Dengue ameaçada

A estratégia parece estranha: soltar mais mosquitos Aedes aegypti para controlar a disseminação da dengue. Mas a tática, já noticiada pela CH On-line, é uma das mais promissoras para pôr fim à doença e chega agora ao Brasil, onde a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em parceria com pesquisadores australianos, pretende liberar, a partir de 2014, mosquitos infectados com uma bactéria que inibe a transmissão de todos os tipos de dengue.

Há mais de dez anos, pesquisadores das universidades de Queensland e Monash, na Austrália, estudam a bactéria Wolbachia, inofensiva para humanos e comum no organismo de muitos insetos. Em 2009, eles descobriram que, quando injetada com agulhas finíssimas em embriões do Aedes aegypti, a bactéria é capaz de bloquear o desenvolvimento do vírus da dengue nos insetos e em seus filhotes. Se os mosquitos não servem mais de lar para o vírus, também não transmitem a doença para humanos.

Quando soltos na natureza, os mosquitos diferenciados substituem aos poucos a população de mosquitos normais

A vantagem não para por aí. Além de tornar os mosquitos resistentes ao vírus da dengue, a bactéria provoca neles uma anomalia reprodutiva, de modo que, se um macho infectado com a Wolbachia se reproduz com uma fêmea que não tem a bactéria, os filhotes gerados morrem precocemente, antes de serem capazes de passar adiante o vírus, que poderia ter sido herdado da mãe. Quando soltos na natureza, os mosquitos diferenciados substituem aos poucos a população de mosquitos normais, que transmitem dengue.

No ano passado, os pesquisadores australianos realizaram os primeiros testes de campo com os mosquitos imunes à dengue. Em um pretensioso experimento, eles soltaram quase 300 mil mosquitos modificados em dois bairros da cidade de Cairns (Austrália). Em cinco semanas, os mosquitos ‘especiais’ dominaram a população local de Aedes aegypti e a doença ficou totalmente controlada na área.

“Mesmo hoje, depois de mais de um ano, os insetos modificados ainda totalizam 100% dos mosquitos Aedes aegypti da região”, afirma o líder da pesquisa na Austrália, o biólogo Scott O’Neill, da Universidade de Queensland. “A população está estável e nós continuamos coletando mosquitos e vendo se eles permanecem imunes à dengue. Podemos afirmar que não existe chance de transmissão da dengue nessas áreas.”

O projeto, que ganhou o nome de ‘Eliminar a dengue’, já conta com a colaboração de seis países, além do Brasil.

Mosquitos no Brasil

Aqui, os primeiros testes de cruzamentos entre mosquitos normais e os infectados com a Wolbachia serão realizados em criadouros no campus da Fiocruz no ano que vem. Apesar dos bons resultados obtidos na Austrália, os pesquisadores brasileiros ainda precisam verificar se a Wolbachia vai interagir da mesma maneira com os mosquitos e com os sorotipos de dengue encontrados no Brasil.

Confira animação que explica a nova estratégia de controle da dengue

A previsão é que, se tudo der certo, a partir de maio de 2014 se consiga a aprovação para que os mosquitos imunes brasileiros sejam liberados, inicialmente no Rio de Janeiro. Os locais exatos da soltura ainda estão sendo estudados.

O biólogo da Fiocruz Luciano Moreira, líder do projeto no Brasil, diz que, quando o procedimento for realizado, os moradores serão avisados. Vale lembrar que, segundo o pesquisador, a bactéria introduzida nos mosquitos não é passada para sua saliva e, portanto, não há chance de contágio em humanos.

Outros estudos apontam que a Wolbachia pode ainda ser usada para o controle de febre amarela e malária

Também já estão programados experimentos na Indonésia, Vietnã e China, grandes polos de transmissão da dengue. O’Neill estima que a repetição da estratégia nesses países pode beneficiar os cerca de 2,5 bilhões de pessoas que vivem em áreas de risco da doença.

Outros estudos apontam que a Wolbachia pode ainda ser usada para o controle de febre amarela e malária, doenças que também preocupam o brasileiro. Embora esse não seja o foco atual da pesquisa no Brasil, Moreira não descarta esses estudos.

Mosquito por mosquito

Outras pesquisas com mosquitos modificados para o controle da dengue já vinham sendo feitas no Brasil. A mais conhecida é uma iniciativa da Universidade de São Paulo (USP) em que machos de Aedes aegypti geneticamente alterados para se tornarem estéreis foram liberados na Bahia.

A ideia do projeto, que obteve R$ 1,7 milhão do Ministério da Saúde, era que os machos que não conseguem se reproduzir atraíssem fêmeas em período de cópula e, no final das contas, estas perdessem a chance de ter filhotes. Assim, a probabilidade de nascerem mosquitos infectados com o vírus da dengue seria menor.

Moreira aponta, no entanto, que o projeto ‘Eliminar a dengue’ – que recebeu R$ 600 mil do Ministério da Saúde e R$ 600 mil da Austrália para a realização da etapa brasileira – é mais eficaz que o da USP. Além disso, a produção do mosquito com Wolbachia em laboratório é mais fácil. “Uma vez que os mosquitos infectados com a bactéria são liberados, não precisamos soltar outros depois. É um projeto economicamente mais viável e que pode alcançar melhores resultados.”

Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line

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