Declarações racistas de Watson chocam cientistas

O geneticista James Watson em foto de 2003 (foto: Wikimedia Commons).

A comunidade científica mundial está constrangida pelas declarações racistas divulgadas na imprensa pelo geneticista norte-americano James Watson, um dos ganhadores do Nobel de medicina de 1962. Em entrevista ao jornal britânico The Sunday Times , Watson insinuou que os negros são menos inteligentes que os brancos, contrariando evidências da genética evolutiva acumuladas nas últimas décadas.

“Nossas políticas sociais estão baseadas no fato de que a inteligência [dos negros] é a mesma que a nossa – enquanto todos os testes dizem que não é bem assim”, afirmou Watson ao jornal britânico, sem citar quaisquer estudos para fundamentar seu argumento. “Aqueles que têm que lidar com empregados negros descobrem que isso não é verdade”, completa o geneticista, famoso por ter descoberto, ao lado do britânico Francis Crick, a estrutura em dupla-hélice da molécula de DNA.

O mesmo texto do Sunday Times ( clique aqui para lê-lo – em inglês) cita ainda uma passagem do novo livro de Watson a ser lançado na semana que vem no Reino Unido, Avoid boring people [Evite pessoas chatas]. Watson afirma que “não há razão firme para se antecipar que as capacidades intelectuais dos povos geograficamente separados em sua evolução deveriam provar que eles evoluíram de forma idêntica. Nosso desejo de reservar poderes iguais de razão como herança da humanidade não é o bastante para que assim seja.”

As declarações de Watson chocam pelo teor absurdo e pela falta de fundamentação científica. “Tudo que a genética tem nos mostrado nos últimos 20 anos é que raças humanas não existem do ponto de vista científico”, lembra o geneticista Sergio Pena, professor da Universidade Federal de Minas Gerais. “A variabilidade humana está concentrada ‘dentro das populações continentais’ e não ‘entre continentes’.” 

A coluna Deriva Genética , que Sergio Pena assina mensalmente na CH On-line , tem apontado reiteradas vezes a inconsistência do conceito de raça do ponto de vista científico. As declarações infelizes de Watson são um bom pretexto para o internauta reler as contribuições de Sergio Pena, em especial os textos “Receita para uma humanidade desracializada” e “Um anti-racista à frente de seu tempo” .

Somos todos africanos
Em entrevista à CH On-line , Pena lembra que há uma relação genealógica entre todas as populações do mundo – incluindo a européia – e a África. “A humanidade moderna emergiu na África há menos de 200 mil anos e só nos últimos 60 mil anos saiu daquele continente para popular os outros”, afirma o geneticista. “Do ponto de vista evolucionário, somos todos africanos, vivendo na África ou em exílio recente de lá. Não faz nenhum sentido haver diferenças biológicas entre africanos e povos de outros continentes.”

Pena lembra que Watson está falando sem qualquer conhecimento de causa – a genética evolutiva não é sua área – e teme que suas declarações sejam levadas a sério por causa de sua ‘autoridade’. Por trás das afirmativas infelizes está, segundo o professor da UFMG, uma confusão entre um problema histórico-político e um conceito biológico.

“Nos últimos 500 anos a África tem sido vítima de um imperialismo europeu impiedoso e selvagem, que criou dissensões entre grupos étnicos e manteve o continente economicamente de joelhos”, afirma Pena. “A situação africana é preocupante não por falta de capacidade genética intelectual, mas pela manutenção da pobreza e da ignorância que torna os países africanos vítimas fáceis do imperialismo do oeste.”

Bernardo Esteves
Ciência Hoje On-line
18/10/2007

Atualização (19/10/2007):

James Watson fez um pedido público de desculpas ontem pelas declarações racistas divulgadas na imprensa. Em artigo publicado no jornal britânico The Independent , o geneticista afirmou ter sido mal interpretado. “Àqueles que inferiram das minhas palavras que a África enquanto continente é de alguma forma geneticamente inferior, só posso me desculpar sem reservas”, afirma ele no artigo. “Não foi isso o que eu quis dizer. E o que é mais importante, do meu ponto de vista, é que não há base científica para tal crença.”

Watson sustenta, no entanto, que pode haver diferenças no desempenho intelectual de diferentes povos que seriam determinadas geneticamente, e acredita que a ciência poderá um dia elucidar essa questão. “Ainda não entendemos direito a maneira pela qual os diferentes ambientes do mundo teriam selecionado os genes que determinam a nossa capacidade de fazer diferentes coisas. O desejo esmagador da sociedade hoje é assumir que poderes iguais de raciocínio são uma herança universal da humanidade. Mas simplesmente desejar que seja esse o caso não basta. Isso não é ciência.”

Clique aqui para ler na íntegra o artigo de Watson em tradução publicada pela Folha Online .