Da América do Sul para o mundo

O ano é 2004. O lugar é o Rancho Fantasma, no Novo México (sudoeste dos Estados Unidos). E o que era para ser apenas um seminário de paleontologia acabou resultando na descoberta do fóssil de um dos mais antigos dinossauros já encontrados. Batizado de Tawa hallae, o animal viveu há cerca de 215 milhões de anos e suas características morfológicas intermediárias sugerem que esses répteis pré-históricos teriam surgido na região da América do Sul e depois se espalhado pelo resto do mundo.

A idade dos fósseis coloca o T. hallae muito próximo à provável data do surgimento dos dinossauros

As escavações aconteceram em Hayden Quarry, um sítio paleontológico que não parou de fornecer material de pesquisa desde 2006, quando começaram as investigações em larga escala sobre o novo réptil. A idade dos fósseis coloca o T. hallae muito próximo à provável data do surgimento dos dinossauros – de 220 a 230 milhões de anos atrás.

O T. hallae, descrito em artigo publicado na Science, tinha 70 centímetros de altura (dos pés ao quadril, parte mais alta de seu corpo) e dois metros de comprimento, do focinho até a ponta da cauda. Ele é considerado carnívoro, pois seus dentes são recurvados e têm o formato de pequenas facas. No entanto, não foram encontrados junto aos fósseis restos de alimentos que comprovassem essa hipótese.

“O que é realmente ótimo no Tawa hallae é que ele é conhecido por meio de dois espécimes com esqueletos completos, além de pedaços de ossos de outros indivíduos”, conta o paleontólogo Sterling Nesbitt, pesquisador do Museu Americano de História Natural e um dos participantes do seminário que descobriram os primeiros fósseis do novo dinossauro.

“A maior parte dos dinossauros do Triássico Superior [era geológica em que o T. hallae viveu] é conhecida apenas por pedaços do esqueleto”, afirma Nesbitt em entrevista concedida à Science. “É muito raro saber tanto sobre um único dinossauro de um período tão primitivo da evolução desse grupo.”

Rancho Fantasma
Os fósseis do novo dinossauro foram encontrados em um sítio localizado no Rancho Fantasma, no estado americano do Novo México (foto: Sterling Nesbitt).

Origem sul-americana

Segundo Nesbitt, muitos dos dinossauros mais antigos foram encontrados no continente sul-americano – e poucos fora dele. A análise das características morfológicas do T. hallae e de outros dinossauros primitivos mostra que esse réptil era uma forma intermediária entre as que viveram nas Américas do Sul e do Norte. Isso levou os pesquisadores a lançar a hipótese de que os dinossauros surgiram em uma parte da pangeia (supercontinente único que teria existido na Terra há 250 milhões de anos e deu origem aos outros continentes) onde hoje fica a América do Sul.

Muitos dos dinossauros mais antigos foram encontrados no continente sul-americano

Depois, os dinossauros teriam se dividido em três grupos: terópodes (animais carnívoros que incluem o T. hallae – um dos primeiros dinossauros surgidos depois dessa divisão – e o Tyrannosaurus rex), sauropodomorfos (animais herbívoros, quadrúpedes e com pescoço longo) e ornitísquios (herbívoros caracterizados pelo focinho em forma de bico e pela estrutura da bacia semelhante à das aves). O passo seguinte foi a dispersão pelo megacontinente.

Junto com os fósseis do T. hallae, os pesquisadores também encontraram esqueletos de outros dinossauros carnívoros. Entretanto, análises mostraram que esses répteis não são parentes próximos. Isso significa que cada espécie descendeu de uma linhagem diferente – provavelmente sul-americana – antes de chegar à região que hoje é chamada de América do Norte.

A evolução dos carnívoros

A descoberta do T. hallae também traz novas evidências sobre a evolução dos dinossauros carnívoros. Atualmente os paleontólogos divergem sobre a inclusão do herrerasauro (dinossauro bípede que está entre os mais antigos já encontrados) no grupo dos terópodes, embora essa espécie apresente em comum com esses animais traços típicos de animais carnívoros.

Tawa hallae
Os dentes recurvados e em forma de pequenas facas sugerem que o ‘Tawa hallae’ era um dinossauro carnívoro (arte: Jorge Gonzalez).

A análise dos fósseis do T. hallae mostra que esse dinossauro misturava características encontradas no herrerassauro (animal um pouco mais velho que ele) e nos terópodes. Os pesquisadores concluíram então que os traços carnívoros presentes nesses animais vieram de um ancestral comum ainda desconhecido e que o herrerassauro seria, afinal, um terópode.

A equipe pretende continuar as pesquisas sobre o T. hallae. “Esse é um projeto de longo prazo, que deverá aumentar nosso conhecimento sobre dinossauros primitivos”, avalia Nesbitt em entrevista coletiva via internet.

 

Raquel Oliveira
Ciência Hoje On-line