Um achado sem precedente

Normalmente não costumo abordar como tema central desta coluna descoberta na qual eu esteja diretamente envolvido. Mas não há como deixar passar em branco a identificação de uma população de pterossauros, contendo machos e fêmeas. E o melhor: com alguns ovos preservados em três dimensões (3D).

Não foi à toa que a pesquisa – fruto de uma colaboração sino-brasileira – ganhou destaque na capa de uma das mais importantes revistas de biologia do mundo, a Current Biology. Além da importância do trabalho em si, o tema possibilita apresentar algumas informações de bastidores desse extraordinário achado científico.

Há mais de uma década trabalho com pesquisadores do Instituto de Paleontologia de Vertebrados e Paleoantropologia (IVPP, na sigla em inglês), de Pequim, China, particularmente com o colega Xiaolin Wang, recentemente empossado como membro correspondente da Academia Brasileira de Ciências. Nesse período, fizemos vários trabalhos em colaboração. Mas o principal deles é, sem dúvida, a descoberta de Hamipterus tianshanensis, como foi denominado o novo pterossauro.

O que vi me deixou pasmo: um bloco de rocha com nada mais, nada menos que três crânios de pterossauros, além de vários ossos

Tudo começou em 2006, quando Xiaolin encontrou restos de ossos de pterossauros na província de Xinjiang. Situada na parte noroeste da China, essa região é autônoma, e a maioria de sua população, os uigures, é muçulmana. Lembro-me bem de quando vi o material pela primeira vez: os ossos brancos estavam muito bem preservados e representavam vários indivíduos.

Sabia que nos anos seguintes Xiaolin continuou realizando expedições naquela região, mas não tinha mais detalhes. Até que, em maio de 2008, pelo quinto ano consecutivo, eu estava novamente no IVPP, em Pequim. Fui ao escritório de Xiaolin para discutir aspectos de um trabalho que estávamos fazendo juntos, mas ele não se encontrava.

Como a porta estava aberta, entrei e vi no canto direito da sala o que parecia ser um bloco de rocha coberto por um tecido de seda verde. Xiaolin sempre guarda novidades de suas coletas em sua sala. Nem é preciso dizer que fiquei curioso ao ver aquele material e tive que me conter para não levantar o pano e dar uma espiada no que ele escondia.

Minutos depois, Xiaolin entrou. Conversamos sobre o trabalho e, quando eu estava de saída, ele me chamou para mostrar o que estava debaixo do tecido de seda verde. O que vi me deixou pasmo: um bloco de rocha com nada mais, nada menos que três crânios de pterossauros, além de vários ossos.

Fósseis de pterossauros
Bloco com três crânios (indicados pelas setas) e vários outros ossos de pterossauros encontrados na província de Xinjiang, na China. (foto: W. Gao)

Sabem quando três crânios desses répteis voadores foram encontrados juntos em um mesmo bloco de rocha sedimentar? Nunca! Após rápida conversa, Xiaolin cobriu novamente o material e sentenciou: “Para o ano que vem”. Não é preciso mencionar minha ansiedade; queria estudar logo o material, que sem dúvida era uma grande descoberta. O “ano que vem” demorou mais que o previsto, mas a espera valeu a pena.

Ovos em 3D

Logo de início, quando Xiaolin mostrou os primeiros ossos de pterossauros, informando que haviam sido coletados em uma mesma camada, levantei a hipótese de que se trataria de uma região que talvez fosse uma espécie de berçário daquele réptil voador.

Antes dessa descoberta havia apenas quatro ovos de pterossauros, todos muito comprimidos e com a superfície mal preservada

O motivo é simples: pterossauros são raros e, até agora, mesmo nas regiões onde há muitos deles, como a Formação Solnhofen, na Alemanha, e a Formação Romualdo da Bacia do Araripe, no Nordeste do Brasil, fósseis desses répteis voadores nunca haviam sido encontrados juntos em um mesmo local. Até na Argentina, onde foram descobertas centenas de ossos de Pterodaustro, a maioria estava isolada. E, pelo que se lê nas publicações, crânios são raros. Bem diferente do que Xiaolin havia descoberto.

Sugeri então que ele ficasse atento a ovos e ninhos. Dito e feito. Alguns anos depois, Xiaolin me trouxe uma daquelas luxuosas caixas chinesas. E, dentro dela, guardado como um verdadeiro tesouro, um ovo de pterossauro preservado em 3D. Não posso deixar de enfatizar a grande emoção que senti quando vi aquele exemplar.

Desde então foram descobertos alguns novos ovos, mas nenhum ninho ainda. A importância daquele material está em sua preservação. Para que o leitor tenha uma ideia, antes dessa descoberta havia apenas quatro ovos de pterossauros, todos muito comprimidos e com a superfície mal preservada.

Ovo de pterossauro
Ovo do pterossauro preservado em 3D (à esquerda), ao lado do ovo de uma cobra recente. Embora sua casca externa seja rígida, o ovo do pterossauro é bastante maleável, semelhante ao das cobras atuais. (foto: W. Gao)

A análise dos ovos do Hamipterus revelou que eles tinham uma casca externa formada por uma fina camada de calcário, seguida de uma membrana. Essa configuração lhe dava maleabilidade, com grande semelhança aos ovos de alguns lagartos e cobras.

Com base em três dos quatro achados de ovos anteriores, ficou estabelecido que a casca externa era mole, sem a presença de uma camada exterior rígida. O quarto ovo conhecido pertence a Pterodaustro e nele é possível identificar uma casca externa calcária, mas muito mais fina que a do Hamipterus.

