Da lama às pimenteiras

Os caranguejos, fartamente encontrados nos manguezais brasileiros, podem auxiliar no combate da mais prejudicial doença que ataca as plantas de pimenta-do-reino da Amazônia ( Piper nigrum ): a fusariose. A tese de doutorado da engenheira agrônoma Ruth Linda Benchimol, defendida na Universidade do Pará (UFPA) em convênio com a Universidade de Guelph (Ontário, Canadá), analisou a ação da quitina — substância que reveste o exoesqueleto dos artrópodes — no controle da doença. Causada pelo fungo Fusarium solani f. sp. piperis , a fusariose provoca o apodrecimento total da raiz e o secamento das plantas.

A idéia da pesquisadora partiu de informações preliminares de que a quitina é eficiente no combate ao fungo que causa a doença. A presença desse material no solo estimula a proliferação de uma microflora de fungos e bactérias que o degrada e consome. Esses microrganismos destroem também a parede celular do Fusarium , composta em parte por quitina, e com isso eliminam o fungo. “Trata-se de um ‘desbalanço’ ecológico no bom sentido, que ajuda a manter a população do patógeno em equilíbrio e evita surtos epidêmicos”, diz Ruth.

Além da quitina, a casca de caranguejo contém outros nutrientes — ferro, zinco, fósforo e, em maior quantidade, o cálcio (45%). Adicionados ao solo, eles favorecem o crescimento da planta de pimenta-do-reino e a tornam mais viçosa, sobretudo na parte aérea, onde estão localizadas as espigas. Além disso, o cálcio, um elemento básico, contribui para a elevação do pH do solo da região, muito ácido.

 

 

Antes de ser espalhada no terreno cultivado com pimenteiras, a casca do caranguejo (esq.) deve ser triturada e moída (fotos: Ruth Benchimol)

O estudo da pesquisadora da Embrapa Amazônia Oriental (Belém-PA) trará vantagens ambientais e econômicas. Usar produtos orgânicos no solo é uma forma natural de combater pragas e doenças e evita o uso de agrotóxicos. Desde sua detecção, no início dos anos 1960, a fusariose já destruiu mais de 10 milhões de pimenteiras: um enorme prejuízo econômico aos pipericultores da região amazônica. Além disso, o caranguejo é capturado às centenas nos manguezais da região, e sua casca vai para o lixo ou é aproveitada na produção de peças artesanais.

Com o mesmo objetivo de combater a fusariose, Ruth analisou a ação de resíduos da extração do óleo essencial da pimenta-de-macaco ( Piper aduncum ), uma pimenteira nativa da Amazônia, e também de suas folhas secas e trituradas — sem a extração do óleo. Essa planta é conhecida pela medicina popular como remédio para males intestinais e ginecológicos e no combate à esquistossomose. “Ao contrário da quitina, a P. aduncum inibe o crescimento do Fusarium e tem ação fungicida e antibiótica direta sobre o fitopatógeno”, explica a pesquisadora.

Até o momento só foram realizados testes de laboratório e em condições controladas, em casa telada. A expectativa de Ruth é de que testes de campo em escala experimental em áreas de pesquisa e de produtores sejam realizados a partir de 2004. “A longo prazo, esperamos disponibilizar ao produtor essa tecnologia, para reduzir custos e minimizar danos ambientais.”

Denis Weisz Kuck
Ciência Hoje on-line
28/03/03