Um verdadeiro parque jurássico

Todos já ouviram falar no Jurassic Park – filme de sucesso do cineasta norte-americano Steven Spielberg que novamente trouxe os dinossauros em grande estilo para as telas. Ao contrário do filme, onde houve uma mistura de espécies de diferentes períodos (incluindo o personagem principal, o Tyrannosauros rex, que viveu em rochas do Cretáceo, bem mais novas do que sugere o título do filme), existe um depósito que poderia se traduzir como o verdadeiro parque jurássico: Solnhofen.

O calcário de Solnhofen se estende ao longo das margens de pequenos rios, particularmente do rio Altmühl, passando por cidades como Solnhofen, Schernfeld e Eichstätt, no sul da Alemanha. Até mesmo regiões um pouco mais afastadas do sítio e com camadas um pouco menos antigas, como os afloramentos em Daiting, às margens do rio Ussel, são comumente incorporadas aos depósitos de Solnhofen, conhecidos por mais de 200 anos.

De forma geral, toda essa região era uma grande laguna dividida por recifes, cujas condições lembravam as encontradas hoje nas Bahamas. Os recifes de Solnhofen, no entanto, não eram compostos por corais, mas predominantemente por algas e esponjas, que precipitaram carbonato de calcário e formaram estruturas de grande porte, isolando pequenas áreas dentro da laguna. 

A história desses depósitos data do tempo do império romano, quando as placas de calcário serviram para piso e revestimento de paredes, particularmente dos famosos banhos romanos (locais públicos com saunas e salas de banho quente e frio).

Porém, o grande impulso de exploração dessas rochas se deve ao seu emprego na reprodução de desenhos em papel a partir do final do século 18, quando passaram a ser conhecidas como calcário litográfico. Hoje em dia, com técnicas modernas e mais baratas empregadas na indústria gráfica, o uso das rochas de Solnhofen se restringe ao revestimento de construções, o que torna sua exploração bastante reduzida.

Riqueza fossilífera
Em termos de fósseis, as descobertas de Solnhofen são fantásticas. É nessa região que foi encontrado o Archaeopteryx – ave mais primitiva de que se tem notícia e que possui as penas preservadas (veja paleocurtas).

Além de Archaeopteryx, foram descobertas em Solnhofen centenas de plantas, invertebrados, peixes e outros vertebrados, alguns com conteúdo estomacal preservado. Entre eles, destaca-se Leptolepis, que era de tamanho pequeno (alguns centímetros) e comumente encontrado em placas com dezenas de exemplares. Esse acúmulo de vários indivíduos representa a ocorrência de pequenos eventos de mortandade em massa, possivelmente relacionados a variações bruscas das condições da água.

O depósito de Solnhofen abriga ainda vários répteis marinhos, que variam desde formas juvenis de tartarugas, como Eurysternum, até animais maiores, como o Pleurosaurus, um dos principais predadores aquáticos daquela região durante o Jurássico.

Outros animais que se destacam nesse sítio são os pterossauros (popularmente conhecidos como répteis voadores), representados em grande diversidade. Até pouco tempo atrás, as descobertas de Solnhofen eram a principal fonte de conhecimento de todo esse grupo.

Entre os achados está o primeiro exemplar de pterossauro conhecido, que recebeu o nome de Pterodactylus antiquus. Também devem ser ressaltados os vários espécimes de Rhamphorhynchus, pterossauro de cauda comprida comparativamente comum, que permitiram a primeira observação direta da membrana alar dos répteis voadores.

Já em termos de dinossauros não-avianos, o calcário de Solnhofen pode ser considerado bem pobre, com apenas duas espécies conhecidas, cada uma por apenas um exemplar. Compsognathus longipes foi a primeira, descrita em 1861, e se caracterizava por seu pequeno tamanho e seus grandes membros posteriores.

Quase 150 anos depois, foi descoberto Juravenator starki, outra pequena espécie carnívora. Junto com seu esqueleto, foi encontrada a impressão do tecido mole, que revelou a anatomia externa do animal.

