Um caminho para o gigantismo?

Entender como viviam e funcionavam animais que estão extintos há milhões de anos não é uma tarefa fácil. Mesmo assim, por meio de comparações anatômicas detalhadas e do emprego de novas técnicas e equipamentos cada vez mais sofisticados, os paleontólogos têm conseguido avançar na compreensão de várias questões biológicas dos organismos fossilizados.

 

Leon Claessens (College of the Holy Cross, Massachusetts, Estados Unidos) e colaboradores acabam de dar mais um passo nessa direção. Em estudo publicado na PLoS One, eles descrevem um novo modelo para a respiração dos pterossauros que pode ter levado ao gigantismo de alguns desses répteis voadores.

Os pterossauros formam um dos mais interessantes – e intrigantes – grupos de vertebrados que já surgiram na face da Terra. Os exemplares mais antigos encontrados até hoje procedem de depósitos formados há 215 milhões de anos (a origem do grupo é mais antiga, estimada em torno de 228 milhões de anos atrás). Esses répteis voadores se extinguiram há 65 milhões de anos, juntamente com a maioria dos dinossauros.

Restos de pterossauros foram encontrados em praticamente todos os continentes. Suas formas são bem variadas, inclusive em tamanho: vão desde o Nemicolopterus crypticus da China, que tinha abertura alar de 25 centímetros, até o Quetzalcoatlus northropi do Texas (Estados Unidos), que atingia aproximadamente 10 metros de uma ponta à outra da asa – um verdadeiro gigante.

A origem do voo ativo
O aspecto mais fascinante dos pterossauros não é apenas o seu tamanho ou o fato de eles terem dominado os céus do planeta por mais de 150 milhões de anos, mas sim a proeza de serem os primeiros vertebrados a desenvolverem o voo ativo – e isto bem antes das aves e dos morcegos, os únicos grupos de vertebrados além dos pterossauros com essa característica.

Por isso, muito se especula a respeito do metabolismo desses répteis voadores: se eram animais endotérmicos, que poderiam controlar a temperatura de seu corpo, como fazem as aves; ou se eram ectotérmicos, com a temperatura do corpo sendo mais influenciada pela temperatura externa, como é o caso da maioria dos répteis atuais. A respiração, segundo os pesquisadores, é questão fundamental nessa discussão.

Estudos anteriores partiam do princípio de que a região torácica dos pterossauros não tinha grande mobilidade, pois o esterno (osso situado na parte ventral do tórax) se mantinha em posição relativamente fixa. Dessa forma, não haveria uma maior participação da região torácica no bombeamento do ar para os pulmões, uma característica associada a animais ectotérmicos.

Novo modelo respiratório

Modelo de respiração dos pterossauros Rhamphorhynchus (acima) e Pteranodon (abaixo). A musculatura associada às costelas e as costelas esternais permitiam um deslocamento do esterno e das costelas durante a inspiração (setas azuis e sombra rosa), o que contradiz modelos anteriores, segundo os quais esse conjunto de ossos não apresentaria qualquer movimento.

Leon Claessens e seus colegas resolveram então examinar em detalhe a região torácica de três gêneros de pterossauros: Rhamphorhynchus (o mais primitivo dos três), Pteranodon e Anhanguera. Além de analisar os exemplares fósseis em si, eles também realizaram tomografia computadorizada do material, sobretudo de um esqueleto Anhanguera procedente da Formação Santana, no Brasil, cujos ossos estão preservados de forma tridimensional e sem apresentar grandes distorções.

A equipe observou que o esterno dos pterossauros era ligado às costelas por um segundo grupo de ossificações, chamadas de costelas esternais. Essas costelas esternais não tinham tamanho uniforme – as posteriores eram maiores do que as anteriores – e todas possuíam protuberâncias laterais, que seriam base para os músculos da região. Assim, ao comprimirem e expandirem essa musculatura, os pterossauros podiam mover todo o conjunto, incluindo o esterno.

Além disso, os pterossauros possuíam um osso único na frente da bacia chamado de pré-pubis, que também poderia se movimentar para cima e para baixo, participando, assim, da atividade respiratória dos animais. Logo, apesar de a área dorsal da região torácica ser rígida, a parte ventral, onde se localiza o esterno, poderia se mover (por intermédio das costelas esternais), bombeando ar para os pulmões.

Outro ponto levantado por Claessens e seus colegas é a presença de cavidades pneumáticas em diversos ossos do esqueleto dos pterossauros. Esse tipo de estrutura é semelhante à encontrada em aves, que têm essas cavidades preenchidas por sacos aéreos diretamente vinculados à respiração. Dessa forma, o novo estudo sugere que o sistema de respiração dos pterossauros era análogo ao das aves – animais endotérmicos. Esse complexo sistema de sacos aéreos também já foi encontrado em um dinossauro carnívoro descoberto na Argentina, como mostramos anteriormente nesta coluna.

Gigantismo
Um segundo ponto interessante do estudo publicado na PLoS One é a observação de que ossos pneumáticos (preenchidos por ar), particularmente nos membros anteriores, são comuns em pterossauros de maior porte (acima de 2,5 metros de abertura alar) e mais raros em formas menores. Por serem ocos, a densidade dos ossos é comparativamente menor, o que provoca diminuição no peso do esqueleto – uma vantagem para um animal alado.

