Cultivo de raízes nas Américas há 7000 anos

As amostras de milho arqueológico estudadas por Fábio Freitas foram emprestadas pelo Museu de História da Natural da UFMG

Um estudo genético levanta hipóteses sobre a origem do milho cultivado no Brasil há milhares de anos. Ele seria originário do que hoje é o México, e não das terras altas da América do Sul, como se pensava anteriormente. Quem sugere é o engenheiro agrônomo Fábio de Oliveira Freitas, da divisão de Recursos Genéticos e Biotecnologia da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), que analisou amostras de milho arqueológico — com idade entre 560 e 960 anos.

As amostras, encontradas há dez anos em três cavernas do Vale do Peruaçu (Januária/MG), foram comparadas com variedades da planta cultivadas atualmente por índios brasileiros e paraguaios e com o resultado de estudos sobre milhos arqueológicos encontrados em outros países americanos.

O alvo da tese de doutorado de Fábio, defendida na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq/USP), foi o gene ADH2 , situado no cromossomo 4. A análise de amostras arqueológicas de milho do México, região onde a planta foi domesticada há cerca de 7.000 anos, revelou em estudos anteriores a presença de três alelos (formas alternativas de um mesmo gene) do ADH2 . O estudo do milho encontrado no Brasil acusou a presença de duas dessas formas — que caracterizam o que os pesquisadores chamam de milho complexo. Nos Andes, em amostras com idades de 440 a 5.000 anos, foi detectada apenas a variante mais simples desses alelos. Esse padrão genético do passado se manteve na análise das amostras atuais: permanecem distantes as espécies de milho das terras altas (Andes) e baixas (Brasil).

“Há cerca de 5 mil anos, um grupo migratório teria saído do que hoje é o México, levando consigo o tipo mais simples de milho e se fixado na cordilheira dos Andes”, explica Fábio. “Três mil anos atrás, outra corrente teria saído da mesma região em direção às terras baixas da América do Sul, trazendo a variante complexa. O milho de Januária vem daí.”

 

As amostras foram encontradas há dez anos em três cavernas do Vale do Peruaçu, no município de Januária (MG)

As populações andinas sempre foram vistas como mais “avançadas” em relação aos outros povos indígenas da América do Sul — logo, teriam fornecido tecnologia e espécies agrícolas para a região. Mas, no caso do milho, Fábio sugere que “houve pouco contato entre as populações do norte da Bolívia e do Peru com os antigos povos da região central e leste do Brasil”.

 

A diferença entre os tipos complexos, encontrados no Brasil, e o tipo simples, dos Andes, foi tirada a partir da “leitura” de uma parte da seqüência do ADH2, realizada por Fábio na Universidade de Manchester, Inglaterra. Ela revelou a presença de um microssatélite, que é a repetição de pares das bases nitrogenadas (G, A, C, T) que compõem o DNA. No caso, o encontrado foi uma repetição seqüencial de uma série de moléculas de guanina e adenina (GA). Por isso o milho encontrado nos Andes se chama GAn, onde o “n” significa o número de vezes que GA se repete. Nos tipos complexos (foram identificados dois), além das variações no número de repetições, há diferenças estruturais, causadas por mutações a partir do tipo simples.

Denis Weisz Kuck
Ciência Hoje on-line
27/01/03