Contra a gripe e o câncer

O câncer é uma doença bastante assustadora, fatal em muitos casos, e sua principal forma de tratamento, a quimioterapia, é conhecida por gerar efeitos colaterais nada agradáveis. Por isso não é surpresa que caminhos alternativos não parem de surgir para auxiliar a terapia. A aposta da vez é uma velha conhecida: a vitamina C, popularmente usada no combate à gripe. Um estudo sugere que, injetada por via intravenosa, a substância reduz os efeitos indesejáveis da quimioterapia e até potencializa o efeito do tratamento.

A vitamina C, em forma oral, já vinha sendo utilizada como tratamento não convencional para câncer por adeptos da medicina alternativa. Mas nenhum estudo feito até hoje tinha mostrado benefícios da ingestão da substância. A pesquisa publicada esta semana na Science Translational Medicine, no entanto, analisou os efeitos da vitamina aplicada na corrente sanguínea de pacientes.

Segundo a bioquímica responsável pelo estudo, Qi Chen, do Centro Médico da Universidade do Kansas (EUA), a escolha se deu porque dessa forma a vitamina C chega mais rápido ao alvo. “Ao administrar a vitamina por via oral, ela é eliminada do organismo antes de provocar algum efeito médico”, explica. “Com as altas doses injetadas diretamente na veia (entre 75 e 100 g), a concentração da vitamina consegue ficar alta por até 4 horas no organismo, antes de começar a ser eliminada.”

Chen: “Tivemos menos reclamações de desconfortos leves, como náuseas, assim como as taxas de toxicidade da quimioterapia em vários tecidos foram menores”

O estudo acompanhou 25 pacientes com câncer de ovário em estágio avançado (III e IV) divididos em dois grupos: um que recebeu apenas o tratamento convencional de quimioterapia e o outro que recebeu, além da quimioterapia, injeções de vitamina C duas vezes por semana durante um ano.

Os voluntários foram monitorados e os pesquisadores verificaram aumento na eficácia da quimioterapia, bem como redução de seus efeitos colaterais, no grupo que recebeu a vitamina C. “Os pacientes se sentiram melhor”, conta Chen. “Tivemos menos reclamações de desconfortos leves, como náuseas, assim como as taxas de toxicidade da quimioterapia em vários tecidos foram menores.”

Chen, que já havia testado a ação da vitamina sobre células cancerosas in vitro e em camundongos, explica que, dentro do corpo, a vitamina C se transforma em água oxigenada (peróxido de hidrogênio). É essa substância que na realidade ataca as células cancerosas. Estudos com células de câncer de ovário em laboratório mostraram que a água oxigenada danifica o DNA do tumor e interfere em seu metabolismo, impedindo seu crescimento.

A pesquisadora explica que injetar a água oxigenada diretamente no sangue em vez de usar a vitamina C não teria o mesmo efeito. “Administrar diretamente a água oxigenada na veia ou oralmente poderia ser perigoso”, esclarece. “A vitamina C funciona como um medicamento protetor que leva o verdadeiro remédio aos tecidos.”

Injeção
Usada em conjunto com a quimioterapia, a injeção de vitamina C diminuiu os efeitos colaterais leves do tratamento, como as náuseas. (foto: Phil Gradweel/ Flickr – CC BY 2.0)

Apesar de entrar em contato com todo o organismo, a vitamina C atua de forma seletiva sobre as células cancerosas. “As células cancerosas, diferentemente das células sadias, são mais suscetíveis à atuação da vitamina porque têm um comportamento diferente”, explica Chen.

Contudo, a pesquisadora reforça que são necessários estudos mais aprofundados sobre o mecanismo pelo qual a vitamina age sobre os efeitos colaterais da quimioterapia. “Isso será importante para compreender as diferenças de sensibilidade dos pacientes ao medicamento”, diz Chen. “Observamos algumas variações na resposta à vitamina que podem estar relacionadas tanto a diferenças genéticas quanto à oxidação das células ou à capacidade individual de transformar a vitamina C em peróxido de hidrogênio, entre outros motivos.”

Cautela

Apesar dos bons resultados obtidos pelo estudo, o oncologista André Sasse, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), chama a atenção para a necessidade de cautela com tratamentos alternativos.

Sasse: “Costumamos dizer na medicina tradicional que os tratamentos alternativos são ótimos, desde que se tenha a compreensão de que são complementares”

“Costumamos dizer na medicina tradicional que os tratamentos alternativos são ótimos, desde que se tenha a compreensão de que são complementares”, pontua. “Embora muitos tratamentos demonstrem uma aparente eficácia na prática, se não há comprovação científica de sua atuação isolada, devem ser administrados junto com os tratamentos tradicionais, de acordo com a orientação de um médico.”

Sasse também questiona a metodologia empregada no estudo de Chen, que analisou um grupo pequeno de pessoas e não comparou os resultados com um grupo de controle. “A falta de um grupo de controle tomando placebo, sem identificação entre os médicos ou pacientes, demonstra a fragilidade do estudo e acrescenta risco de alterações subjetivas no resultado da pesquisa”, diz.

Ainda assim, a bioquímica Qi Chen vê a vitamina C como um potencial tratamento coadjuvante para o câncer e defende que mais estudos clínicos deveriam ser conduzidos com a substância. “Já conhecemos a ação da água oxigenada contra bactérias e vírus, por isso acredito que a vitamina C em altas doses pode ser uma promessa no tratamento de doenças como o câncer”, comenta. “Nosso experimento foi pequeno e não mostrou alterações significativas nas chances de vida dos pacientes, mas observamos um potencial.”

Isadora Vilardo
Ciência Hoje On-line