Dessa forma, Claessens e colegas levantam a hipótese de que, à medida que o sistema de respiração dos pterossauros evoluía e os sacos aéreos invadiam outras partes do esqueleto desses animais, sobretudo os membros anteriores, abriu-se a possibilidade de os pterossauros atingirem tamanhos maiores. Ou seja, a evolução do mecanismo de respiração dos pterossauros fez com que eles pudessem atingir uma envergadura alar cada vez maior. Assim, acabaram surgindo formas gigantescas, como Pteranodon e Anhanguera, que podiam chegar a ter mais de 6 metros de uma ponta à outra da asa.

Reconstrução dos sacos aéreos presentes no pterossauro Anhanguera, com as posições dos pulmões (em laranja), dos sacos aéreos cervicais (em verde) e dos sacos aéreos abdominais (em azul). O sistema sugere que os pterossauros eram animais endotérmicos.

Naturalmente, uma pesquisa assim nunca pode ser vista como definitiva, pois existem questões não resolvidas. A mais importante é estabelecer se esse modelo é universal para todos os pterossauros, visto que o trabalho coordenado por Claessens envolveu apenas três gêneros dos mais de 180 conhecidos.

Agora pesquisadores têm que desenvolver mais estudos com uma diversidade maior de pterossauros para determinar se a teoria levantada se mantém. De qualquer forma, esse trabalho sobre os pterossauros mostra como uma pesquisa sobre fósseis pode se sofisticar ao procurar respostas para aspectos biológicos de um grupo totalmente extinto.

Não é apenas de pincéis, martelos e ponteiras que vivem os paleontólogos modernos… 

Alexander Kellner
Museu Nacional / UFRJ
Academia Brasileira de Ciências
04/05/2009

Paleocurtas
As últimas do mundo da paleontologia

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De 5 a 6 de junho próximo está sendo organizada a Conferência Internacional Coleções e Museus de Geociências: Missão e Gestão. O evento, que procura reunir os responsáveis pelas principais coleções de geologia e paleontologia de diferentes partes do mundo, será realizado no Museu da Ciência da Universidade de Coimbra (Portugal) e contará com a presença de pesquisadores brasileiros. Mais informações: http://sites.google.com/site/geocoleccoes/
Bruno Arantes e colegas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul descreveram novos restos de Clevosaurus brasiliensis, um esfenodontídeo encontrado em rochas da Formação Caturrita (ca. 210 milhões de anos). A pesquisa complementa detalhes da anatomia dessa espécie de réptil primitivo, anteriormente apenas conhecida por dois crânios. O artigo foi publicado no último volume da Revista Brasileira de Paleontologia.
Jennifer Lane e John Maisey (American Museum of Natural History) acabam de publicar um estudo detalhado de Tribodus limae, um tubarão hibodontídeo encontrado na Formação Santana, um dos principais depósitos fossilíferos do Brasil. A pesquisa foi publicada no Journal of Vertebrate Paleontology e é baseado em quatro novos exemplares que permitiram a revisão de diversos dados dessa espécie, sobretudo a construção de suas nadadeiras peitorais.

Na Cretaceous Research foi apresentada a ocorrência brasileira mais antiga da família Diodontidae, cujos integrantes são popularmente conhecidos como baiacu. Liderada por Valéria Gallo (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), a equipe de pesquisadores descreveu uma placa dentária com características desses peixes encontrada em rochas da Formação Gramame, na Paraíba, estendendo o registro fóssil do grupo no país para cerca de 65 milhões de anos atrás.

Coordenada por Jonathas Bittencourt (USP, Ribeirão Preto, São Paulo), acaba de ser publicada pela Zootaxa uma extensa revisão do dinossauro mais antigo do Brasil, o Staurikosaurus pricei. Encontrada em rochas da Formação Santa Maria (215 milhões de anos), no Rio Grande do Sul, essa espécie é conhecida apenas por um exemplar. Após uma preparação detalhada, o novo estudo ilustra em detalhe todos os ossos do Staurikosaurus e discute a controvérsia em relação à sua posição sistemática dentro do quadro evolutivo dos dinossauros.
Ke Xia (Academia Chinesa de Ciências) e colegas acabam de publicar uma pesquisa sobre a flora do Mioceno encontrada em Kaiyuan, sudeste de Yunnan. Utilizando três métodos quantitativos distintos, os pesquisadores conseguiram reconstruir o paleoclima da região, que era bem mais úmido e tinha uma temperatura média mais alta do que se verifica na região nos dias de hoje. A pesquisa, que foi publicada na Palaeogeography, Palaeoclimatology, Palaeoecology, também sugere que a cadeia de montanhas do Himalaia era bem mais baixa naquele tempo (ca. 6 milhões de anos).

No dia 14 de maio será inaugurada no Museu Nacional/ UFRJ a exposição Dinossauros do Sertão. A mostra apresenta uma grande quantidade de fósseis da Bacia do Araripe – que contém alguns dos principais depósitos paleontológicos do país – e marca o início da reformulação das exposições de fósseis do museu. Mais informações pelo telefone (21) 2562-6042 ou na página virtual do museu.