Controlando multidões

A criação virtual de aglomerações é muito comum para quem trabalha com cinema ou no desenvolvimento de jogos. Mas para especialistas em engenharia de segurança é uma novidade.

O software CrowdSim, criado pelo Laboratório de Simulação de Humanos Virtuais da Faculdade de Informática da PUC-RS, reproduz ambientes em 3D e, usando humanoides, simula a evacuação de locais tomados por multidões, como estádios durante grandes eventos. Com a proximidade da Copa de 2014 e das Olimpíadas, o CrowdSim ganha destaque na área de tecnologia aplicada à segurança.

A coordenadora do projeto, Soraia Raupp Musse, começou a desenvolver o programa em 2010. Antes, já havia trabalhado, em parceria com a Petrobras, na simulação de uma comunidade que vivia perto de vasodutos da empresa no Rio Grande do Norte. “Era um grupo pequeno, de aproximadamente 350 habitantes”, lembra a pesquisadora.

O programa é capaz de ler o modelo geométrico de um ambiente em 3D, feito por um especialista em modelagem

Foi a partir dessa experiência que Musse e um grupo de pesquisadores da PUC-RS decidiram criar o protótipo de um simulador de multidões. O programa é capaz de ler o modelo geométrico de um ambiente em 3D, feito por um especialista em modelagem.

Para isso, esse profissional necessita das plantas e de imagens fotográficas do ambiente que se pretende estudar; de informações como localização de portões, escadas, banheiros, corredores e outras áreas de circulação; das medidas de cada um desses itens e espaços; e de dados relativos à estrutura da edificação.
Após a reprodução do ambiente em 3D, entra em cena uma primeira versão dos humanos, a princípio um simples círculo que permite ao programa trabalhar de forma leve e dinâmica. Após a realização de vários cálculos, tem início a segunda etapa da simulação, agora com humanoides, uma versão mais detalhada e realista dos humanos e sua movimentação.

Simulação de pânico

Até agora o CrowdSim foi testado em ambientes nos quais os humanoides eram adultos e independentes, ou seja, capazes de manter a calma e caminhar até a saída mais próxima em caso de emergência. Aspectos psicológicos são também uma variável a se considerar nos cálculos de engenharia de segurança.

Segundo Musse, o indivíduo sozinho, em geral, toma decisões mais sóbrias; mas, na multidão, passa a fazer parte de uma massa com vontade própria e às vezes desordenada. Nas estimativas de especialistas das áreas de engenharia de segurança e psicologia, leva-se em conta o percentual de pessoas que tomam decisões caóticas.

“Várias situações são ensaiadas, como aquelas em que há pânico ou em que um grupo depende de um líder para abandonar um local em determinada circunstância”

Não importa o motivo pelo qual uma pessoa, em situação de emergência, não se dirige para uma saída (ela pode ter desmaiado, entrado em pânico ou qualquer coisa do gênero). “Essa situação também é computada pelo programa”, explica a pesquisadora. Segundo ela, quando alguns humanoides se tornam obstáculos à evacuação, as simulações ficam mais complexas.

“Várias situações são ensaiadas, como aquelas em que há pânico ou em que um grupo depende de um líder para abandonar um local em determinada circunstância”, explica a pesquisadora. É o caso de famílias, em que crianças e idosos dependem de um adulto para auxiliar na evacuação.

Essa possibilidade ampliou o uso do CrowdSim para ambientes não só de entretenimento. Escolas e hospitais, por exemplo, podem também ser estudados com essa ferramenta. 

Interpretação de resultados

Alimentado dos dados necessários, o CrowdSim realiza diferentes simulações, tanto para situações normais quanto para situações especiais, quando, por exemplo, uma saída está fechada, há obstáculos em áreas de circulação ou pessoas entram em pânico.

A partir dos resultados apresentados pelo software, como densidade de pessoas por metro quadrado e velocidade média com que elas se deslocam, são sugeridas, se for o caso, reformas nos ambientes para otimizar as estratégias de evacuação.

Além dos métodos e ações preconizados pela engenharia de segurança, órgãos que coordenam grandes eventos também estabelecem metas. A Federação Internacional de Futebol (Fifa), por exemplo, determinou que o tempo de evacuação completa dos estádios deve ocorrer em, no máximo, oito minutos.

Seguindo as diretrizes da Fifa, recentemente o grupo da PUC-RS testou o CrowdSim no Estádio Olímpico João Havelange, o Engenhão, no Rio de Janeiro. O experimento mostrou que o local, com capacidade para 46 mil pessoas aproximadamente, pode ser evacuado em menos de sete minutos.

Botafogo x River Plate no Engenhão
Botafogo e River Plate se enfrentam no Engenhão, em setembro de 2007. O mais moderno estádio do Brasil, com 200 mil metros quadrados e capacidade para 46 mil pessoas, pode ser evacuado em menos de sete minutos. (foto: Dodoedo/ CC 3.0)

Na simulação em que um dos caracóis de saída do estádio estava obstruído, ficou demonstrado que a evacuação também ocorreria em menos de oito minutos. “Constatamos que não há risco de afunilamentos perigosos que comprometam a segurança do público”, relata Musse.

Agora, o desafio da equipe da PUC-RS é encontrar empresas interessadas em comercializar a ferramenta, que levou cerca de um ano e meio para ser desenvolvida. Segundo a coordenadora do projeto, licenciar a tecnologia do CrowdSim é prioridade em vista dos grandes eventos esportivos previstos para o Brasil nos próximos anos. 

Mariana Ceccon
Especial para CH On-line/ PR