Descoberta nova espécie de peixe na Amazônia

Uma nova espécie de peixe descoberta na Amazônia tem desafiado os cientistas. O animal não se encaixa em nenhuma das famílias existentes e uma nova família será criada para classificá-lo. Ainda sem nome científico, ele foi apelidado pelos pesquisadores de “peixe misterioso”. A espécie foi descoberta por cientistas do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), que agora trabalham em conjunto com ictiólogos do Museu de História Natural de Chicago (EUA) e do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo para classificar a espécie.

O novo peixe é longo, tem a parte de trás achatada lateralmente e é coberto de
pequenas escamas. O maior exemplar encontrado tinha 15 cm de comprimento

A espécie foi apresentada no 83o encontro da Sociedade Americana de Ictiologia e Herpetologia, realizado em Manaus no fim de junho. “Nossa apresentação foi muito concorrida e um exemplar vivo, exposto em um aquário, fez bastante sucesso”, conta Jansen Zuanon, coordenador do Centro de Pesquisa em Biologia Aquática do Inpa.

O primeiro exemplar do novo peixe foi encontrado em 1997 pela pesquisadora Ilse Walker, do Inpa, e passou a ser estudado por ictiólogos em 1999. Coletado por acaso junto com pequenos crustáceos, ele tinha apenas 2 centímetros. Seu tamanho e os padrões típicos de peixes muito jovens não permitiam um exame apurado. “Para complicar, tratava-se de um único peixe: não podíamos realizar intervenções como a dissecação”, diz Zuanon.

Radiografia do “peixe misterioso” realçada em cores pelos pesquisadores

Em 2001 cerca de 20 novos espécimes foram encontrados na bacia do rio Negro, próximo a Manaus. Só aí foi possível identificar o hábitat da espécie, que vive sob as folhas que caem das árvores e se acumulam no fundo dos rios. Os peixes vivem enterrados durante boa parte do tempo, hábito chamado pelos cientistas de semi-fossorial.

Foram realizados exames mais detalhados da morfologia externa e interna da espécie. Por meio da diafanização (processo químico que tinge ossos e cartilagens e torna a musculatura transparente) foi possível estudar a estrutura óssea do animal. “Suas características não apontam relação evidente com outras espécies e não foi possível enquadrá-lo em nenhum grande grupo de peixes da Amazônia”, diz Zuanon. Os indivíduos adultos têm características que, na maioria dos outros peixes, ocorrem apenas na fase larval, como as nadadeiras laterais em forma de remo.

Por se alimentar de peixes menores e invertebrados, a nova espécie tem boca
grande e dentes afiados. Os olhos, pequenos, são situados à frente da cabeça

O “peixe misterioso” consegue viver em condições muito ruins de oxigenação da água, graças à capacidade de respirar na superfície. Os cientistas acreditam que essa capacidade está relacionada à sua bexiga natatória dividida em 10 câmaras. Nos outros peixes, essa bolsa cheia de ar, que fica na cavidade abdominal e é responsável pela capacidade de flutuar, é dividida em no máximo três câmaras.

“É impressionante o fato de o peixe ter sido encontrado tão perto de Manaus, apesar dos mais de 300 anos de exploração ictiológica na região”, diz Zuanon. “A descoberta alerta para a necessidade de inventariar rigorosamente a fauna e flora antes que se desenvolvam projetos que comprometem o ecossistema, sobretudo os cursos d’água.”

Adriana Melo
Ciência Hoje On-line
03/07/03