Machos e fêmeas

Pudemos contabilizar a evidência de mais de 40 indivíduos. Infelizmente, não estavam todos completos, mas a conta é feita com base nos restos de suas arcadas superiores. Um fato chamou bastante a atenção: havia animais com tamanho similar, mas com formato e projeção da crista craniana um tanto diferentes. Esse padrão se repetiu em vários exemplares.

Tal fato fez surgir a hipótese de que talvez se tratasse de machos e fêmeas, sendo que os primeiros teriam uma crista maior e mais robusta. Com a presença de ovos, fêmeas teriam que estar presentes. E seria estranho que, com tantos indivíduos, não houvesse nenhum macho.

Crânios de Hamipterus tianshanensis
Diferentes crânios de ‘Hamipterus tianshanensis’ demonstram dimorfismo sexual na espécie. Os machos (B, D e F) possuem cristas maiores e mais robustas, enquanto nas fêmeas (A, C e E) elas são menores. (foto: W. Gao)

Não é possível ter certeza de que os animais com cristas maiores eram realmente machos, já que, em tese, poderiam também ser fêmeas. Seja como for, o novo depósito fossilífero de Xinjiang é a melhor evidência que se tem de que ao menos algumas espécies de pterossauros apresentavam dimorfismo sexual. Notem que não é a presença ou ausência da crista, mas sim sua expressão. Isso contraria a percepção dos pesquisadores que defendiam que machos possuíam cristas cranianas, ao passo que fêmeas não.

O futuro

Parece desnecessário dizer que esse é o primeiro de muitos trabalhos que se seguirão sobre esse material. Claramente, com tantos indivíduos à disposição, teremos oportunidade de fazer novos estudos, como os paleohistológicos, em que será possível caracterizar as mudanças ocorridas nos ossos desde animais mais jovens até adultos.

Também vamos procurar mais ovos e, quem sabe, encontrar alguns com embriões. Enfim, muita coisa nova poderá surgir do estudo de Hamipterus, o que coloca mais viagens à China no meu horizonte. Não só no meu, mas também no de outros pesquisadores brasileiros, como Taissa Rodrigues, da Universidade Federal do Espírito Santo, coautora do trabalho.

Alexander Kellner
Museu Nacional/UFRJ
Academia Brasileira de Ciências

Paleocurtas

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Coincidentemente, logo após a publicação do Hamipterus, acaba de ser noticiado, na Geoscience Frontiers, novo achado de um ovo em 3D. Sob a liderança de Gerald Grellet-Tinner (Conicet-La Rioja, Argentina), pesquisadores encontraram um ovo de Pterodausto, o segundo do local, sugerindo que esse réptil voador não teria enterrado seus ovos e provavelmente feito ninhos similares aos dos flamingos dos tempos atuais.

Ariel Méndez (Conicet-Bariloche, Argentina) e colegas acabam de descrever novos restos de dinossauros carnívoros procedentes das regiões de Ibirá e Monte Alto, no estado de São Paulo. O material ampliou a existência do grupo dos abelissauroides no Brasil, que parecem ter sido os dinossauros predadores mais abundantes no final do Cretáceo no país. O estudo acaba de ser publicado pela Revista Brasileira de Paleontologia.

Roger Benson (University of Oxford, Inglaterra) e colegas realizaram um estudo em que procuram entender como se deu a radiação adaptativa (fenômeno evolutivo em que várias espécies se formam rapidamente, ocupando novos nichos ecológicos) de diversos grupos de dinossauros. Eles puderam estabelecer que a linhagem desses répteis que deu origem às aves aumentou, de forma contínua, em diversidade e ocupou diversos nichos ecológicos ao longo de 170 milhões de anos. O estudo foi publicado na Plos One.

Norton Hiller (University of Canterbury, Nova Zelândia) e colegas reportaram na Cretaceous Research novos exemplares de plesiossauros, grupo extinto de répteis marinhos, procedentes de depósitos do Cretáceo Superior da Nova Zelândia. Embora bastante incompleto, o material permitiu estabelecer que se trata de uma nova forma (ainda sem nome) do grupo Elasmosauridae, aumentado a diversidade desses répteis marinhos no país, particularmente na província biogeográfica de Weddellian.

Matthew Bennett (Bournemouth University, Poole, Reino Unido) e colegas acabam de descrever pegadas e pistas feitas por hipopótamos em depósitos de 1,4 milhões de anos na Bacia de Turkana, no Quênia. Esses depósitos fazem parte da Formação Koobi e são conhecidos pela presença de pistas feitas por hominídeos. As novas marcas, escavadas a 70 metros das marcas dos hominídeos, foram interpretadas como tendo sido feitas por animais que estavam nadando em corpo d’água com alguma profundidade, tocando o fundo com as patas. O estudo, publicado na Palaeogeography, Palaeoclimatology, Palaeoecology, trata da primeira evidência de marcas de natação realizadas por mamíferos.

Um estudo publicado na Palaeontology revela a presença de 27 espécies de ostrácodes não marinhos procedentes de rochas do Cretáceo Inferior da parte norte da Bacia Falkland, os primeiros registros desse grupo de crustáceos na região. Michael Ayress (Northwich, Cheshire) e Robin Whatley (University of Wales), ambos do Reino Unido, descobriram o material em testemunhos de sondagens feitas na bacia e verificaram que esses crustáceos são extremamente abundantes. Isso possibilita diversas correlações com bacias vizinhas da parte sul do oceano Atlântico.