Da cabeça ao rabo

Em sua 22ª edição, o Ig Nobel, tradicional paródia do Nobel que premia trabalhos científicos improváveis, foi, digamos assim, explosivo. Entre estudos teóricos e produtos divertidos, ganhou destaque a escatológica pesquisa de dois médicos franceses que levaram o prêmio de medicina por aconselhar colegas sobre como evitar a explosão de seus pacientes durante uma colonoscopia!

O leitor deve estar rindo e, agora, passados alguns segundos, pensando sobre o assunto. Esta é mesmo a intenção do Ig Nobel, promovido todos os anos pela revista de humor científico Annals of Improbable Research no teatro da Universidade Harvard, nos Estados Unidos.

A pesquisa premiada pode parecer estranha e engraçada para a maioria das pessoas, mas, para seu autor, Emmanuel Ben-Soussan, é coisa séria. Na cerimônia de entrega do Ig Nobel, ele foi direto e reto. Explicou para uma plateia curiosa que a explosão gasosa é um risco real (e fatal) durante o penoso exame, pois os componentes elétricos introduzidos no paciente podem reagir com o metano e o hidrogênio do intestino e fazer ‘boom’.

A explosão gasosa é um risco real (e fatal) durante a colonoscopia

As recomendações do médico, entre elas a lavagem intestinal antes do procedimento, levaram a Sociedade Europeia de Gastrenterologia a alterar suas normas clínicas. Em seu discurso de agradecimento, Ben-Soussan fez um apelo: “Demos as soluções para os médicos e esperamos que não haja mais explosões durante a colonoscopia terapêutica no mundo.”

A preleção do médico foi sucinta. Se não fosse, os cientistas que receberam o prêmio de acústica teriam resolvido o problema. Os japoneses Kazutaka Kurihara e Koji Tsukada inventaram o Speech Jammer, dispositivo que impede pessoas chatas de falar por muito tempo.

O funcionamento da máquina é simples, ela interrompe o orador ao obrigá-lo a ouvir seu próprio discurso, mas com alguns milésimos de segundos de atraso. O eco é mesmo atordoante, como o leitor pode conferir em vídeo dos cientistas no Youtube.

Superioridade social

O prêmio de anatomia foi para o holandês Frans de Waal e sua colega estadunidense Jennifer Pokony pela descoberta de que chimpanzés são capazes de reconhecer integrantes de seu grupo social por suas nádegas.

Para chegar a essa conclusão, os pesquisadores da Universidade de Emory (EUA) mostraram a chimpanzés adultos fotos de traseiros de seus colegas e, em sequência, fotos de rostos de fêmeas e machos do grupo. Os primatas conseguiriam associar as bundas aos rostos melhor do que muito leitor de Playboy.

De que serve a pesquisa? Para mostrar que os chimpanzés são muito mais espertos do que se pensa. “Quanto mais um macaco sobe numa árvore, mais podemos ver sua bunda (o mesmo se aplica a alguns candidatos)”, disse Wall ao receber o prêmio citando uma expressão popular. “Nunca fizemos esse estudo com humanos, mas suspeitamos que esse seja um caso de mentalidade superior dos chimpanzés.”

Fios e madeixas

De assunto diametralmente oposto – anatomicamente falando – foram os trabalhos agraciados com o Ig Nobel de química e física. O primeiro foi concedido ao sueco Johan Pettersson por desfazer um mistério que recaía sobre algumas pessoas louras que moravam em casas velhas de sua cidade natal Anderslöv.

Esses indivíduos frequentemente eram vistos com os cabelos esverdeados. Pettersson descobriu o culpado pelo estranho fenômeno: o cobre acumulado no encanamento das casas. A água quente do banho em contato com os canos fazia-os soltar a substância que tingia as madeixas dos loirinhos. A solução: tomar banho frio!

Rabo de cavalo
Levou o prêmio de física um trabalho sobre a forma dos rabos de cavalos. Um dos autores (na foto) – que, ironicamente, é careca – teve que demonstrar uma pesquisa com esse chapéu. (foto: reprodução)

Também na área capilar, ganhou o prêmio de física um velho conhecido da CH On-line: o trabalho – feito por matemáticos carecas – que demonstra a equação da Rapunzel, fórmula que prevê o caimento e a forma dos ‘rabos de cavalo’. A genialidade de Joseph Keller, um dos autores do estudo, é tanta que durante a cerimônia ele recebeu o primeiro prêmio retroativo da história do Ig Nobel, por ter inventado um cálculo para a criação de um bule de chá que não pinga.

Crítica com humor

Todos os Ig Nobel estão na fronteira entre a trivialidade e a genialidade. Pendendo mais para a segunda está o trabalho agraciado com o láurea na categoria de neurologia. Craig Bennet, neurocientista da Universidade da Califórnia (EUA), e seus colegas tomaram um passo arriscado e decidiram testar a atividade cerebral de um peixe morto – um salmão.

Usando complexos equipamentos de ressonância magnética e contas simples de estatística, eles conseguiram identificar atividade e provar que havia vida no cérebro do animal! É claro que não se tratava de um milagre, mas de um erro da máquina. Com truques de cálculo usados propositalmente para reafirmar o falso-positivo, os pesquisadores mostraram que os neurocientistas devem tomar mais cuidado em seus trabalhos.

Peixe morto
Os laureados com o prêmio de neurologia conseguiram identificar atividade cerebral em um salmão morto. (foto: Bennet)

Entre outros premiados com o Ig Nobel estão um relatório do Escritório de Contabilidade dos Estados Unidos que versa sobre relatórios (literatura); uma pesquisa que mostra por que a torre Eiffel parece menor quando o observador a olha inclinado para a esquerda (psicologia); um estudo que explica a física por trás do movimento do café ao ser transportado em uma xícara (dinâmica de fluidos) e o trabalho de uma empresa russa que transforma explosivos militares em nanodiamantes que podem ser usados em aparelhos de quimioterapia.

 

Merece o Ig Nobel?
Como no Nobel, os candidatos podem ser nomeados para concorrer ao prêmio máximo do humor científico. Qualquer pessoa pode mandar um e-mail para a organização do evento sugerindo um cientista ou equipe. É possível indicar a si mesmo, mas até hoje poucos ganhadores do prêmio foram autonomeados. Saiba mais aqui.
 

Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line