Hora do recreio na escola municipal Paulo Freire, em Niterói, município da zona metropolitana do Rio de Janeiro. Na quadra, o esporte da vez não é o futebol e a bola rolando é outra: trata-se do rúgbi em cadeiras de rodas, introduzido na escola por meio de uma parceria entre a prefeitura da cidade e o Instituto Nacional de Tecnologia (INT). A ideia é estimular a integração de alunos com deficiência física e auditiva.
A partir de medições antropométricas dos alunos e do estudo dos materiais a serem utilizados, o instituto desenvolveu um conjunto de dez cadeiras de rodas para a prática de rúgbi. Elaboradas principalmente com alumínio aeronáutico e aço-carbono, são as únicas do mundo específicas para adolescentes. “O desafio do projeto era desenvolver equipamentos de qualidade, resistentes e baratos para possibilitar seu uso contínuo na escola”, explica a engenheira e psicóloga Maria Carolina Santos, do INT.
O esporte é direcionado a pessoas com um grau de deficiência mais elevado, como tetraplégicos, que têm poucas chances em outras modalidades. Em geral, os jogadores com maior possibilidade de movimento articulam as jogadas do ataque, enquanto os que possuem menor capacidade de movimento atuam na defesa, barrando a progressão dos adversários.
Apesar da escola contar com apenas duas alunas elegíveis para times profissionais, as cadeiras têm ajudado na integração de alunos com vários tipos de deficiência. “O equipamento era destinado aos alunos com problemas motores, mas acabaram ajudando a socialização de estudantes com deficiência auditiva, que têm dificuldade de se integrar”, conta Santos.
Confira um vídeo com mais detalhes sobre o projeto
Saiba mais detalhes sobre o rúgbi em cadeira de rodas
Projeto paralímpico
Outro projeto do INT, fruto de parceria com o Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB), pretende fazer o Brasil superar, nas Paralimpíadas do Rio de Janeiro, em 2016, o sétimo lugar no quadro geral de medalhas conquistado este ano nos Jogos de Londres. Para isso, pretende desenvolver equipamentos de última geração sob medida para os paratletas brasileiros em sete modalidades: atletismo (corrida e arremesso), ciclismo, esgrima, basquete, rúgbi e tênis.
A iniciativa tem como base o trabalho desenvolvido desde 2008 com o paratleta Vanderson Silva, que compete no arremesso de peso e no lançamento de disco com equipamentos desenvolvidos pelo INT.
O instituto desenvolveu um suporte anatômico feito de espuma, plástico e ferro especialmente projetado para seu peso e deficiência. O aparelho ajudou o paratleta a melhorar em 26% seu desempenho e a conquistar o recorde sul-americano no arremesso de peso. Devido a mudanças técnicas nas regras das modalidades, no entanto, ele não pôde utilizar o equipamento customizado nas Paralimpíadas de Londres e acabou fora do pódio.
Os próximos equipamentos serão desenvolvidos a partir de conversas com os paratletas, estudo criterioso dos regulamentos e análise das condições das instalações onde são disputadas as modalidades, além da pesquisa por tecnologias e materiais disponíveis.
Para desenvolver os protótipos, também serão utilizados um scanner 3D, capaz de criar modelos dos corpos dos atletas, e aparelhos que realizam a captura dos seus movimentos, ambos disponíveis no INT. “Assim, realizaremos uma avaliação da dinâmica dos esportes e dos movimentos e posturas dos atletas, para desenvolver aparelhagens totalmente personalizadas”, resume o engenheiro e designer Júlio Silva, coordenador do Núcleo de Tecnologias Assistivas do INT.
Ele defende que a tecnologia é cada vez mais importante no esporte de alto rendimento, em especial para os paratletas. “Ela é necessária até mesmo para que muitos deles sejam capazes de competir”, afirma. “O desempenho do Brasil mostra um sucesso maior nos esportes em que a tecnologia é menos essencial, como a natação”, completa. O diretor técnico do CPB, Edilson Alves da Rocha, explica que as modalidades escolhidas no projeto são justamente aquelas em que o equipamento esportivo é mais fundamental.
Outra questão importante da iniciativa é facilitar o acesso aos esportes paralímpicos. Os aparelhos utilizados hoje são, em geral, importados e caros. A ideia é trabalhar com empresas nacionais para reduzir custos para clubes e atletas brasileiros. “Assim, nossos atletas poderão ter acesso a um material de qualidade desde sua iniciação ao esporte e não somente quando chegarem à Seleção Brasileira”, avalia Rocha.
O prazo para o início do projeto, no entanto, está ficando curto. O Comitê Paralímpico Brasileiro ainda negocia verbas com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e com o Ministério do Esporte. Silva alerta: “calculamos que serão necessários três anos para preparar equipamentos para todas as categorias, por isso precisamos iniciar logo o projeto”.
Além de Vanderson, o INT já desenvolveu equipamentos específicos para outro paratleta: Iranílson Silva, medalhista de bronze paralímpico em 1988, nos 100m rasos em cadeira de rodas. As inovações geradas por esse tipo de pesquisa também são aplicadas em projetos orientados para o uso comum, como cadeiras de rodas para uso residencial e hospitalar e kit de equipamentos para cegos, desenvolvidos pelo instituto. “É como uma espécie de fórmula 1: o investimento é alto, mas depois de um tempo acaba refletido em tecnologias aplicadas ao dia a dia”, finaliza Silva.
Marcelo Garcia
Ciência Hoje On-line