Da seca ao deserto

A seca e a desertificação representam grandes riscos para a segurança alimentar, social e econômica no mundo todo. Com o crescimento da população, o uso irresponsável dos recursos naturais e o aumento da temperatura do planeta, a tendência é que eles se agravem. O recado é dado pelo economista Antônio Rocha Magalhães, no Dia Mundial do Combate à Desertificação.

Presidente do Conselho de Ciência e Tecnologia da Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca (UNCCD, na sigla em inglês) e assessor do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), Magalhães alerta para a situação no Brasil e no mundo. 

No Brasil, as regiões secas – mais suscetíveis à desertificação – abrangem 10,5% do território nacional e abrigam quase 22 milhões de habitantes, segundo dados do IBGE de 2011, tendo o semiárido nordestino como seu principal representante. Embora haja uma história de 150 anos de políticas de combate à seca na região, o economista ressalta que as condições não estão melhores; pelo contrário.

Semiárido nordestino
O semiárido brasileiro abrange 10,5% do território do Nordeste e concentra uma população de quase 22 milhões de habitantes. (fonte: Ministério do Meio Ambiente)

“Ao longo desse tempo, houve uma ocupação muito grande do território do semiárido, o que implicou em maior desmatamento e degradação do solo para práticas agrícolas e pecuárias, bem como em maior exploração dos recursos naturais.”

Essas características, explica, diminuem a disponibilidade de água, não apenas para o consumo humano, mas também para a agricultura, que, junto com a pecuária, é uma das principais atividades econômicas do Nordeste. “Nas áreas de pequena produção que dependem da chuva, praticamente não houve produção agrícola em 2012 e agora em 2013”, observa Magalhães. “Essa situação agrava a pobreza, aumenta as migrações e as disputas sociais por recursos hídricos.”

Impactos mundiais

Junto com os desertos, as regiões secas correspondem hoje a 41% do território mundial, segundo o relatório A drylands call for action: Declaration of Fortaleza, publicado pelo CGEE em 2011. “Isso corresponde à área ocupada por 30% da população mundial, ou dois bilhões de pessoas”, acrescenta Magalhães.

De acordo com o economista, o cenário mundial é ainda pior que o brasileiro, principalmente na África, que é o continente mais populoso. “As regiões secas, particularmente as regiões semiáridas, que são mais populosas, têm como característica serem mais instáveis”, diz o economista. “Num ano bom, chove e a produção agrícola é boa, mas, se há uma pequena variação no índice de chuvas, isso já significa uma seca, o que afeta a disponibilidade de recursos hídricos e a produção, assim como aumenta as disputas por recursos naturais”, completa.

As regiões secas respondem por cerca de 40% da produção total de alimentos no mundo. Uma queda nessa produção pode gerar insegurança alimentar em outras regiões

Magalhães afirma ainda que, no futuro, os impactos sociais e econômicos podem ser ainda mais graves e afetar o resto da população mundial. “Hoje, as regiões secas respondem por algo em torno de 40% da produção total de alimentos no mundo”, ressalta. “Uma queda na produção pode gerar insegurança alimentar, principalmente entre as populações mais pobres, e aumentar a necessidade de apoio externo para que elas possam sobreviver.”

Ações de combate

Por mais desfavorável que seja o cenário atual e futuro, estudos recentes conduzidos pelo CGEE trazem recomendações para contornar o quadro da seca e da desertificação. Segundo Magalhães, é preciso fortalecer órgãos como a UNCCD do ponto de vista institucional e direcionar mais políticas públicas para as regiões secas. “Precisamos de ações que incentivem o uso mais sustentável e a recuperação dos recursos naturais, como o reflorestamento, e criar formas para que as atividades humanas não degradem ainda mais o solo”, reforça.  

Além disso, Magalhães defende um forte investimento em educação, que, em longo prazo, capacite a população a resolver seus próprios problemas quanto aos recursos naturais. “Isso é fácil de dizer e muito difícil de fazer, porque no curto prazo os investimentos vão no sentido contrário dessas políticas”, declara o economista. “O Estado precisa atuar e intervir no acesso da população aos recursos naturais.”

Regiões secas
Regiões secas são áreas que, por conta do processo de degradação e do aumento da temperatura média do planeta, são mais suscetíveis ao processo de desertificação. (foto: CGEE)

Entre os planos do governo brasileiro para a mitigação do problema está a adequação e aprovação do projeto de lei que institui a Política Nacional de Combate e Prevenção à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca. A ideia é elaborar uma matriz de ações para a segurança alimentar, energética e hídrica no âmbito do desmatamento e promoção do uso sustentável de recursos naturais. Essa agenda foi apresentada durante 2ª Conferência Científica da Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação (UNCCD), na cidade de Bonn, Alemanha, em abril de 2013.

Desertificação em pauta
Apesar de ser um problema antigo, o tema da desertificação ganhou maior destaque a partir da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, mais conhecida como ECO-92, e com a criação da Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca (UNCCD, na sigla em inglês), em 1992. A carta final das resoluções da ECO-92 foi aprovada no dia 17 de junho de 1994 e, a partir do ano seguinte, nessa data, passou a ser comemorado o Dia Mundial do Combate à Desertificação. Um dos principais objetivos da iniciativa é aumentar a cooperação entre os países, principalmente no que se refere a programas de proteção e recuperação das regiões secas no mundo. 

Déborah Araujo
Ciência Hoje On-line

Este texto foi atualizado para incluir a seguinte alteração:
Diferentemente do que havíamos informado, a Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca (UNCCD) foi criada em 1992 – e não em 1993 – e a carta final das resoluções da ECO-92 foi aprovada – e não finalizada – em 17 de junho de 1994. (19/06/2013)