Vitaminas: panacéia ou embuste?

O que você acharia se lhe oferecessem uma substância que prevenisse a ocorrência de grande parte das doenças que nos afligem, como o câncer e o mal de Alzheimer, e que, ao mesmo tempo, fosse capaz de conservar a sua juventude e seu vigor sexual? E que, além disso, fosse totalmente natural e pudesse ser obtida a um custo não muito elevado e sem efeitos colaterais, por meio do simples consumo diário de algumas pílulas?

Para muita gente, esse tratamento existe e está ao alcance de todos em farmácias e até supermercados: são as vitaminas. Por isso, a cada dia milhões de pessoas tomam vitaminas e complementos vitamínicos, convencidas de que essas substâncias podem conservar sua saúde e mesmo melhorá-la, movimentando uma indústria que lucra anualmente, apenas no Reino Unido, mais de 1 bilhão de reais.

Para outros, entretanto, o consumo desenfreado e sem critérios dessas substâncias não tem qualquer efeito benéfico para o bem-estar e pode até causar problemas à saúde. Há alguma razão para que pessoas totalmente saudáveis consumam diversos desses compostos químicos para prevenir doenças e para melhorar sua saúde? O que a ciência diz a respeito da eficácia e dos riscos envolvidos no consumo desses compostos?

Presentes na dieta

Banca de frutas em um mercado de rua. Uma dieta baseada em frutas, verduras, grãos e fontes de proteína proporciona todas as vitaminas necessárias para manter nossa saúde (fotos: Wikimedia Commons).

As vitaminas são compostos químicos não sintetizados pelo nosso organismo e que estão presentes de forma natural nos alimentos. Pequenas quantidades de vitaminas D e K, niacina (B 3 ) e biotina (B 7 ) podem ser sintetizadas endogenamente através de precursores (provitaminas) adquiridos pela dieta. As vitaminas A, C, E, a tiamina (B 1 ), a riboflavina (B 2 ), o ácido pantotênico (B 5 ), a piridoxina (B 6 ), o ácido fólico (B 9 ) e a cianocobalamina (B 12 ) têm de ser adquiridas através da dieta.

As vitaminas são nutrientes orgânicos necessários em quantidades mínimas para manter o crescimento e o metabolismo normais. Diferentemente dos carboidratos, lipídeos e proteínas, elas não fornecem energia ou são empregadas como “materiais de construção” biológicos. Por outro lado, há mais de um século sabe-se que diversas patologias não são causadas por agentes infecciosos, e sim por deficiências vitamínicas. Compreendeu-se que as vitaminas são essenciais para a regulação de nossos processos fisiológicos, pois atuam como coenzimas e grupos prostéticos – moléculas que,ao se associarem com enzimas, tornam-nas ativas.

Quatro vitaminas – A, D, E e K – são solúveis em gordura (lipossolúveis) e nove – C e complexo B – se dissolvem na água (hidrossolúveis). Vitaminas lipossolúveis podem ser armazenadas no tecido adiposo e utilizadas mesmo após períodos prolongados de privação. Já as hidrossolúveis são estocadas em níveis menores e, por isso, sua deficiência pode levar à ocorrência de problemas em períodos de carência relativamente curtos.

Como no caso de outros nutrientes, a deficiência de vitaminas pode se originar de uma dieta pobre ou desbalanceada ou ocorrer devido a problemas na absorção no trato digestivo, transporte, estocagem ou conversão metabólica. Embora a deficiência vitamínica seja muito mais comum em países pobres, ela possui uma prevalência surpreendentemente alta nos países ricos, estando muitas vezes relacionada com a ingestão de uma dieta pouco balanceada e variada. O alcoolismo e o consumo de drogas são fatores que podem agravar esse processo.

Efeitos da deficiência

Molécula de ácido ascórbico ou vitamina C, um poderoso antioxidante e agente redutor.

As vitaminas estão envolvidas com eventos chave de nosso metabolismo. Vejamos o exemplo da vitamina A, sintetizada a partir de carotenóides e retinóides presentes no leite e em outros produtos lácteos, no fígado, ovos e no pescado. Ela previne a ocorrência de deficiências ópticas como a xeroftamia (queratinização da conjuntiva), a queratomalacia (redução e ulceração na córnea), cegueira, deficiências imunológicas, problemas reprodutivos e de crescimento. Juntamente com a desnutrição protéico-calórica, a carência de vitamina A é a desordem nutricional mais comum no mundo e acomete entre 5 e 10 milhões de pessoas anualmente, causando a cegueira de 250 mil indivíduos a cada ano.

Já a vitamina C ou ácido ascórbico, encontrada em frutas cítricas, tomates e em vegetais como couve e brócolis, é um poderoso antioxidante e agente redutor. Dessa forma, essa vitamina elimina os radicais livres e previne a ocorrência de peroxidação (quebra utilizando H 2 O 2 ) de lipídeos, evitando o câncer e o envelhecimento precoce. Além disso, a vitamina C participa do metabolismo do colágeno e na biossíntese de neurotransmissores e, de uma forma ainda pouco compreendida, das reações imunes.

