Da pele para o fígado

Um estudo publicado on-line ontem na Nature pode trazer esperança para os que aguardam um transplante de fígado. A partir de um tipo de células-tronco em estágio avançado de diferenciação – as células-tronco multipotentes induzidas (iMPC, na sigla em inglês) – obtidas de fibroblastos humanos, pesquisadores estadunidenses conseguiram produzir células do fígado que, implantadas em camundongos com lesão hepática, recuperaram parte do órgão.

As iMPC são obtidas de forma semelhante às já famosas células-tronco pluripotentes induzidas (iPS), que se encontram em fase menos avançada de diferenciação. Inicialmente, a equipe usou um vírus para introduzir fragmentos genéticos nos fibroblastos. Tais fragmentos fizeram com que as células da pele retornassem a um estágio capaz de se transformar em certos tecidos – e não em todos, como no caso das iPS. Em seguida, os pesquisadores colocaram as iMPC em um meio contendo fatores que induzem sua diferenciação em células semelhantes às do fígado fetal.

Os primeiros experimentos regeneraram apenas 2% do fígado dos camundongos nove meses após o transplante. Mas resultados melhores podem ser alcançados

Quando transplantadas para camundongos com lesão hepática, tais células amadureceram e exibiram comportamento similar ao de células hepáticas adultas. “A principal vantagem dessas células sobre um transplante de fígado é que, como as células da pele seriam retiradas do próprio paciente, não há risco de rejeição”, diz o médico Holger Willenbring, pesquisador da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, e coautor do estudo.

De acordo com o pesquisador, os primeiros experimentos regeneraram apenas 2% do fígado dos camundongos nove meses após o transplante. Mas ele acredita que resultados melhores devem ser alcançados, pois ainda é possível melhorar o processo de implante das células no animal. Além disso, as células podem levar mais tempo para proliferar. “Não temos certeza sobre o alcance de 100% de regeneração do fígado, mas esperamos atingir níveis altos de recuperação.”

Rápido e simples

Willenbring lembra que estudos parecidos já foram feitos utilizando as iPS, mas a transformação dos fibroblastos nessas células pluripotentes requer um processo complicado. As iMPC são um pouco mais diferenciadas do que as pluripotentes e induzir sua formação a partir de células da pele é mais simples e rápido. “Além disso, até então, transplantes feitos com iPS só se mostraram eficazes in vitro”, completa o pesquisador.

Além de ser mais simples, a produção de células hepáticas a partir das iMPC evita a tão temida formação de tumor que assombra as terapias com células-tronco

Ainda que tenha regenerado as células hepáticas, o transplante com as iMPC não serve para tratar todo tipo de lesão do fígado. Como precisam de um tempo de maturação até que se tornem ativas, tais células só podem ser usadas quando há lesões hepáticas crônicas, em que a função do fígado é perdida gradativamente. Nas lesões agudas, a destruição das células é súbita e as células-tronco não teriam tempo para amadurecer.

Além de ser mais simples, a produção de células hepáticas a partir das iMPC evita a tão temida formação de tumor que assombra as terapias com células-tronco. Diferentemente das pluripotentes, que podem se transformar em qualquer tipo de tecido, as células multipotentes têm menor chance de produzir um tumor quando transplantadas, por estarem em um estágio mais diferenciado. “Não detectamos formação de tumores nesse estudo, mas precisamos de experimentos de maior escala”, adiciona o médico.

Mariana Rocha
Ciência Hoje On-line