Verde e castanho são algumas das inúmeras cores que os olhos humanos podem apresentar em decorrência de fatores genéticos e ambientais (fotos: Wikipedia).
Todo professor de biologia tem, durante as aulas de genética, que responder ao inevitável questionamento sobre como é herdada a cor dos olhos. Contudo, muitos ainda tratam erroneamente essa característica genética como um tipo de herança mendeliana simples, cuja ocorrência é influenciada por um único par de genes associados com a produção de olhos castanhos ou azuis.
É verdade que a hereditariedade de diversas características é determinada por duas cópias – ou alelos – dos genes herdados de nossos pais. Esses alelos estabelecem entre si uma relação de dominância e, segundo esse ponto de vista, a versão castanha para a cor dos olhos (B) seria dominante sobre a variante para a cor azul (b). A dominância, nesse caso, significaria que, se pelo menos um dos alelos para a coloração dos olhos de uma pessoa fosse B, seus olhos seriam castanhos. Geneticamente falando, portanto, indivíduos com olhos castanhos poderiam ser ou BB ou Bb, enquanto aqueles que têm olhos azuis seriam obrigatoriamente bb.
Ainda segundo esse ponto de vista, se um casal com olhos castanhos quisesse ter uma criança de olhos azuis, tanto o homem quanto a mulher teriam que apresentar uma cópia do gene b, ou seja, seriam heterozigotos (Bb) para essa característica. Nesse caso, haveria apenas uma chance em quatro de que esse casal tivesse um filho com olhos azuis (bb).
Essa explicação simplista, porém, não mostra como surge toda a imensa variedade de cores presente nos olhos e não esclarece por que pais de olhos castanhos podem ter filhos com olhos castanhos, azuis, verdes ou virtualmente de qualquer outra tonalidade. A cor dos olhos é, portanto, uma característica cuja herança é complexa (ou poligênica) e, para entendermos como ela ocorre, devemos nos aventurar na biologia de um trio de genes.
Mecanismos associados com a coloração
O que chamamos de “cor dos olhos” é na verdade primariamente a cor da íris, pois outras regiões dos olhos, como a córnea e a esclera, são transparentes ou primariamente brancas. A íris é um disco colorido que, como o diafragma de uma máquina fotográfica, controla a quantidade de luz que entra nos olhos através da abertura ou fechamento de seu orifício central – a pupila. Seu nome vem de uma divindade da mitologia grega, que personificava o arco-íris e que era a mensageira dos deuses.
A definição da coloração de nossos olhos é um processo complexo, que depende de uma combinação de fatores genéticos associados com as características do tecido fibroso e vasos sangüíneos presentes na íris. Fatores epigenéticos (relacionados com a organização espacial do material genético e com as influências do ambiente nessas moléculas) também determinam a cor de nossos olhos.
A deusa grega Íris, que personificava o arco-íris e era a mensageira dos deuses, pintada por Luca Giordano (1634-1705) em 1684-1686. A íris do olho foi batizada em homenagem a ela.
A grande variedade de cores que observamos entre os vertebrados está associada primariamente com a produção dos pigmentos melanina (negro) e feomelanina (amarelo avermelhado). A presença desses pigmentos confere uma proteção valiosa contra os efeitos nocivos da radiação solar sobre o genoma celular.
As diversas colorações observadas entre os vertebrados são possíveis devido aos diferentes padrões de deposição desses pigmentos na pele, pêlos e penas. A ocorrência de outras cores deve-se à deposição extracelular de outros pigmentos, como porfirinas, carotenóides, purinas e cobre (veja mais em A paleta da natureza ). Portanto, é incorreto considerar que a cor dos olhos está associada somente com a deposição de melanina e feomelanina nos olhos. Se isso fosse verdadeiro, nossos olhos (como nossa pele) apresentariam uma coloração que variaria apenas entre o negro e o castanho-amarelado.
Esses pigmentos são produzidos por células com características mioepiteliais (que possuem características epiteliais e musculares) presentes na região posterior da íris. A região mediana desse tecido (estroma) também contribui para a coloração dos nossos olhos. Essas células são conhecidas como melanócitos e também estão associadas com a coloração de nossa pele e cabelos.