A vitamina E, encontrada nos vegetais, nos grãos, nos óleos e peixes, também atua como antioxidante. Está estabelecido que sua deficiência pode causar degeneração do sistema nervoso, alterações musculares e anemia hemolítica em crianças. Devido à ampla distribuição dessa vitamina nos alimentos, sua carência é um fenômeno raro, mesmo em países pobres.

Por sua vez, a vitamina D, presente no pescado, grãos e metabolizada na pele na presença de luz solar a partir do precursor 7-dehidrocolesterol, evita a ocorrência de raquitismo infantil e, em adultos, da osteomalacia (perda de massa óssea causada pela carência de cálcio na dieta) e da tetania hipocalcêmica. Essa vitamina está associada com a manutenção dos níveis dos níveis sangüíneos adequados de cálcio e fosfato responsáveis pela mineralização óssea normal.

Uma dieta diária variada e baseada em frutas, verduras, grãos e fontes de proteína deve proporcionar todas as vitaminas necessárias para a manutenção da estabilidade de nosso organismo. E somente em casos específicos, como na gravidez, devem ser administradas doses extras de vitaminas.

Linus Pauling e o risco do excesso

Capa do livro  Como viver mais e se sentir bem, em que o químico Linus Pauling defende o consumo regular de altas doses de vitamina C. Estudos posteriores mostraram que o organismo humano é incapaz de absorver altas doses dessa substância.

Porém, um homem propôs mudar, há cerca de quarenta anos, a visão que tínhamos das vitaminas e de seu papel em nossa saúde. Tratava-se de ninguém menos que o químico americano Linus Pauling (1901-1994), uma grande estrela da ciência e único homem a ganhar dois prêmios Nobel em áreas diferentes (Química e Paz).

Dono de uma enorme inteligência e carisma, Pauling utilizou toda a sua credibilidade para difundir a idéia de que o consumo de doses maiores de vitaminas – várias vezes mais elevadas que as doses diárias normais – poderia evitar a ocorrência de enfermidades e até nos proporcionar uma vida mais saudável. Pauling, inclusive, passou a empregar em si próprio a sua teoria e consumiu durante a vida quantidades diárias enormes de vitamina C, na crença de que esse nutriente iria fortalecer seu sistema imune e prevenir o resfriado e outras doenças.

Pauling e seus seguidores contribuíram para difundir a crença de que o consumo de vitaminas poderia, sem efeitos adversos, zelar por nosso bem-estar físico e mental. Contudo, pesquisas posteriores têm demonstrado que o consumo diário de vitamina C não evita a ocorrência de resfriados ou mesmo de outras doenças. Isso ocorre porque nosso organismo é incapaz de absorver doses elevadas dessa vitamina. Além disso, seu consumo elevado pode ocasionar efeitos colaterais como uricosúria (excesso de ácido úrico na urina), absorção aumentada de ferro, acidose sistêmica e hemólise infantil.

Outras pessoas consomem vitaminas diariamente para evitar os radicais livres e seus efeitos danosos sobre nosso cérebro, sistema circulatório e envelhecimento. A ingestão de pílulas contendo dezenas de vezes a dose diária das vitaminas A, C e E é comumente empregada com esse propósito. Porém, esse procedimento normalmente mostra-se inócuo, pois nosso organismo não é capaz de absorver as doses elevadas, que podem inclusive provocar efeitos adversos como distúrbios gastrointestinais, interferência na captação das vitaminas A e K e mesmo predisposição para infecções entéricas em crianças.

O consumo excessivo da vitamina A, por outro lado, pode representar perigos para a saúde. Doses elevadas desse nutriente consumidas diariamente durante períodos prolongados por fumantes podem aumentar em até 30% o risco de câncer de pulmão nesses indivíduos. O consumo de retinóides pode, por sua vez, causar lesões hepáticas e osteoporose em indivíduos com predisposição genética ou comportamentos de risco.

Esses resultados mostraram que esses compostos químicos não são inertes e incapazes de causar males. As vitaminas são substâncias cujo consumo desregrado envolve conseqüências inesperadas e enormes perigos e, por isso, devem somente ser prescritas de forma criteriosa por profissionais da medicina. Era realmente bom demais para ser verdade…

Jerry Carvalho Borges
Colunista da CH On-line 
01/02/2008

SUGESTÕES PARA LEITURA
Bruno, R.S. e Traber, M.G. (2005). Cigarette smoke alters human vitamin E requirements. J. Nutr. 135, 671-674.
Hemila, H. (1997). Vitamin C supplementation and the common cold–was Linus Pauling right or wrong? Int. J. Vitam. Nutr. Res. 67 , 329-335.
Kodama, M. e Kodama, T. (1994). Is Linus Pauling, a vitamin C advocate, just making much ado about nothing? (Review). In Vivo 8 , 391-400.
Ribaya-Mercado, J.D. e Blumberg, J.B. (2007). Vitamin A: is it a risk factor for osteoporosis and bone fracture? Nutr. Rev. 65, 425-438.
Ruano-Ravina, A. et al. (2006). Antioxidant vitamins and risk of lung cancer. Curr. Pharm. Des 12, 599-613.
Traber, M.G. e Atkinson, J. (2007). Vitamin E, antioxidant and nothing more. Free Radic. Biol. Med. 43, 4-15.