Comerciais de tv determinam alimentação das crianças

Quem não fica atiçado quando está diante de um inofensivo programa de TV e, de repente, é surpreendido pela propaganda de uma bela guloseima? Se ela é capaz de tirar o sossego — e encharcar a boca — dos adultos mais críticos, calcule a influência que pode exercer em crianças, cujos valores estão ainda em formação. Foi em busca dessa resposta que a nutricionista Gabriela Halpern desenvolveu seu mestrado na Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

 

Preocupada com o aumento da obesidade e dos distúrbios alimentares em crianças e adolescentes, a pesquisadora resolveu avaliar a quantidade e o conteúdo de comerciais de alimentos veiculados nos horários direcionados ao público infanto-juvenil.

Gabriela gravou, durante 30 dias, a programação de três emissoras da TV aberta. Fizeram parte da amostra desenhos animados, programas de auditório e novelas. Para sua surpresa, os comerciais de alimentos constituíram a maioria dos anúncios (22%), à frente até dos de brinquedos (15%). Salgadinhos, chocolates, biscoitos, balas e chicletes tiveram destaque.

 

 

Paralelamente às análises, a autora entrevistou 235 alunos de duas escolas, uma pública e outra privada, ambas da 1ª à 4ª série do ensino fundamental. Ao fim da pesquisa, relacionou os anúncios com o que era consumido pelos escolares nos intervalos das aulas e o que pediam para seus pais comprarem.

Acima, a distribuição dos comerciais identificados entre os programas gravados; abaixo, a classificação dos alimentos anunciados (fonte: Gabriela Halpern)

Não teve erro: todos os alimentos anunciados durante a programação infantil foram citados nas entrevistas. Os alunos não associavam suas escolhas ao que viam na TV, mas a influência, segundo a pesquisadora, é determinante: “As crianças são mais receptivas a incorporar comportamentos aos quais são expostas. Para elas, tanto os programas quanto as mensagens publicitárias são vistos como elementos da programação”.

Nas últimas décadas, verificou-se um aumento da taxa de obesidade em todo o planeta, que trouxe consigo outras doenças crônicas, como diabetes melito, alguns tipos de câncer e hipertensão arterial. Algumas medidas estão sendo tomadas para mudar os hábitos alimentares das novas gerações.

No Rio de Janeiro, o juiz da 1ª Vara da Infância e da Juventude, Siro Darlan, determinou a proibição, em cantinas escolares, da venda de produtos com altos teores de açúcares e gorduras, com base nas recomendações nutricionais estabelecidas pela Organização Mundial de Saúde. Outros estados brasileiros estão estudando essa proposta. Gabriela, contudo, teme as restrições: “As vendas de produtos saudáveis devem ser estimuladas com a mesma retórica com que se anunciam produtos industrializados”, defende. “Acho que a proibição só torna o alimento mais atraente.”

Propostas, a nutricionista tem de sobra. Entre elas, estão escolas com hortas, para as crianças participarem do processo de plantar e colher e valorizarem o produto orgânico; aulas de culinária, para mostrar que comidas nutritivas podem ser tão apetitosas quanto guloseimas; e espaço na programação da TV, subsidiado pelo governo, para o anúncio de alimentos saudáveis, como frutas e verduras.

Carolina Benjamin
Ciência Hoje On-line
06/05/04