Genes modificadores
A cor dos olhos é um tipo de variação contínua controlada por genes denominados modificadores, pois os alelos de vários genes influem na coloração final dos olhos. Isso ocorre por meio da produção de proteínas que dirigem a proporção de melanina depositada na íris. Outros genes produzem manchas, raios, anéis e padrões de difusão dos pigmentos. Mamíferos albinos não possuem pigmentos em suas íris e os vasos sangüíneos na parte posterior de seus olhos refletem a luz, fazendo com que esses órgãos pareçam rosados.
Se uma grande quantidade de melanina (em relação à proporção de feomelanina e outro pigmentos) estiver presente na íris, os olhos serão negros ou castanhos. Se pouca melanina estiver presente, a íris parecerá azul. Concentrações intermediárias produzirão cores cinza, verde e diversas tonalidades de castanho.
O primeiro dos genes envolvidos com a coloração da íris, conhecido como Bey2 (do inglês brown eye – olho castanho) ou EYCL3 (do inglês eye color – cor do olho), situa-se no cromossomo 15 e possui dois alelos: um castanho e outro azul. Cada um deles gera respectivamente uma coloração castanha (alta quantidade de melanina) ou azul (baixa quantidade de melanina) na íris de seus portadores.
Porém, a coloração dos olhos de uma pessoa não é definida de forma tão simples assim: outros dois genes, conhecidos como Gey (do inglês green eye – olho verde) ou EYCL1 e Bey1 (ou EYCL2 ), estão também envolvidos no processo. Embora a biologia dos genes EYCL1 e EYCL3 seja bem conhecida, a função do EYCL2 ainda é muito pouco compreendida. Sequer se conhece com certeza sua localização (acredita-se que ele também esteja situado no cromossomo15)!
O conhecimento atual, entretanto, não explica a existência de olhos de outras cores ou de gradações diferentes. Também não esclarece como a cor dos olhos muda com o decorrer do tempo. Essas questões podem ser respondidas se considerarmos que existem outros genes, além do trio EYCL1, 2 e 3 , que controlam a deposição de lipofuscina (lipocromo) na íris, determinando, assim, a presença de cores âmbar, verde e violeta nos olhos.
O gene EYCL1 , localizado no cromossomo 19, apresenta alelos azul e verde, ligados à presença de pigmentos de gordura na íris. O alelo verde desse gene é dominante em relação aos alelos azuis presentes tanto no gene EYCL1 quanto no EYCL3 . Contudo, esse alelo comporta-se como recessivo em relação ao alelo castanho presente em EYCL3 .
Há, portanto, uma ordem de dominância entre esses dois genes. Uma pessoa que possui um alelo castanho no gene EYCL3 apresenta olhos castanhos. Por outro lado, pessoas de olhos verdes possuem um alelo verde em EYCL1 associado com alelos azuis nesse gene e em EYCL3 . Os olhos azuis são mais raros e ocorrem somente se os genes EYCL3 e EYCL1 apresentarem alelos azuis.
A mulher acima tem heterocromia, condição na qual parte ou ambos os olhos têm cores diferentes. Esse problema pode ter fundo genético ou ser causado em decorrência de lesões oculares.
Alterações nos genes EYCL3e EYCL1
estão associadas com a heterocromia – problema causado por um agrupamento anormal de melanossomos que pode fazer com que a pessoa tenha parte ou ambos os olhos de cores diferentes. A heterocromia é bastante incomum e pode acontecer ainda em decorrência de lesões oculares ocorridas após batidas, derrames, inflamações ou doenças que causem a perda de melanina. No entanto, não costuma causar maiores complicações além da questão estética.
A cor dos olhos varia ainda com a idade e com o estado de saúde. Em algumas pessoas, os olhos mudam de cor dependendo do humor, disposição e mesmo com a cor das roupas. No entanto, os mecanismos associados com esse processo não são bem compreendidos.
Estamos ainda tateando para tentar entender todos os fatores envolvidos na definição da coloração de nossos olhos. O que não deixa de causar surpresa: afinal, essa característica atrai muito interesse público e movimenta anualmente verdadeiras fortunas relacionadas com tratamentos estéticos e reparadores, venda de produtos etc. No entanto, o entendimento pleno de seu fundamento biológico ainda está por ser obtido.
Jerry Carvalho Borges
Colunista da CH On-line
23/03/2007
SUGESTÕES PARA LEITURA
Halder, G., Callaerts, P., Gehring, W.J. (1995) New perspectives on eye evolution. Curr. Opin. Genet. Dev. 5: 602-609.
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