Você é falacrófobo?

Os cabelos são um dos principais motivos de preocupação estética dos seres humanos. Acima, uma reprodução do quadro Moça arrumando os cabelos , da artista franco-britânica Sophie Gengembre-Anderson (1823-1903).

Apesar de ser considerada por muitos cientistas como algo de menor importância ou mesmo fútil, a preocupação com a estética interessa fortemente as pessoas e move uma indústria que movimenta bilhões anualmente. Dentro desse universo, os cabelos são um dos itens que afligem uma grande porcentagem da população mundial, que vive atormentada com a sua queda, com o seu embranquecimento ou com o fato de eles serem crespos ou lisos demais.

Somos animais com uma grande quantidade de folículos pilosos – nome das estruturas que produzem os cabelos e pêlos que cobrem nosso corpo. Nascemos com cerca de 5 milhões desses folículos e um grande número é acrescentado no decorrer de nossa existência. A grande maioria de nossos pêlos são curtos, pouco pigmentados e muito finos. Esses pêlos, conhecidos como velus , cobrem a maior parte de nosso corpo e são uma herança de nossos antepassados primatas. Apenas uma pequena parte de nossos folículos pilosos formam pêlos conhecidos como terminais, que são mais grossos (até 0,6 mm), compridos (mais de 2,0 cm), pigmentados e têm uma estrutura mais complexa que a dos velus .

Os folículos pilosos são estruturas complexas formadas por cilindros concêntricos compostos por células de origem epitelial. Esses apêndices dérmicos possuem uma região externa (córtex) composta por células fusiformes totalmente queratinizadas. O córtex é envolvido por uma cutícula também composta por células queratinizadas, porém com uma disposição similar à das telhas em um telhado. Ambas as regiões são responsáveis pela sustentação e proteção da região interna do folículo piloso conhecida como medula. Essa região é formada por células vivas e metabolicamente ativas.

Os folículos pilosos apresentam em suas bases uma região – conhecida como papila dérmica – que tem um papel crucial para a regulação do seu desenvolvimento. Acredita-se que fibroblastos da papila dérmica produzam sinais que induzem a divisão de células-tronco foliculares localizadas na região do bulbo do pêlo. Essas células migram para uma região na base do folículo piloso conhecida como matriz. Posteriormente, elas sofrem uma diferenciação e movem-se para a porção superior do pêlo, formando a haste e a bainha interna do folículo.

Células-tronco localizadas em uma outra região dos folículos pilosos conhecida como protuberância têm sido associadas com a reposição de diversos tipos celulares da pele e de outros locais do organismo.

Fases de crescimento dos pêlos

O esquema representa os folículos pilosos que produzem os pêlos que recobrem o corpo humano (reprodução – NIH).

Os folículos pilosos não apresentam um crescimento contínuo. Períodos de crescimento – a chamada fase anágena – são as etapas mais longas (que se estendem de dois a seis anos) e são seguidos por uma etapa bem mais curta (de duas a três semanas) em que há uma regressão no desenvolvimento do pêlo – fase catágena – por meio da morte programada ou apoptose das células localizadas nos dois terços inferiores do folículo.

Essas duas fases são separadas por um período de repouso conhecido como fase telógena ( de três a quatro meses). A duração de cada uma das fases é variável em diferentes locais do nosso corpo. Normalmente, até cerca de 90% dos nossos folículos pilosos estão na fase anágena, enquanto que entre 10% e 14% estão na fase telógena e apenas 1% ou 2% estão na fase catágena.

Esse desenvolvimento cíclico dos pêlos ocorre de forma contínua durante a vida pós-natal e é um processo dinâmico, que permite a remodelagem do pêlo em resposta a uma série de fatores. Durante a adolescência, por exemplo, a maior produção de hormônios sexuais masculinos ou androgênicos leva ao espessamento, crescimento e aumento da pigmentação dos pêlos corporais.

A retirada ou perturbação dos pêlos interfere nos ciclos normais dos folículos pilosos que, assim, abolem a fase telógena e passam imediatamente para uma nova fase anágena. Por isso, pessoas que se depilam freqüentemente ou que se barbeiam diariamente têm um crescimento mais rápido de pêlos em comparação com aqueles que não o fazem.

Calvície e cor dos cabelos

Fio de cabelo humano ampliado ao microscópio. É possível observar os grânulos de pigmentos distribuídos ao longo do eixo do foliculo piloso 
(foto: Edward Dowlman – Strathclyde University).

A perda diária de 50 a 70 fios de cabelo é um processo normal e pouco representativo no universo de 100 mil a 150 mil fios de cabelo que cobrem nossas cabeças. Porém, se essa queda se acentua ou deixa de ser compensada pelo organismo, surge a calvície ou alopecia, um processo influenciado pela ação desses mesmos hormônios sexuais masculinos (e, por isso, bem mais comum entre os homens que entre as mulheres). Diversos outros fatores – como a herança genética, o estado nutricional e doenças – também influenciam o surgimento da alopecia.

 

A coloração dos pêlos resulta da atividade dos melanócitos, células residentes no bulbo do folículo piloso e que produzem grânulos de um pigmento escuro conhecido como melanina, sintetizado a partir do aminoácido tirosina. A adição de um outro aminoácido, conhecido como cisteína, produz um pigmento amarelado chamado feomelanina. Esses pigmentos são transportados até os prolongamentos citoplasmáticos dos melanócitos. Dali, os pigmentos são captados por fagocitose por células da matriz do folículo piloso e posteriomente distribuídos ao longo do pêlo após a migração dessas células. A proporção entre os pigmentos melanina e feomelanina dá origem às diferentes colorações de nossos cabelos.

 

Já o surgimento de cabelos grisalhos está vinculado a falhas no gene Bcl2, um fator antiapoptótico que estaria associado com a proteção das células-tronco durante a fase telógena.

 

A comunicação entre diversos tipos celulares é, portanto, essencial para o desenvolvimento do folículo piloso. Os ciclos dessas estruturas são controlados por uma série de citocinas liberadas por células da papila dérmica. Hormônios androgênicos influenciam a atividade dessa região.

 

Descobertas recentes têm lançado luz sobre este tema que é uma fonte de preocupações diárias para grande número de pessoas insatisfeitas com sua aparência ou que temem ficar calvas – ou falacrófobas. À medida que novos avanços forem feitos nessa área, será possível desenvolver em um futuro próximo estratégias para que possamos ficar de bem com nossos espelhos.

 

 

Jerry Carvalho Borges

Colunista da CH On-line 

17 /11 /

2006

 

SUGESTÕES PARA LEITURA
Rogers, G.E. 2004. Hair follicle differentiation and regulation. Int. J. Dev. Biol. 48: 63-170 
Rees, J.L. 2003. Genetics of hair and skin color. annu. Rev. Genet. 37: 67-90.
Millar, S.E. 2002. Molecular mechanisms regulating hair follicle development.
J. Invest.Dermatol. 118: 21-225.
Stenn, K.S.; Paus, R. 2001. Controls of Hair Follicle Cycling. Physiol. Rev. 81(1): 449-494. 
P.S. Jerry Borges acaba de criar um blog no qual pretende discutir os temas apresentados em sua coluna quinzenal na CH On-line e outros assuntos ligados à divulgação da biologia. Os leitores estão convidados a visitar o blog do colunista no endereço http://aventurasdaciencia.blogspot.com/ .