Como fala o Amazonas?

Maria Luiza Cruz-Cardoso, linguista da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), estudou os diferentes modos de falar do amazonense para criar o Atlas Linguístico do Amazonas (Alam). A partir do mapeamento linguístico, ela desenvolveu um programa de computador reunindo dados sobre a fonética, o vocabulário e os diferentes significados e usos da língua da região, e que em breve poderá ser consultado na internet.

O trabalho faz parte do projeto Atlas Linguístico do Brasil (Alib) e já é o oitavo do gênero desenvolvido no país – mas o primeiro dedicado ao estado. Em entrevista à Ciência Hoje On-line, Maria Luiza explica que, por conta da grande extensão territorial brasileira, os atlas são divididos de acordo com regiões e estados. “Essa divisão é positiva porque permite uma análise mais profunda dos dialetos de cada área”, diz ela.

Para compor o atlas, a linguista analisou a linguagem usada em nove municípios diferentes, que correspondem às nove microrregiões do Amazonas. De cada município, foram entrevistadas seis pessoas, divididas de acordo com sua faixa etária e gênero. Segundo a pesquisadora, falar com pessoas de idades diferentes é um fator importante para avaliar as mudanças que ocorreram na língua com o passar do tempo.

Foram ouvidos indivíduos analfabetos e da zona rural

Outro dado importante se refere à escolaridade dos entrevistados: para o levantamento, só foram ouvidos indivíduos analfabetos ou com até a quarta-série do ensino fundamental completa, e todos da zona rural. “A zona urbana passa por muitas intervenções. Nosso propósito era avaliar os modos de falar mais característicos de cada região”.

No Amazonas, a produção de farinha de mandioca
No município de Benjamin Constant, o forno para produzir farinha de mandioca. O estudo mostrou que agricultura e hábitos locais influenciam os dialetos regionais (foto: Maria Luiza Cruz-Cardoso).

Reflexos da história e dos costumes

Os hábitos de uma região também influenciam o léxico que se cria

Fatores históricos e sociais estão diretamente ligados ao desenvolvimento dos dialetos. No Amazonas, Maria Luiza percebeu que há uma dualidade no modo de falar da população. Para ela, os rios Negro e Solimões dividem o estado não apenas em termos geográficos, mas também culturais. Na parte sul, as pessoas falam sibilando e com “s extensivo” justamente pela influência nordestina – herança do ciclo da borracha. Já a parte norte é marcada pelo “s chiado” – marco da contribuição portuguesa na região.

Os hábitos de uma região também influenciam o léxico que se cria. Vários termos relacionados à agricultura acabam sendo incorporados ao vocabulário da população local.

O projeto fez uma lista comparativa entre nomes de peixes e espécies usados na região e seus correspondentes na nomenclatura científica. Dessa forma, é possível observar as denominações diferentes usadas em cada lugar, conta a pesquisadora.

Pexe ou peixe?

O estudo permite, ainda, fazer comparações com os variados jeitos de falar em todo o território nacional. Ao contrário do que se pensava antes, percebeu-se que, no Norte, as vogais são pronunciadas fechadas, praticamente da mesma maneira que no Sul e no Sudeste. A diferença principal, na verdade, está na forma de falar – ou não – todas as letras. Enquanto no Rio de Janeiro o hábito é de não pronunciar a semivogal (“pexe”), no Amazonas fala-se pausadamente e ditongando (pronuncia-se a palavra “peixe” por inteiro).

Estudo analisa se o significado das palavras variaram com o passar dos anos e nos diferentes lugares

O mapeamento de variação lingüística procura observar, sobretudo, a variação lexical no tempo e no espaço. Ou seja, o estudo analisa se o significado e o sentido das palavras variaram com o passar dos anos e nos diferentes lugares.

De acordo com Maria Luiza, o Pará já tem um atlas similar, mas a grande vantagem da versão amazonense é que arquivos de áudio estão associados aos de texto, tornando a compreensão mais clara para a população interessada.

A ideia de lançar um atlas no formato de um programa de computador mais detalhado foi inspirada em um projeto de Portugal. Pesquisadores em dialetologia deste país trabalham com um projeto similar que abrange dialetos portugueses. As pesquisas do projeto Atlas Linguística do Brasil também podem ser consultadas pela internet, e o Atlas Linguístico do Amazonas estará disponível on-line ainda neste ano.

 

Larissa Rangel
Ciência Hoje On-line