Em muitas partes do mundo, primeiro de abril é conhecido como o dia da mentira ou dia dos tolos. Existem muitas explicações diferentes para o surgimento da efeméride, mas a brincadeira todo mundo conhece: inventar histórias e pregar peças nos amigos. Em outras palavras, contar histórias inventadas e esperar que as pessoas acreditem nelas, para só depois descobrirem a farsa.
É comum, nesse dia, alguns cientistas fazerem brincadeiras sobre descobertas inacreditáveis. A mais famosa aqui no Brasil foi a história do “Boimate”, publicada como notícia séria pela Veja em 27 de abril de 1983. A revista brasileira se baseou em uma reportagem da revista científica britânica New Scientist, publicada em 1º de abril de 1983, segundo a qual cientistas alemães tinham fundido células bovinas com as do tomate, criando um ser híbrido que permitiria "tomateiros produzindo filé ao molho de tomate”. Como se diz no jargão jornalístico, houve uma “barriga" nessa notícia. A revista levou dois meses para reconhecer seu erro.
O caso virou uma anedota bem-humorada, e, embora tenha envolvido mentiras, não foi uma fraude, e sim uma brincadeira. Infelizmente, porém, há vários outros casos de mentiras contadas em revistas científicas com o objetivo deliberado de enganar o leitor: as fraudes científicas.
Antes de falar sobre elas, vale lembrar que publicar um trabalho científico com resultados que posteriormente são demonstrados como errados não necessariamente caracteriza uma fraude. Acontece de um resultado ser obtido certa vez por um grupo de cientistas e, depois, não se conseguir reproduzi-lo em nenhum outro laboratório. É comum, também, surgirem resultados que criam o que chamamos de “falso positivo” – em exames clínicos, por exemplo, algumas vezes acontece exatamente isso, o que normalmente é resolvido com uma nova análise.
Entretanto, existem situações nas quais os resultados são deliberadamente fraudados. Embora garantam um sucesso inicial aos seus autores, em geral essas mentiras são logo descobertas por outros pesquisadores que tentam reproduzir o trabalho e, não conseguindo, contestam o original.
Dois casos famosos de fraudes científicas
Duas histórias relativamente recentes se tornaram famosas na questão da fraude de resultados científicos. Em dezembro de 2005, descobriu-se que os resultados dos trabalhos do pesquisador coreano Woo-Suk Hwang, na época diretor do Centro Nacional de Células-Tronco da Universidade Nacional de Seul, na Coreia do Sul, eram falsos. Nos anos de 2004 e 2005, ele publicou artigos na revista Science relatando, pela primeira vez na história, a clonagem de embriões humanos com o objetivo de extrair células-tronco.
A fraude foi descoberta a partir de denúncias dos métodos não éticos que ele utilizava para conseguir os óvulos para produzir embriões – obtê-los de uma de suas assistentes. Em seguida, investigações feitas por uma comissão da própria universidade coreana mostraram que os dados eram falsos e fabricados intencionalmente. Os pesquisadores daquele grupo não haviam ainda clonado embriões humanos: como o cientista coreano tinha certeza de que iria atingir o objetivo desejado, mandou o artigo para publicação antes de obter de fato o resultado. O desejo por garantir a primazia da descoberta o levou a tal atitude.
Na área de física, ficou famoso, em 2001, o caso do pesquisador alemão Jan Hendrick Schön, que trabalhava nos Laboratórios Bell, nos Estados Unidos. Ele foi demitido por ter fraudado dados em 16 de 24 artigos publicados entre 1999 e 2001. Os temas incluíam transistores feitos a partir de uma única molécula e supercondutividade em esferas de carbono – assuntos realmente quentes e inovadores no mundo da física. Se todos os resultados de Schön fossem verdadeiros, ele teria iniciado uma revolução na nanotecnologia e na eletrônica. Ironicamente, por esses falsos resultados ele ganhou diversos prêmios acadêmicos antes que a farsa viesse a público.
'O artigo não é sagrado': a revisão por pares continua mesmo depois que um trabalho é publicado. (foto: rosefirerising / Flickr / CC BY-NC-ND 2.0)
A fraude foi descoberta quando alguém reparou que os gráficos que apareciam nos artigos eram semelhantes, ainda que tratassem de assuntos completamente diferentes. As investigações mostraram que os dados eram forjados e os artigos acabaram sendo excluídos das revistas nas quais foi publicado, como Nature, Science e Physical Review Letters (a mais importante da área da física).
Pernas curtas
O fato de ocorrerem fraudes na ciência levanta a questão de como os resultados são aceitos para publicação nas revistas científicas. Quando um artigo é submetido a publicação, normalmente ele é enviado para um ou dois especialistas da área, que fazem uma avaliação dos conteúdos. Na física, em particular, resultados espetaculares necessitam de comprovações sólidas e explicações coerentes baseadas em modelos vigentes ou que apresentem novas ideias que possam ser verificadas por experimentos independentes. Os pareceristas verificam a coerência dos dados apresentados e, eventualmente, solicitam novas evidências. Contudo, por mais que seja um sistema rigoroso, nem sempre esse tipo de análise garante que os resultados sejam de fato verdadeiros e coerentes.
Em muitas situações, ocorre o que chamamos de artefato experimental: o equipamento produz um resultado errado e os pesquisadores não percebem. Quando se trata de experimentos corriqueiros de laboratórios, é relativamente fácil tentar reproduzir o resultado, mas, quando estamos falando de experimentos em grandes laboratórios, como o Grande Colisor de Hádrons (LHC) ou o Observatório de Ondas Gravitacionais por Interferômetro Laser (Ligo), fica mais difícil.
Em setembro de 2011, foram divulgados resultados do experimento Opera, no Centro Europeu de Pesquisa Nuclear (Cern), na Suíça. Segundo eles, neutrinos produzidos no experimento viajaram por 730 km embaixo da terra, até o detector do Laboratório Nacional Gran Sasso, na Itália. Os resultados que os cientistas obtiveram mostravam que essas partículas – que praticamente não têm massa – viajaram mais rápido que a luz, mostrando que a Teoria da Relatividade de Einstein estava errada. Posteriormente, os cientistas desmontaram e remontaram todos os equipamentos e descobriram que um cabo mal conectado tinha levado ao erro na medida.
Cientistas erram, às vezes por equívocos e falta de rigor nos experimentos, outras por agirem de má fé com o objetivo de alcançarem a glória mais facilmente. Porém, como diz o ditado popular, a mentira tem pernas curtas e por isso não pode ir muito longe. Cedo ou tarde será descoberta.
Adílson de Oliveira
Departamento de Física
Universidade Federal de São Carlos