamente, a maioria dos ossos foi encontrada fragmentada, juntamente com artefatos líticos (um dos temas de estudo da arqueologia e não da paleontologia) e restos de outros animais. Tal fato sugere que os hominídeos não foram enterrados obedecendo a algum ritual. Pelo contrário, marcas de cortes indicam que os restos foram manipulados por outros hominídeos.

Entre os exemplares, os pesquisadores encontraram um osso longo, incompleto, com cerca de 30 milímetros de comprimento, que foi identificado como uma costela do lado esquerdo.

Costelas de neandertal
Comparação de costela apresentando displasia fibrosa (A) com uma de configuração normal (B) do mesmo depósito. (foto: Monge et al/ Plos One)

Ao contrário do que era esperado, essa costela tinha poucas trabéculas (filamentos cruzados que compõem a substância esponjosa do interior dos ossos) e parte desse tecido estava corroído, característica bem diferente das encontradas em costelas normais. Imagens de raios X mostraram lesões ósseas, além de um espessamento causado pela deposição de tecido ósseo fibroso. Essas feições anômalas ficam mais evidentes quando duas costelas do mesmo depósito são comparadas.

Imagens de tomografia comprovaram esse desgaste das trabéculas, fazendo com que os pesquisadores interpretassem essa anomalia como consequência de displasia fibrosa. Registros anteriores dessa doença em fósseis foram relatados em ossos de até 4 mil anos, o que torna o novo achado ainda mais importante, já que detectou a doença em hominídeos fósseis de mais de 120 mil anos.

Tomografias de costela de neandertal
Quatro cortes tomográficos da costela apresentando displasia fibrosa. Note que grande parte do tecido esponjoso e das trabéculas foi corroída pela doença. (imagem: Monge et al/ Plos One)

Ceticismo natural

Achados como esses são sempre suscetíveis a críticas e existe um ceticismo até compreensível em relação à possibilidade de um osso incompleto e menor do que um polegar fornecer uma informação tão importante como a do registro mais antigo de uma doença encontrada em seres humanos hoje em dia.

Como um osso incompleto e menor que um polegar pode fornecer uma informação tão importante como a do registro mais antigo de uma doença encontrada em seres humanos hoje em dia?

Mas essa situação é a mais recorrente nas pesquisas paleopatológicas, não apenas em hominídeos, mas também em outras formas de organismos extintos. O motivo é bem evidente: somente se pode falar em doenças em espécies extintas se as mesmas deixam alguma marca nos ossos, já que a preservação de tecido mole é algo muito raro no registro fossilífero. Ademais, sempre é possível pensar em outras explicações, tais como destruição ou quebras que ocorrem durante os diversos e complicados processos que levam à preservação de um organismo nas rochas.

No caso da pesquisa liderada por Janet Monge, no entanto, as evidências apresentadas são bem fortes. A destruição do tecido trabecular não foi o resultado de alguma quebra natural ou induzida durante a coleta ou a preparação do fóssil. Há um espessamento ósseo, se bem que não tão destacado assim.

Dessa forma, a interpretação dos autores é plenamente justificada até que uma explicação diferente venha a surgir no futuro. Essa é mais uma das características dessa fascinante atividade que é compreender a diversidade da vida no passado, o que envolve os mais diferentes tópicos, inclusive as doenças que afetavam os organismos.

Alexander Kellner
Museu Nacional/UFRJ
Academia Brasileira de Ciências

Paleocurtas

As últimas do mundo da paleontologia
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Diogenes de Almeida Campos, um dos principais paleontólogos brasileiros, foi homenageado no Rio de Janeiro pelo Departamento Nacional de Produção Mineral pelos elevados serviços prestados a essa instituição, em particular ao Museu de Ciências da Terra. Diogenes foi por diversas vezes presidente da Sociedade Brasileira de Paleontologia e vai continuar cuidando do Museu de Ciências da Terra, recentemente incorporado à Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais.

Annie Hsiu (USP-Ribeirão Preto) e colegas relataram o primeiro registro da cobra Eunectes murinus, popularmente chamada de anaconda, em depósitos do Pleistoceno da região de Aurora do Tocantins (TO). Baseada em uma única vértebra de grandes proporções, essa ocorrência demonstra que nessa região da parte sul do estado do Tocantins, antes interpretada com árida, havia volumosos corpos d’água. O trabalho foi publicado na Revista Brasileira de Paleontologia.

Alcides Sial (Universidade Federal de Pernambuco, Recife) e colegas publicaram um interessante estudo que relaciona a concentração de mercúrio com a atividade vulcânica no limite Cretáceo-Paleógeno, quando mudanças climáticas teriam levado à extinção de uma grande parte das espécies, incluindo dinossauros. O trabalho, publicado na Palaeogeography, Paleoclimatology, Palaeoecology, abre a nova perspectiva de procurar entender a influência vulcânica em mudanças climáticas extremas.

Chong-Xi Yuan (Institute of Geology, Pequim) e colegas descreveram na Science uma nova espécie de mamífero do grupo dos multituberculados. Encontrado em rochas jurássicas (de 160 milhões de anos) da China, Rugosodon eurasiaticus é o representante mais primitivo desse grupo conhecido até o momento. Ele mostra o desenvolvimento de feições na região do pé que foram fundamentais para o sucesso evolutivo dos multituberculados durante o Cretáceo, quando se tornaram as formas de mamíferos dominantes.

Alex Aires (Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões) coordenou um estudo de um novo material atribuído ao um grupo de pterossauros chamado Thalassodrominae. Esses répteis voadores, conhecidos essencialmente pela região craniana, foram encontrados até a presente data apenas na Formação Romualdo, que aflora no Nordeste do Brasil, mais especificamente na bacia do Araripe. A pesquisa foi publicada na Palaeontology e contribui para um melhor conhecimento da região pós-craniana desses animais alados.

Falando na bacia do Araripe, colegas da Universidade Regional do Cariri (Urca) e da Universidade Federal do Pernambuco fizeram uma grande escavação controlada na região. O trabalho, realizado em uma localidade conhecida como parque dos pterossauros, foi coordenado pelo professor Antônio Álamo Feitosa Saraiva (Urca) e envolveu alunos, técnicos e estagiários. Novidades estão vindo por aí…