Insetos e outros invertebrados também são comuns nos calcários de Solnhofen. Alguns, como o artrópode Aeger spinipes, por vezes exibe uma preservação excepcional, com todos os detalhes dos seus apêndices, fato pouco habitual na paleontologia.

Outra raridade – esta ainda mais surpreendente – são os invertebrados fossilizados ao final de suas pegadas. O principal achado desse tipo é o artrópode Mesolimulus walchi, conhecido por vários exemplares. Descobertas como essas, que capturam os momentos finais e possivelmente angustiantes de um animal, são extremamente raras no registro fóssil e contribuem para destacar o papel da região do vale do rio Altmühl no conhecimento da diversidade da vida durante o Jurássico.

Alexander Kellner
Museu Nacional / UFRJ
Academia Brasileira de Ciências
22/07/2008

Confira mais imagens da pesquisa

Paleocurtas
As últimas do mundo da paleontologia

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Pesquisadores brasileiros e chineses acabam de descrever um novo pterossauro da China. Batizada de Hongshanopterus lacustris, a nova espécie foi encontrada nas rochas da Formação Jiufotang (~120 milhões de anos) e representa a forma mais primitiva de um grupo chamado de Istiodactylidae, cujos representantes também foram achados na Inglaterra. O artigo foi publicado na Zootaxa.
Acaba de ser publicado pela editora Dr. Friedrich Pfeil um livro sobre Archaeopteryx lithographica, ave considerada a mais primitiva de todas. Escrito pelo pesquisador alemão Peter Wellnhofer, o livro apresenta todos os dados e polêmicas sobre essa espécie tida como um elo entre os répteis mais primitivos e as aves e que foi inclusive mencionada diversas vezes como a comprovação da teoria da evolução do naturalista inglês Charles Darwin (1809-1882).
De 2 a 6 de setembro ocorrerá na cidade de Dublin, Irlanda, o 56º Simpósio de Paleontologia de Vertebrados e Anatomia Comparada (SVPCA), uma das reuniões mais tradicionais da área. As instituições à frente do evento são a University College Dublin e o Museu Nacional de História Natural da Irlanda. Mais informações podem ser obtidas no site do evento.
Pesquisadores da Europa e dos Estados Unidos revelaram uma descoberta surpreendente: as substâncias orgânicas necessárias à formação das moléculas de DNA e RNA em um meteorito. Denominado de Murchiston, esse meteorito, que havia sido encontrado em 1969, reforça uma idéia antiga de que o surgimento da vida no nosso planeta estaria vinculado a substâncias trazidas por corpos celestiais. A descoberta foi publicada na prestigiosa Earth and Planetary Science Letters.
Liderados por Jakob Vinther (Departamento de Geologia e Geofísica da Universidade de Yale, Estados Unidos), um grupo de pesquisadores fez uma análise detalhada da composição de uma pena fóssil que exibe faixas claras e escuras, indicando um padrão de cor, encontrada na Formação Santana, nordeste do Brasil. Eles concluíram que, ao contrário do que se supunha, as estruturas escuras não eram constituídas por bactérias, mas sim por partes carbonáticas correspondentes a melanosomas, e que as faixas claras refletiam apenas o relevo da pena. O estudo, publicado na Biology Letters, abre a possibilidade para a interpretação das cores em dinossauros com penas (incluindo as aves extintas).
A descoberta de novos fósseis – incluindo um crânio quase completo – do tetrápode primitivo Ventastega curonica em rochas de ca. 265 milhões de anos (Devoniano) da Letônia acaba de ser publicada na Nature.  O animal era conhecido anteriormente apenas por fragmentos do esqueleto. O novo material, estudado por Per Ahlberg (Universidade de Uppsala, Suécia) e colaboradores, apresenta uma série de características no crânio importantes para a compreensão da evolução dos peixes para os primeiros tetrápodes.