A realização da Reunião de Alto Nível da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre doenças não transmissíveis marcou 2011 como o ano de afirmação internacional das doenças crônicas e degenerativas – em especial o câncer, complicações cardiovasculares e neurológicas, diabetes e síndromes pulmonares graves –, como grandes desafios da saúde pública mundial.
Para enfrentá-las, a genética ganhou destaque internacional, principalmente pela possibilidade de desenvolver terapias personalizadas contra o câncer. No Brasil, o ano foi marcado pela adoção de novas políticas públicas para combater essas doenças e pelo desenvolvimento de novos candidatos a vacinas e a alternativas de tratamento. Além disso, a perspectiva da realização de estudos populacionais de longo prazo no país criou expectativa entre profissionais do setor.
Para a epidemiologista Maria Inês Schmidt, a reunião da ONU, realizada em setembro, foi o momento mais marcante de 2011 na área da saúde. “O evento simbolizou o reconhecimento da importância mundial das doenças crônicas, desfazendo o mito de que seriam prioridade apenas para os países ricos”, avalia.
A reunião, junto com outro evento internacional realizado no Rio de Janeiro – a Conferência Mundial sobre Determinantes Sociais da Saúde –, revelou a preocupação mundial com dados alarmantes publicados em 2011 sobre essas doenças. Apesar dos progressos dos últimos anos, um relatório da ONG Fundo Mundial de Pesquisa contra o Câncer apontou o crescimento de 20% dos casos de câncer no mundo nas últimas décadas.
Outras pesquisas alertaram para o contínuo aumento do diabetes, que já causa uma morte a cada dez segundos no planeta, e para a falta de controle da doença no Brasil, onde mais de 70% dos doentes não controla seu nível de açúcar no sangue.
Cenário brasileiro
Apesar do destaque crescente no cenário mundial de produção de artigos científicos, inclusive liderando campos como a parasitologia e a medicina tropical, o Brasil ainda contribui pouco para o avanço do conhecimento sobre doenças crônico-degenerativas. Segundo Paulo Lotufo, cardiologista da Universidade de São Paulo, uma das principais necessidades do país é o desenvolvimento de estudos longitudinais, que permitam acompanhar parcelas da população por longos períodos.
Atualmente, o Brasil conta com alguns projetos nessa linha, como o Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (Elsa) e o projeto Prevenção de Eventos Cardiovasculares em Paciente com Pré-Hipertensão e Hipertensão Arterial (Prever). Segundo Lotufo, existem outros, ainda em fase de implementação, mas que devem demorar ainda a dar resultados. “Acredito que poderemos ter um fluxo maior de informações científicas sobre a população brasileira por volta de 2015”, avalia.
Mais conhecimento sobre as doenças crônicas é fundamental para orientar as políticas públicas de saúde do Brasil. Em 2011, já foram tomadas algumas medidas polêmicas de combate a essas doenças, como a proibição do fumo em locais fechados e da venda de diversos emagrecedores no país.
O governo federal também divulgou o Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas Não Transmissíveis de 2011 a 2022, com medidas para a promoção de hábitos saudáveis e do cuidado integral do indivíduo.
O ano termina com expectativa para a realização da Pesquisa Nacional em Saúde, que pretende avaliar, em 2012, as condições de saúde e a qualidade da atenção e da vigilância em saúde do Brasil.
O próximo ano também pode selar a criação do Código de Ciência, Tecnologia e Inovação, que acaba, por exemplo, com a necessidade de licitação para aquisição de equipamentos científicos. “É uma medida fundamental para retirar os entraves burocráticos da pesquisa do país, sem descuidar da transparência das contas públicas”, afirma Lotufo.
Estudos de destaque
Apesar de as expectativas estarem focadas nos próximos anos, em 2011 já foram obtidos alguns resultados importantes no estudo das doenças crônicas. Entre os que ganharam maior visibilidade está a primeira reversão de um caso de mal de Alzheimer, com a utilização de uma técnica inédita de estimulação cerebral por impulsos elétricos.
Os avanços obtidos em pesquisas sobre o câncer também ganharam atenção, como a descoberta do papel da proteína periostina no desenvolvimento das metástases e a possível relação do fumo passivo com o desenvolvimento da doença.
Outro estudo identificou possíveis vínculos da infecção por HPV com o desenvolvimento de doenças cardíacas em mulheres. Segundo Schmidt, “a descoberta reforça a relação e o compartilhamento de fatores de risco entre certas doenças transmissíveis e não transmissíveis, o que impacta nas estratégias de prevenção e controle”.
No entanto, o maior destaque de 2011 na oncologia foi a evolução do emprego da genética na prevenção e tratamento da doença. O grande aumento da capacidade de realização de sequenciamentos de genomas permitiu aos cientistas identificarem fatores genéticos ligados ao desenvolvimento de diferentes tipos de câncer, como o de sangue e o de próstata, e desenvolver testes capazes de rastrear mutações em células cancerosas para auxiliar o tratamento de pacientes com tumores malignos no pulmão.
Para o geneticista Pedro Galante, do Hospital Sírio Libanês, novos testes de prognóstico da doença e até terapias personalizadas poderão ser realidade em pouco tempo. “O câncer é causado por mutações no genoma das células e hoje é muito mais barato e rápido sequenciar genomas, o que pode nos dar muita informação sobre a doença, em cada paciente”, avalia.
Com menos resultados práticos, o desenvolvimento de candidatas a vacinas contra o câncer também merece menção. Num dos estudos, pesquisadores do Canadá usaram um vírus modificado para atacar células cancerígenas. Em outro, brasileiros utilizaram como base o protozoário Tripanossoma cruzi, responsável pela doença de Chagas. Uma vacina contra o câncer de mama, além de novos imunizantes contra o HPV, também apresentaram bons resultados.
“Também foi um ano importante para compilação do conhecimento sobre o câncer, possibilitando novas associações, como sua pouco conhecida relação com a obesidade”, analisa Galante. “Essa tendência deve continuar; cada vez conheceremos mais os fatores relacionados ao desenvolvimento da doença”, prevê o geneticista.
Marcelo Garcia
Ciência Hoje On-line